Preços de transferência – despesas com frete e seguro pagos a terceiros

por Flávio Veitzman
Associado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade da Flórida, EUA (John W. Thatcher Graduate Tax scholar).

por José Márcio R. Rego Filho
Assistente jurídico da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Graduando pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

INTRODUÇÃO

Com a edição da Lei nº 9.430, de 27.12.1996 (“Lei 9.430/96”), as regras de preço de transferência foram inseridas no sistema tributário brasileiro, tendo como principal finalidade coibir a realização de operações em condições de favorecimento entre pessoas vinculadas, que possibilitariam a transferência de lucros/resultados ao exterior sem que estes estejam sujeitos à tributação no Brasil.

Assim, ao realizar operações de importação e exportação com pessoas vinculadas, ou ainda com pessoas residentes em países considerados como paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, as pessoas jurídicas brasileiras deverão comprovar a regularidade “fiscal” do preço praticado em sua transação com o preço parâmetro a ser determinado com base em métodos expressamente previstos na legislação.

 Em se tratando de operações de importação, o valor do operação realizada que eventualmente exceder ao preço parâmetro apurado com base em um dos métodos previstos nas regras de preços de transferência não será considerado uma despesa dedutível para a empresa brasileira, devendo, portanto, ser adicionado ao seu lucro tributável. Regra geral, o inverso ocorre em operações de exportação: caso o preço da operação realizada pelo contribuinte seja menor que o preço parâmetro apurado com base em um dos métodos previstos nas regras de preços de transferência, referida diferença será considerado uma receita tributável para a empresa brasileira, devendo, portanto, ser adicionado ao seu lucro tributável.

Ocorre, porém, que as regras de preço de transferência aplicáveis a operações de importação não são suficientemente claras quanto à correta determinação  do preço praticado nas operações realizadas pelo importador brasileiro para os fins de sua  comparação com o preço parâmetro, provocando, assim,  divergências entre contribuintes e autoridades fiscais na interpretação das referidas normas. Dentre tais discussões, pode-se destacar o debate quanto à obrigatoriedade, ou não, de os valores relativos a frete e seguro serem integrados ao custo do bem importado a ser comparado com o preço parâmetro obtido a partir de um dos métodos previstos na legislação fiscal em vigor [Método dos Preços Independentes Comparados (“PIC”); Método do Preço de Revenda menos Lucro (“PRL”); e Método do Custo de Produção mais Lucro (“CPL”)].

Neste contexto, vale destacar que, recentemente, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CSRF”) do Ministério da Fazenda teve a oportunidade de analisar, pela primeira vez, referida discussão. Nesta oportunidade, a 1ª Turma da CSRF, divergindo da posição que vinha até então prevalecendo nos tribunais administrativos, decidiu de modo favorável aos contribuintes, entendendo que os valores relativos ao frete e seguro não devem compor o custo de aquisição do importador brasileiro para fins de cálculo de preço de transferência.     

Espera-se que o resultado do referido julgamento – o qual, conforme veremos a seguir, está em consonância com a melhor aplicação das regras de preço de transferência – venha a exercer importante influência na discussão travada pelos importadores nacionais com as autoridades fiscais brasileiras.

FRETES E SEGUROS PAGOS A TERCEIROS – CUSTO DE AQUISIÇÃO NA IMPORTAÇÃO – INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA   

O artigo 18 da Lei 9.430/96, que contém as normas gerais de aplicação das regras de preços de transferência na importação de bens, serviços ou direitos, trata, em seu parágrafo 6º, dos custos atrelados às operações de importação, dispondo que: “Integram o custo, para efeito de dedutibilidade, o valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador e os tributos incidentes na importação”.

A partir da leitura de referido dispositivo, pode-se notar a falta de clareza de sua redação, a qual acaba por  dar margem à seguinte dúvida: os valores relativos ao frete e seguro devem ser integrados ao custo da operação de importação para fins de comparação com o preço parâmetro ou tais custos, quando assumidos pelo importador brasileiro, podem ser diretamente deduzidos para fins de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSL”)?

A esse respeito, o Fisco têm entendido que o termo “custo” contido no parágrafo 6º do artigo 18 da Lei 9.430/96 refere-se ao valor da operação de importação a ser utilizado para os fins de comparação com o preço parâmetro, não se confundido como uma mera autorização para a dedutibilidade de valores de frete e seguro das bases de cálculo do IRPJ e da CSL. Pode-se notar, de forma clara, referido posicionamento das Autoridades Fiscais por meio do disposto nos parágrafos 4º e 5º do artigo 4º da Instrução Normativa nº 243/02.

Tal interpretação, que é principalmente aplicada nos casos envolvendo o Método PRL[1], baseia-se no entendimento de que, tendo em vista que no preço de revenda – e, portanto, no preço parâmetro – normalmente são incluídos os custos de frete e seguro, além do imposto de importação, o preço de aquisição praticado pelo importador também deveria comportar tais custos, para evitar uma suposta distorção na comparação.

 Em que pese o acima exposto, verifica-se que não há na Lei 9.430/96 uma autorização  expressa para que os valores correspondentes ao frete e seguro sejam adicionados diretamente ao preço de aquisição do bem importado, assim como defendem as autoridades fiscais.

Ora, vale mencionar que, como regra geral, os serviços de frete e seguro são prestados por terceiros não vinculados ao importador brasileiro. Na medida em que somente se sujeitam a ajustes de preços de transferência os custos que podem ser manipulados, os valores de frete e seguros pagos a terceiros não devem estar sujeitos às regras de preço de transferência e, portanto, devem ser integralmente dedutíveis para fins de apuração do IRPJ e CSL devidos pelo importador.

Não obstante o acima, as Autoridades Fiscais – valendo-se de regras previstas na Instrução Normativa nº. 243/02 – têm buscado modificar as disposições da Lei 9.430/96, ao prever a inclusão dos custos de transporte e seguro “na determinação do custo de bens adquiridos no exterior” e “para efeito de apuração do preço a ser utilizado como parâmetro”, respectivamente.

Ora, não há dúvidas que uma instrução normativa tem o único e exclusivo objetivo de explicitar a forma de aplicação da lei, não sendo possível inovar e dispor de forma contrária à lei. Desta forma, resta claro que a IN 243/02 jamais poderia ampliar as disposições da Lei 9.430/96, de modo a requerer ajustes ao lucro tributável de valores não sujeitos às regras de preço de transferência, sob pena de afrontar o princípio da legalidade, tal como consagrado nos artigos 5º, inciso II, e 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

COMENTÁRIOS FINAIS

À luz do acima exposto, verifica-se que a recente decisão da 1ª Turma da CSRF mostra-se como um importante precedente para os contribuintes na discussão envolvendo a não inclusão dos valores de frete e seguro na determinação do custo de aquisição do bem importado para fins de comparação com o preço parâmetro, sinalizando que a questão pode ter um desfecho favorável aos contribuintes.

Ademais, referido precedente traz esperança aos contribuintes quanto à correta interpretação das regras de preço de transferência no Brasil, podendo, ainda, abrir caminho para a discussão e flexibilização da legislação nacional, que, diferentemente das regras aplicáveis em diversas jurisdições estrangeiras, estabelece métodos rígidos de apuração do preço parâmetro (i.e., adoção de margens de lucro pré-estabelecidas). Com isso, espera-se tornar menor tortuosa a tarefa dos contribuintes brasileiros para comprovar que as operações realizadas com partes vinculadas estrangeiras estão sendo realizadas em condições arms’lenght.


[1] Definido como a média dos preços de revenda dos bens, serviços ou direitos, diminuídos: (a) dos descontos incondicionais concedidos; (b) dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas; (c) das comissões e corretagens pagas; e (d) da margem de lucro de 20% ou 60%, aplicada sobre o preço de revenda, conforme se tratem de produtos acabados ou de bens importados aplicados na produção, respectivamente.

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