Discurso em homenagem ao Prof. Ricardo Lobo Torres

DISCURSO EM MEMÓRIA DO PROFESSOR RICARDO LOBO TORRES

Roque Antonio Carrazza

 

 

DISCURSO EM MEMÓRIA DO PROFESSOR RICARDO LOBO TORRES[1]

     Roque Antonio Carrazza[2]

 

Exma. Sra. Prof.ª Dr.ª Betina Treiger Grupenmacher, DD.ª Presidente deste IX Congresso de Direito Tributário do Paraná.

Exmo. Sr. Dr. José Augusto Noronha, DD. Presidente da prestigiosa Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná.

Exmo. Sr. Dr. Fábio Artigas Grillo, DD. Presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná, em cuja pessoa peço vênia para saudar a todas as autoridades aqui presentes.

Estimadas Senhoras, D.ª Sônia Regina Faber Torres e Dr.ª Sílvia Faber Torres, respectivamente viúva e filha do ilustre homenageado.

 

Senhoras e Senhores Congressistas.

 

         1. Ao receber da Professora Betina Treiger Grupenmacher o honroso convite para fazer o panegírico do saudoso Professor Ricardo Lobo Torres, imediatamente pensei que, de todos os deveres que a vida acadêmica nos impõe, não há nenhum tão árduo e sofrido, como o de ter de falar de um amigo ilustre e muito querido, que nos deixou.

         De fato, Ricardo Lobo Torres pertenceu a uma geração que pouco a pouco vai desaparecendo e à qual a Ciência do Direito Tributário deve tudo o que nela se fez de grandioso, nos últimos 50 anos. Ademais, foi um homem bom, que fechava os ouvidos à intriga e à maledicência, e procurava ajudar a todos desinteressadamente. O ideal sempre esteve no leme da sua nau.

         2. Certa feita, li num livro: “Já repararam na diferença que existe entre o barro e a rocha? O barro, qualquer chuva dilui, qualquer enxurrada carrega. A rocha, porém, arrosta a tempestade, os ventos, o mar agitado, e permanece íntegra”.

         Assim são os homens, fracos ou fortes, como o barro ou a rocha.

         Os primeiros resvalam para o mais cômodo; substituem o melhor, pelo mais fácil, e acabam jogados em qualquer valeta da vida. São barro.

         Aos outros, as adversidades e turbulências mais e mais agigantam. São rocha.

         O Prof. Ricardo Lobo Torres pertenceu, sem dúvida, a esta última categoria: a categoria dos homens-rocha.

         3. Trabalhador infatigável, ainda que sem as aflições da pressa, soube empregar adequadamente seu tempo e, por isso, nos legou uma obra admirável, que inclui 15 livros e centenas de artigos, publicados nas mais prestigiosas revistas jurídicas, nacionais e internacionais. Foi, ainda, um conferencista brilhante, sempre difundindo suas luzes, em Congressos, Cursos, Simpósios e Seminários, seja no Brasil, seja no exterior.

         Homem de princípios e de posições definidas, o Professor Ricardo Torres, pela força irradiante de suas qualidades, era por todos respeitado. Destacava-se, não só pelo notável saber jurídico, como pelo singular poder de convencimento de suas aulas e escritos. Além disso, possuía uma cultura humanística invejável e era um profundo conhecedor da cultura luso-brasileira e germânica.

         4. Permito-me acrescentar que a vida ensinou a Ricardo Lobo Torres o real significado da palavra entusiasmo (em grego, um deus interior). E foi justamente esse deus interior que lhe deu a atitude intelectual otimista, ágil e dialética que sempre o caracterizou.

Bem comparando, ele, como D. Quixote – imortal criatura de Miguel de Cervantes –, foi transbordante de ética, encarnando, como poucos, os valores da cavalaria andante; valores esses, infelizmente, de há muito crepusculares, entre nós.

         5. Lamentava Goethe ser “tão verde a árvore da vida” e “tão cinzenta a teoria”. Pois Ricardo Lobo Torres logrou a proeza de construir teorias tão estimulantes, tão seivosas, tão verdejantes, quanto a própria árvore da vida. E teorias que nos encantam e elucidam, porque nos fazem pensar e repensar.

         Mas, agora, alguns dados objetivos.

         6. Ricardo Lobo Torres nasceu em Niterói (RJ), em 17 de dezembro de 1935 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 25 de maio de 2018, quando contava, portanto, 82 anos de idade.

         Formou-se em Direito em 1958, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e em Filosofia, em 1962, pela Universidade Gama Filho, pela qual também se doutorou, nessa área, em 1990.

         Professor Titular, por concurso, da Cadeira de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ali foi Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito e Vice-Diretor da Faculdade de Direito.

         Também lecionou nos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho e da Universidade Cândido Mendes.

         6.1. Fora dos meios acadêmicos, exerceu as funções de Procurador do Estado do Rio de Janeiro e ocupou importantes cargos na Secretaria da Fazenda daquele Estado. Era, ainda, titular de prestigiosa banca advocatícia.

         6.2. Além disso, o Professor Ricardo Lobo Torres deixou publicadas verdadeiras obras-primas, a começar pelo seu monumental Tratado de Direito Financeiro e Tributário, passando pelos clássicos Teoria dos Direitos Fundamentais, Os Direitos Humanos e a Tributação, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, entre outros. Era, ainda, fundador e presidente honorário da prestigiosa Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).

         6.3. O Professor Ricardo foi também, ao lado dos Professores José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho, Eduardo Bottallo, Torquato Jardim e de mim, um dos coautores do anteprojeto, hoje projeto, de Código de Defesa do Contribuinte, que tramita no Senado da República (é o Projeto de Lei Complementar nº 646/1999).

Sem descer a detalhes, que não vêm para aqui, esse projeto visa, fundamentalmente, a dar plena eficácia aos mandamentos constitucionais que veiculam direitos e garantias dos contribuintes. Ele, em rigor, pouco inova; antes, limita-se, neste campo, a explicitar o que se encontra implícito na Constituição Federal.

O Projeto se preocupa, ainda, com a justiça fiscal que, para ser efetivada, necessita de regras positivadas. Sua filosofia – ao contrário do que muitos apregoam – não é proteger o mau contribuinte, mas, sim, possibilitar uma convivência pacífica e legalitária (nunca um confronto) entre o bom contribuinte e o Fisco. Tudo, evidentemente, sem inviabilizar a tributação e o combate sem tréguas à sonegação fiscal e aos sonegadores.

O que acabo de dizer foi muito bem explicado na magnífica Exposição de Motivos do Anteprojeto, que o Prof. Ricardo Lobo Torres sozinho redigiu. Afianço que, independentemente de o Código entrar em vigor, só essa exposição de motivos vale por todo um Curso de Direito Tributário.

É com pesar, no entanto, que registro que o projeto de Código de Defesa do Contribuinte – que, se aprovado, será um importante instrumento de fortalecimento da cidadania – “dorme”, no Senado da República, o “sono dos justos”. Os nobres senadores estão preocupados com outros negócios …

        Enfim, penso que esses breves relatos revelam, palidamente embora, o prestígio e a dimensão intelectual e moral do Professor Ricardo Lobo Torres.

         7. Assim, não lhe fazemos favor algum, colocando-o no pináculo de “Mestre dos Tributaristas”, porque efetivamente ele o foi. Disso dão testemunho eloquente as gerações de estudiosos que formou e que continuam a valer-se de seus preciosos ensinamentos.

         Quando os tributaristas de hoje, que tanto brilho emprestam à Ciência Jurídica, ainda não existiam; se existiam, ainda não escreviam; se escreviam, ainda guardavam cautelosamente suas produções intelectuais, à espera do momento mais propício para entrar em cena, Ricardo Lobo Torres já lhes mapeava os caminhos.

         8. Com tudo isso – mas exatamente por isso – o Prof. Ricardo Lobo Torres, era um homem modesto. Modesto porque sabia. Modesto, como Sócrates, que, apesar de ser o homem mais sábio de Atenas, dizia: “só sei que nada sei”. Mas quanto Sócrates sabia: tanto, que diante dele já desfilaram reverentes mais de 20 séculos de Filosofia.

         Como veem, Colegas Congressistas, a Ricardo Torres calham bem estas palavras de Leonardo da Vinci, o maior gênio que existiu sobre a face da Terra:

“Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento as tornam humildes. De fato, as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o céu; já, as repletas de grãos, baixam-na humildemente para a Terra, mãe de todos nós”.

         9. Minhas senhoras e meus senhores! Há quem diga que o destino dos homens está escrito nas estrelas. Talvez o de alguns. Há homens, no entanto, que são donos do próprio destino. Ricardo Lobo Torres foi, sem dúvida, um desses homens. Foi um permanente edificador da própria vida e eu me atrevo a dizer, nessa altura, da própria lenda; foi o que quis ser, comandando o próprio destino.

Sabia o pranteado mestre, que o contribuinte brasileiro, tal qual Prometeu no Cáucaso, está com o corpo acorrentado, mas que seu espírito – esse não – continua livre: recusa-se a aceitar a injustiça fiscal. Apenas necessita de amparo. E que esse amparo pode e deve vir daqueles que, como nós, fazem da Ciência Jurídico-Tributária, o centro de suas preocupações intelectuais.

         Foi essa a lição que nos deixou, com suas mãos mansas, com sua voz serena, com seu sorriso simpático.

         10. O Professor Ricardo Lobo Torres foi, ainda, o marido fiel e exemplar de Da. Sônia Regina Faber Torres, sua companheira de toda a vida, e o orientador amoroso e seguro de seus filhos, os Doutores Marcelo, Letícia e Sílvia Faber Torres.

         Pessoalmente, o mínimo que posso lhes dizer é que, para mim, foi um imenso privilégio viver no mesmo momento histórico desse espírito superior e, mais do que isso, de ter podido privar de sua amizade.

         11. Memento, homo, quia pulvis est et in pulvis reverteris (“lembra-te, homem, que és pó e ao pó retornarás”). É verdade. Mas é igualmente verdade que alguns grãos de pó, quando tocados pela luz do Sol, como que se irisam e encantam a todos. Foi o que aconteceu com Ricardo Lobo Torres.

         Depois de uma longa enfermidade, ele nos deixou, após cumprir admiravelmente bem sua missão. Mas ainda vive entre nós, porque nos legou a chama do seu gênio, que não se apagou com a morte, e nem se apagará com o tempo. Antes, permanecerá em nossos espíritos para sempre, como o sentimos agora, com sua atividade infatigável, com seu pensamento criativo, com sua lhaneza no trato, com sua fidalguia insuperável.

         Partiu rumo ao sol, deixando atrás de si um rastro imperecível de sabedoria, de compreensão e de bondade. Ficou eterno! Muito obrigado, Senhora Presidente!

 


[1]. Notas taquigráficas do discurso proferido no dia 8 de agosto de 2018, na Sessão Solene de Abertura, do IX Congresso de Direito Tributário do Paraná, realizado em Curitiba.

[2]. Professor Titular da Cadeira de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado e Consultor Tributário.

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