A Importância do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária no Contexto da Troca Internacional de Informações em Matéria Tributária

por Manuela Madeira Calheiros
Pós-Graduada em Direito Empresarial pela FGV
Advogada em São Paulo

 

I.  Introdução

O fenômeno da globalização, que interliga o mundo político, social, cultural e econômico, está integrando também os fiscos, em face da crescente necessidade de arrecadação dos países e da mobilidade de empresas e pessoas, que acabam levando ao deslocamento das atividades produtivas e das fontes de renda para países com tributação reduzida.

No mundo sem fronteiras, em que as empresas são globais, as famílias têm membros de diversas nacionalidades e a tecnologia está a favor da globalização, a preocupação dos países em diminuir a evasão fiscal, visa, cada vez mais, a transparência fiscal internacional, por meio da troca de informações em matéria tributária.

II. Transparência Fiscal Internacional

O principal fórum de discussão internacional sobre o tema da transparência fiscal e da troca de informações em matéria tributária é o Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que consiste em um grupo de trabalho que reúne 132 países, tanto membros da OCDE quando não membros, e 15 organizações internacionais como observadoras e, a partir da sua reestruturação em 2009, tem como principal tarefa a implementação dos padrões internacionais de transparência fiscal, através do monitoramento e avaliação dos próprios membros[1].    

Os instrumentos facilitadores da transparência fiscal internacional são os acordos de troca de informações, que podem estipular que essas trocas sejam a pedido ou automática. Em relação a esta última, as discussões, no âmbito global, evoluíram rapidamente, com a aprovação pelo G20[2], em 2014, do Common Reporting Standard (CRS) – Acordo Multilateral para a Troca de Informações e Colaboração em Matéria Fiscal, assinado por 96 países, que permitirá a troca automática de informação entre os assinantes do acordo.

Os Estados Unidos da América (EUA), por seu turno, criaram o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), com o objetivo de obter informações sobre os contribuintes norte-americanos que possuem atividades financeiras não declaradas no exterior[3]. Para tanto, o país tem firmado diversos acordos de troca de informações com outros países para implementação do FATCA.

A) O Brasil e os Acordos de Troca de Informações

A.1. FATCA

Em 20 de março de 2007, o Brasil assinou com os EUA, o Tax Information Exchange Agreement (TIEA), promulgado pelo Decreto n. 8.003/2013, cujo objetivo era o intercâmbio de informações tributárias.[4] 

Devido à necessidade de ampliação do TIEA para atender os requisitos do FATCA, o Brasil assinou um Acordo de Cooperação Intergovernamental (IGA) com os EUA para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA, que foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 146/2015.

Segundo nota à imprensa, divulgada pela assessoria de comunicação social do Ministério da Fazenda, em 23.09.2014, o acordo prevê:

 “(…) que informações sobre contribuintes norte-americanos no Brasil sejam encaminhadas pelas instituições financeiras para a Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e posteriormente repassadas por esta ao “Internal Revenue Service – IRS” dos EUA. Em contrapartida, a RFB receberá das autoridades tributárias norte-americanas informações sobre movimentações financeiras de contribuintes brasileiros em instituições financeiras dos EUA. Esta troca de informações se fará respeitando a confidencialidade da informação por ambas as partes.”

Nesse contexto, a primeira troca de informações foi realizada em setembro de 2015 e, segundo a Receita Federal do Brasil (RFB), o Brasil recebeu informações sobre cerca de 25.000 contas bancárias de brasileiros.

A.2. CRS

O CRS foi desenvolvido pela OECD, em conjunto com os países do G20 e com a comunidade europeia, e faz parte de um esforço mundial para aumentar a transparência fiscal internacional e evitar a evasão tributária.

Por meio de tal acordo, os países vão trocar informações financeiras dos cidadãos/contribuintes dos respectivos países, automaticamente, por meio de uma plataforma digital.

O relatório detalhado do CRS, elaborado pela OCDE, define quais as informações financeiras e quais as contas que serão reportadas, conforme detalhado a seguir:

(i) Informações financeiras reportadas: engloba diferentes tipos de rendimentos de investimentos, tais como juros, dividendos e outros rendimentos similares, também endereça situações em que o contribuinte tenta esconder valores que representam rendimentos ou ativos provenientes de evasão.
(ii) Contas a serem reportadas: engloba não apenas pessoas físicas, mas deve também identificar os contribuintes que tentaram evitar o reporte, utilizando entidades interpostas. O que significa requerer das instituições financeiras que identifiquem empresas de prateleira, trusts ou outros arranjos similares, incluindo entidades tributáveis utilizadas para encobrir situações em que o contribuinte tenta esconder o principal, mas paga tributos sobre os rendimentos. [5] 

Para o Brasil, que ainda não tem o conceito de beneficiário efetivo bem delineado na legislação interna, a definição de um escopo de troca de informação tão abrangente tem um significado ainda maior, pois nada mais é do que uma demonstração do que está por vir. 

Além disso, é importante destacar a ampla aceitação do acordo, já foi assinado por 96 países, conforme mencionado acima, dos quais 55 países[6] irão realizar a primeira troca automática de informação em 2017, por isso chamados de early adopters, e 41 países, que realizarão a primeira troca automática de informação em 2018[7], dentre os quais se inclui o Brasil.

Apesar do Brasil não está incluído no grupo dos early adopters, o país já se manifestou no sentido de que irá fornecer informações relativas ao ano-calendário 2016 e 2017 e não semente informações relativas ao ano-calendário anterior como será feito pelos demais países.

Ademais, o CRS foi aprovado pelo Congresso Nacional, em 23 de março de 2016.  

A.3. Acordos Bilaterais para Troca de Informações

Além das trocas de informações tributárias a serem realizadas por meio do FATCA e do CRS, o Brasil também realiza troca de informações não automáticas, isto é, sob solicitação, com base nos tratados para evitar a dupla tributação, que possuem cláusulas troca de informações, conforme abaixo:

1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições da presente Convenção e das leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos que são objeto da presente Convenção, e que sejam exigidos de acordo com a mesma Convenção. As informações assim trocadas serão consideradas secretas e somente poderão ser reveladas a pessoas ou autoridades (incluindo tribunais judiciais ou administrativos competentes) vinculadas à liquidação ou ao recolhimento dos impostos objeto da presente Convenção.
2. O disposto no parágrafo 1 não poderá, em caso algum, ser interpretado no sentido de impor a um dos Estados Contratantes a obrigação:
a) de tomar medidas administrativas contrárias a sua legislação ou à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;
b) de fornecer informação que não poderia ser obtida com base na sua própria legislação ou prática administrativa ou nas do outro Estado Contratante; e
c) de fornecer informações reveladoras de segredos comerciais, industrias, profissionais ou de processos comerciais ou industriais, ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública.[8] 

Ademais, objetivando realizar trocas de informações, sob solicitação, com países com os quais não possui tratados para evitar a dupla tributação, o Brasil também tem firmado diversos acordos bilaterais, como com Bermuda, Guernsey, Ilhas Cayman, Jersey, Suíça e Uruguai, os quais aguardam aprovação do Congresso Nacional para entrar em vigor.

A.4. A RFB e a e-Financeira

Importante destacar que o instrumento criado pela RFB, para transmissão, pelas instituições financeiras, das informações necessárias ao cumprimento do FATCA, foi a e-Financeira, regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 1.571/2015.

Além disso, em seu Plano Anual de Fiscalização, a RFB já esclareceu que as informações recebidas dos EUA serão confrontadas com as informações prestadas pelos contribuintes brasileiros, informando ainda que:

A solução tecnológica implementada para cumprir o FATCA servirá também para o cumprimento do Common Reporting Standard (CRS), acordo multilateral de troca de informações financeiras patrocinado pelo Global Forum, com o qual o Brasil se comprometeu a aderir e cujas primeiras trocas ocorrerão a partir de 2018. O padrão de troca de informações no CRS se assemelha ao FATCA, de modo que apenas uma obrigação acessória (e-Financeira) foi suficiente para captar os dados referentes a ambos os acordos.[9]

Deste modo, não restam dúvidas que a troca de informações entre o Brasil e os demais países já se iniciou e faz parte dessa nova era de globalização dos fiscos.

III. A Riqueza offshore Brasileira, a Evasão Fiscal e o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)

Segundo reportagem da BBC Brasil, o país tem a quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais, com valores que somaram até 2010 cerca de USD 520 bilhões. [10]

O The Tax Justice Network elaborou um estudo sobre os custos da evasão fiscal ao redor do mundo, e o Brasil consta como o segundo país com o maior o número de perdas arrecadatórias em face da evasão fiscal, com valores que atingem 39% do PIB brasileiro e correspondem a USD 814.277 bilhões, resultando em uma perda de arrecadação tributária de USD 280.111 bilhões (correspondentes a cerca de BRL 1 trilhão, na atual cotação do dólar). [11]

Essa foi uma das razões expostas para a proposição do Projeto de Lei n. 2.960/2015, posteriormente convertido na Lei n. 13.254/16, que estabeleceu o RERCT, conforme trecho destacado abaixo:

“Estimativas indicam que a arrecadação aos cofres da União poderá atingir cerca de 100 a 150 bilhões de reais. De fato, dados revelam que os ativos no exterior não declarados de brasileiros podem chegar a US$ 400 bilhões. São dados estimados, mas o caso do Brasil destoa de todos os demais, em virtude dos motivos que induziram muitos a destinar ou manter recursos fora do País. Basta pensar nos sucessivos planos econômicos, como os Planos Cruzado I e II (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Planos Collor I e II (1990 e 1991) e Plano Real (1994). Foram as dificuldades no passado para pagamentos no exterior e diga-se o mesmo quanto aos momentos de instabilidades cambial, política ou de crises internacionais.” 

Conforme exposto, é notório que o volume de capital não declarado mantido no exterior por brasileiros é tão grande, que despertou o interesse dos governantes, especialmente na crise econômica atual, em que a necessidade de arrecadação é urgente.

Assim, o RERCT aparece como uma possibilidade de grande arrecadação para os cofres públicos, especialmente porque, no âmbito internacional, as trocas de informações entre os países estão se tornando uma realidade, forçando os contribuintes a se regularizarem.

Caso contrário, o contribuinte corre o risco de perder a maior parte do patrimônio não declarado no exterior, tendo em vista que, em caso de autuação pela RFB, o contribuinte teria um custo de cerca de 83% do valor não declarado, somando-se imposto de renda, juros e multa, além de responder criminalmente por sonegação e evasão fiscal.

Por fim, é importante destacar que é a primeira vez no Brasil que será permitirá a regularização de ativos não declarados, mantidos no exterior, e, por isso e por todos os motivos já expostos, consideramos que seja uma oportunidade única que, muito provavelmente, não se repetirá em um futuro próximo.

IV. Conclusão

Os fiscos dos mais diversos países estão unindo esforços, visando aumentar a arrecadação tributária e diminuir a evasão fiscal. Assim, consolidam-se os novos padrões internacionais de transparência fiscal e as trocas de informações em matéria tributária.

O Brasil apresenta-se como um ativo participante dos debates sobre o tema, tendo assinado um IGA para troca de informação com os EUA, com base no FATCA, e o CSR, que permitirá a troca automática de informações com todos os países assinantes do acordo.

A posição do Brasil é coerente com a necessidade de arrecadação do país e com os estudos mundiais que são divulgados, em que o país aparece entre os países com o maior número de perdas arrecadatórias em face da evasão fiscal.

Nesse contexto, a importância do RERCT é indiscutível e adesão ao programa necessária, haja vista que as trocas de informações entre os países revelarão os ativos mantidos por brasileiros no exterior e a regularização será inevitável.

 



[2] O G-20 é um fórum informal que promove debate aberto e construtivo entre países industrializados e emergentes sobre assuntos-chave relacionados à estabilidade econômica global. […] Criado em resposta às crises financeiras do final dos anos 90, o G-20 reflete mais adequadamente a diversidade de interesses das economias industrializadas e emergentes, possuindo assim maior representatividade e legitimidade. O Grupo conta com a participação de Chefes de Estado, Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais de 19 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/?G20.

[4] No tocante ao Brasil, de acordo com o artigo III, 1, b, do TIEA, o acordo aplicar-se-á os seguintes tributos: (a) Imposto de renda da pessoa física e da pessoa jurídica (IRPF e IRPJ, respectivamente); (b) Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); (c) Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); (d) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); (e) Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); (f) Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); e (g) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

[5] (i) Tradução livre: The scope of financial information reported: A comprehensive reporting regime covers different types of investment income including interest, dividends and similar types of income, and also address situations where a taxpayer seeks to hide capital that itself represents income or assets on which tax has been evaded (e.g. by requiring information on account balances); (ii) The scope of accountholders subject to reporting: A comprehensive reporting regime requires reporting not only with respect to individuals, but should also limit the opportunities for taxpayers to circumvent reporting by using interposed legal entities or arrangements. This means requiring financial institutions to look through shell companies, trusts or similar arrangements, including taxable entities to cover situations where a taxpayer seeks to hide the principal but is willing to pay tax on the income. Disponível em: https://www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/automatic-exchange-financial-account-information-common-reporting-standard.pdf

[6] Anguilla, Argentina, Barbados, Bélgica, Bermuda, Ilhas Virgens Britânicas, Bulgária, Ilhas Cayman, Colômbia, Croácia, Curaçao, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Dominica, Estônia, Ilhas Feroe, Finlândia, France, Alemanha, Gibraltar, Grécia, Groenlândia, Guernsey, Hungria, Irlanda, Islândia, Índia, Ilha de Man, Itália, Jersey, Coreia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, México, Montserrat, Holanda, Niue, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia, San Marino, Seychelles, Eslováquia, Eslovena, África do Sul, Espanha, Suécia, Trindade e Tobago, Ilhas Turcas e Caicos, Reino Unido.

[7] Albânia, Andorra, Antígua e Barbuda, Aruba, Austrália, Áustria, Bahamas, Belize, Brasil, Brunei Darussalam, Canadá, Chile, China, Ilhas Cook, Costa Rica, Gana, Granada, Hong Kong (China), Indonésia, Israel, Japão, Kuwait, Ilhas Marshall, Macao (China), Malásia, Ilhas Maurício, Mônaco, Nova Zelândia, Qatar, Rússia, São Cristóvão e Nevis, Samoa, Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Arábia Saudita, Singapura, São Martinho, Suíça, Turquia, Emirados Árabes, Uruguai.

[8] Exemplo de cláusula de troca de informações: artigo XXVI, do Decreto n. 87.976, de 22 de dezembro de 1982, que promulgou Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria do Imposto sobre a Renda. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/argentina/decreto-no-87-976-de-22-de-dezembro-de-1982

[10] PINTO, Rodrigo. Ricos Brasileiros têm a quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais. BBC Brasil, 2012. 

[11] The Tax Justice Network. The Cost of Tax Abuse: a briefing paper on the cost of tax evasion worlwide. Novembro, 2011. Disponível em: http://www.taxjustice.net/2014/04/01/cost-tax-abuse-2011/.

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