CARF e Outros Tribunais Administrativos – Uma Análise Crítica dos Modelos Adotados

por Renata Tuma e Pupo
Advogada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

Desde a deflagração da Operação Zelotes, em que a Polícia Federal investiga supostos esquemas de venda de decisões junto ao CARF – Conselho Administrativo de Recuros Fiscais, muito se tem questionado sobre a atual configuração da Instituição, principalmente em relação à forma paritária de composição dos julgadores.

O modelo utilizado por grande parte dos nossos tribunais administrativos prevê a existência de uma divisão igualitária entre os representantes dos Contribuintes e da Fazenda Nacional, isso em se tratando do nosso contencioso administrativo tributário federal.

O CARF, que quando criado, chamava-se Conselho de Contribuintes do Imposto de Renda [1], – apenas analisava recursos sobre o imposto de renda – era composto por cinco membros seriam escolhidos entre contribuintes do comércio, indústria, profissões liberais e funcionários públicos, todos de reconhecida idoneidade e nomeados pelo Ministro da Fazenda.

Não havia, portanto, uma divisão entre quem representaria a sociedade e o Estado. Mas esse formato foi modificado em meados de 1927, quando o Conselho de Contribuintes passou a analisar outras matérias, além do imposto de renda, como impostos de consumo.

Desde então, o Conselho é composto de forma paritária, constituído por membros representantes dos contribuines, indicados pelas principais associações de classe e por funcionários da Administração Pública, para representar a Fazenda.

Importante ressaltar, que, não obstante as diversas alterações na legislação que regem o Conselho, tendo o regimento interno da instituição sido modificado por inúmeras vezes, nunca houve qualquer proposta que alterasse o presente modelo de paridade.

Esta proposta, assim como todo sistema contencioso administrativo, advém da proposta do “Estado Social” – também chamado de bem-estar social –, que configura um modelo estatal com a intenção de consagrar aspirações sociais programáticas em disposições normativas, com a intenção de promover atitudes positivas por parte do Estado para atingir o bem-estar da sociedade[2].

A divisão igualitária dos julgadores vai muito além de mera representação. Isso porque, no contencioso administrativo tributário, seja ele federal, estadual ou municipal, a Fazenda Pública tem o poder de conferir certeza aos títulos executivos (no caso – CDA) sem o consentimento do contribuinte[3], diferente dos casos de títulos executivos extrajudiciais.

A paridade confere ao Contribuinte o devido processo legal, em que representantes da classe possam participar da legitimação do mencionado título, ainda que a existência do voto de desempate seja sempre do representante da Fazenda (no modelo atual).

O fim deste tipo de organização irá conferir ao Fisco um poder absoluto: os autos de infração são por ele lavrados, e os recursos serão por ele também analisados.

Os tribunais estaduais brasileiros possuem o mesmo modelo adotado pelo CARF, com exceção do Tribunal AdministrativoTributário do Estado de Pernambuco – TARE, que,. desde os anos de 1970, passou a exigir concurso público para a investidura do cargo de conselheiro do tribunal.

Eis que surgiu, após inúmeros os escândalos decorrentes da citada operação da Polícia Federal, após – ainda – cogitarem o fim do CARF, a hipótese de transformar o Conselho em um órgão não mais paritário, composto por julgadores previamente aprovados em um concurso público para tal função.

A discussão há tempos existe e é defendida pelo Ex- Secretário da Receita Federal Everardo Maciel [4], no sentido de que a segunda instância do contencioso administrativo federal – CARF, bem como dos demais tribunais de julgamento fiscal pelo país, não deveriam ter natureza paritária, uma vez que não deve haver interesse de nenhuma das partes, seja ela do contribuinte ou da fazenda.

Para os que apoiam este modelo, os tribunais deveriam ser compostos por agentes públicos, investidos para tal função, com dedicação exclusiva ao cargo. Isto, teoricamente, colocaria fim ao problema da corrupção dos conselheiros, fato este que suspendeu as atividades do CARF desde meados de março do presente ano.

Um primeiro passo para mudança foi dado: o Conselho Federal da OAB decidiu que é incompatível o cargo de conselheiro – representante do contribuinte – (com atuação no âmbito federal) com o excercício da advocacia. Em outras palavras, aquele que atuar como julgador, não poderá integrar sociedades de advogados, tampouco atuar por conta própria [5].

Ainda para fomentar as mudanças do Conselho, foi apresentada Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC 112/15, junto à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, a CPI do CARF, cujo tema dividiu opiniões.

A PEC prevê, dentre outros aspectos, a introdução do inciso XXIII ao artigo 37 da Constituição Federal, contendo o seguinte texto:

“Art. 37…………………………………………………
……………………………………………………………..
XXIII- os órgãos do contencioso fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão integrados por bacharéis em direito com, no mínimo, 5 anos de atividade jurídica na área tributária e aprovados em concurso público específico de provas e títulos.”

 A intenção do Poder Legislativo de realmente acabar com a paridade, tornando todos os julgadores membros da administração pública, foi objeto de consulta na aludida Comissão, contando ainda com a presença de alguns representante de entidades de interesse como membro da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil –ANFIP, dos advogados e até do próprio CARF.

A proposta, bem como uma efetiva mudança em todo o sistema tributário administrativo ainda encontra-se no âmbito de discussões, possíveis ajustes e melhorias. Ainda não há previsão de retorno das atividades judicantes do CARF.

De toda sorte, medidas necessárias para a melhor consecução do contencioso administrativo tributário deverão ser tomadas, observando-se a garantia dos princípios constitucionais, principalmente da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.

[1] O Conselho de Contribuintes do Imposto de Renda foi instituído pelo Decreto nº 16.580, de 04 de setembro de 1924, e começou a funcionar em 14 de setembro de 1925, no Rio de Janeiro – antiga capital do Brasil.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2014 (p. 4).

[3] Lei de Execuções Fiscais – 6.830/ 1980

[4] Informação fornecida pelo Ex- Secretário Everardo Maciel em entrevista dada à revista Veja, no dia 11/04/2015.

[5]. A decisão abrange o administrativo federal, mas a previsão é que se estenda aos tribunais estaduais. 

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