ISS – Decisão do STJ sobre Leasing (RESP 1.060.210-SC) – O precedente afeta de alguma forma o conceito de estabelecimento prestador contido na LC 116/03?

por Marcio Seixas Vianna
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de  Janeiro – UERJ. Bacharelando em Ciências Contábeis pelo IBMEC/RJ. Associado Pleno da Área Tributária do escritório André Teixeira & Associados.

por Hugo Schneider Côgo
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo  – UFES. Associado da Área Tributária do escritório André Teixeira & Associados.

 

1. Introdução

A autorização constitucional para que os Municípios instituam imposto sobre serviços de qualquer natureza (Constituição Federal, art. 156, III) alimenta grande controvérsia a respeito da delimitação da competência das municipalidades.

Não raro, os serviços são prestados em Município distinto daquele em que se encontra fixado o estabelecimento do prestador. Diante disso, tanto o Município onde se localiza o estabelecimento do prestador quanto aquele em que a o serviço efetivamente se verifica costumam buscar mecanismos para exigir o ISS.

Para evitar a sobreposição de competências, são estipulados nas normas de regência dos tributos critérios para a solução de potenciais conflitos, cuja interpretação, infelizmente, também gera polêmica, especialmente em relação ao ISS.

Com o propósito de sedimentar o debate, o recente julgamento do Recurso Especial nº 1.060.210/SC forneceu, no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ, um novo parâmetro interpretativo, como se verá a seguir.

2. Critérios de determinação da competência para a exigência de ISS – Decreto-Lei nº 406/68 e Lei Complementar nº 116/03

Com fundamento de validade no art. 19, § 1º, da Constituição de 1967[1], o art. 12 do Decreto Lei nº 406/68[2] propôs como critério para a solução do conflito de competência tributária entre os Municípios, em relação à cobrança do ISS, o local do estabelecimento prestador, onde somente o Município em que esteja localizado o estabelecimento do prestador do serviço seria investido de competência para exigir o imposto.

Na falta de estabelecimento, a competência seria repassada ao Município em que domiciliado o prestador (alínea a, segunda parte), sendo que apenas em duas hipóteses o critério do local da prestação do serviço deveria ser adotado, construção civil e exploração de rodovias.

Posteriormente, fundamentado no art. 146, I, da Constituição de 1988[3], o art. 3º da Lei Complementar nº 116/03 renovou a opção legislativa pelo critério do local do estabelecimento prestador, observado que, na sua ausência, o serviço será considerado prestado no local do domicílio prestador.

Ressalte-se que foram significativamente ampliadas as hipóteses em que a competência municipal é determinada pelo local da prestação do serviço, passando a ser de vinte e duas as situações dispostas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar em comento.

Não obstante, uma importante e principal inovação foi a estipulação da definição de “estabelecimento prestador”, contida no art. 4º. Diferente do que dispunha o DL nº 406/68, a LC nº 116/03 entende como caracterizado o “estabelecimento prestador” pelo simples desenvolvimento de uma atividade de prestação de serviços, de modo permanente ou temporário, configurada assim uma unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante a denominação do estabelecimento como sede ou filial, por exemplo, para tal definição.[4]

Portanto, atendidos os requisitos do art. 4º necessários à qualificação do estabelecimento prestador, fixa-se ali o local de ocorrência do fato gerador do ISS e, nessa medida, a competência do ente tributante para exigir os valores devidos a título do imposto.

3. REsp 1.060.210/SC – Evolução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça

No dia 28 de novembro de 2012, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do Recurso Especial nº 1.060.210/SC, de relatoria do Ministro Castro Meira. Na oportunidade, deu-se parcial provimento ao recurso da empresa Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.[5]

O resultado desse julgamento apresenta dupla relevância em relação ao DL nº 406/68. Em primeiro lugar, porque modificou a orientação jurisprudencial daquela Corte sobre a interpretação do art. 12 daquela norma. Em segundo, uma vez adotado o procedimento previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, o novo entendimento deverá vincular os Tribunais Estaduais assim que publicado o acórdão.

No caso específico, a Recorrente possui sede no Município de Osasco/SP e se insurgiu contra a cobrança de ISS pelo Município de Tubarão/SC, local onde foram finalizados alguns negócios da empresa, arguindo principalmente a inobservância do critério do local do estabelecimento prestador eleito pelo Decreto-Lei nº 406/68.

Até o advento do Resp nº 1.060.210/SC, tanto no âmbito do DL nº 406/68 quanto da LC nº 116/03 o STJ vinha decidindo que o Município competente é aquele no qual é prestado efetivamente o serviço, a despeito de este critério ter sido adotado pelo DL nº 406/68 apenas para os casos de construção civil e exploração de redovias, como se vê nas seguintes decisões:

TRIBUTARIO. ISS. SUA EXIGENCIA PELO MUNICIPIO EM CUJO TERRITORIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68.
Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-Lei n. 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o principio constitucional implícito que atribui aquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território
.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISSQN. MUNICÍPIO COMPETENTE PARA EXIGIR O TRIBUTO. VIOLAÇÃO DO ART. 3º DA LEI 116/2003. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. O ISS é devido no município em que a atividade é exercida e concluída, ou seja, no local em que houve a efetiva prestação dos serviços. 2. Agravo regimental desprovido
.”[6]

Tal interpretação escora-se no racional de que ambas as normas conduziriam ao entendimento de que os Municípios somente estariam investidos de competência para tributar os serviços quando efetivamente prestados em seu território.

Diversamente, no REsp. nº 1.060.210/SC o Relator sustentou em seu voto, ao tratar do ISS na vigência do DL nº 406/68, que a escolha legislativa pelo critério do local do estabelecimento prestador deve ser respeitada, visto que tem por finalidade subjacente conferir segurança jurídica ao contribuinte, evitando-se, assim, “dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do principio da legalidade”.

Por tal razão concluiu que, com relação aos fatos geradores ocorridos durante a vigência do Decreto-Lei nº 406/68, o Município competente para cobrar o imposto é aquele onde sediado o estabelecimento do prestador.

Diferentemente, baseado nas disposições da LC nº 116/03 entendeu o Ministro que, para os fatos geradores ocorridos a partir da vigência desta Lei, seria competente a municipalidade na qual se verifique uma unidade econômica ou profissional prestadora do serviço, desde que atendidos os requisitos do art. 4º da norma.

Parece-nos ser a interpretação dada no Recurso Especial ora analisado a mais acertada, na medida em que prestigia o critério do local do estabelecimento prestador encartado no art. 12 do Decreto-Lei nº 406/68 e, simultaneamente, ratifica a interpretação conjunta do art. 3º e 4º da LC nº 116/03 no sentido de apontar como local da incidência do ISS aquele em que se verifica a efetiva prestação do serviço.

Entretanto, assim como ocorrido em julgados antecedentes a decisão analisada não fornece parâmetros para solucionar eventuais dúvidas interpretativas atinentes ao art. 4º da Lei Complementar nº 116/03, mais especificamente quanto aos critérios necessários para se configurar ou não a efetiva prestação do serviço em determinada localidade.

4. Nossos Comentários

Como regra geral, entendemos que a finalidade do art. 4° da LC nº 116/03 é inibir abusos por parte dos contribuintes, que optam por fixar seus estabelecimentos prestadores em Municípios que ofereçam tributação reduzida, ainda que na prática os serviços sejam prestados em outras localidades.

Nada obstante, tal dispositivo não autoriza a caracterização de qualquer local em que o contribuinte execute fisicamente seus serviços como o “estabelecimento prestador”, sendo necessária para tanto a realização de análise fática para se determinar a substância da atividade econômica da empresa quando da execução de cada atividade.

Isso porque as atividades-meio, necessárias à conclusão do negócio jurídico, por exemplo, não podem ser isoladamente consideradas como norteadoras do local da efetiva prestação do serviço, na medida em que somente o local em que estejam reunidas as atividades principais para a consecução da atividade-fim pode ser qualificado como o verdadeiro “estabelecimento prestador” da LC nº 116/03, e dependendo da substância do serviço verificada em cada localidade envolvida.

Dessa maneira, concluímos que o julgamento do REsp nº 1.060.210/SC não alterou o conceito de “estabelecimento prestador” contido na Lei Complementar nº 116/03, mas apenas seguiu o que dispõem os artigos 3º e 4º de tal norma. Contudo, acreditamos que a decisão tenha alterado a orientação jurisprudencial firmada acerca do DL nº 406/68, ao resgatar o entendimento de que o local em que deve ser recolhido o ISS é aquele no qual se localiza o estabelecimento do prestador do serviço.



[1]Art 19 – Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios arrecadar: § 1º – Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário”.

[2]Art 12. Considera-se local da prestação do serviço: (Revogado pela Lei Complementar nº 116, de 2003) a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação. c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada.

[3]Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;”.

[4]Art. 4º – Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.”.

[5] Acórdão ainda não publicado.

[6]  REsp nº 41867/RS, 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25/04/1994, e Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 961.544-SE, 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Denise Arruda. DJ de 28.04.2008.

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