Tributação da importação de “softwares de prateleira” via download

por Ana Carolina Carpinetti
Associada da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Bacharela pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Mestra em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
Pedro Afonso Fabri Demartini
Associado da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo

 

Assim como outros diversos ramos do conhecimento, a Ciência do Direito também é impactada com a evolução diária das inovações tecnológicas que são cada vez mais rápidas e profundas. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgem novas formas de relacionamento entre os sujeitos no mercado, novos produtos e serviços são oferecidos e novos contratos são celebrados. O presente artigo analisará os impactos tributários referentes a um conjunto específico de transações que surgiram com o avanço tecnológico, que consiste na importação de softwares de prateleira na Internet, por meio de operações de download.

Antes de ingressarmos na análise do assunto, faz-se necessário traçarmos alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, vale mencionar que a Lei 9.609/98 define software como “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.

Como se extrai do dispositivo legal, o software pode ser definido como a elaboração intelectual de um conjunto de comandos que faz com que uma máquina execute determinada função. Trata-se, portanto, de bem imaterial, intangível e, portanto, sua exploração econômica se dá por meio do licenciamento do uso pelo detentor do direito autoral, nos termos previstos no artigo 9º da Lei 9.609/98.

Para fins da presente análise, é necessário ainda distinguirmos os “softwares de prateleira” dos “softwares customizados”. Essa distinção não está expressamente prevista na legislação, mas possui consequências tributárias relevantes na medida em que os “softwares de prateleira” são disponibilizados em larga escala e de forma padronizada para o público em geral e os “softwares customizados” (ou sob encomenda) são desenvolvidos de acordo com as especificações de um determinado cliente.

Nesse sentido, e com base nos precedentes sobre o assunto[1], é possível adotar o entendimento de que os softwares de prateleira, por serem programas produzidos de forma padronizada, se aproximam de produtos para fins tributários. Por outro lado, o desenvolvimento de softwares customizados, por implicar em esforço humano e pessoal visando ao atendimento das necessidades específicas do usuário devem ser considerados serviços para fins tributários.

Feitos os esclarecimentos acima, analisaremos a seguir a tributação incidente sobre as operações de importação de softwares de prateleirarealizadas por meio datransmissão eletrônica dos dados contidos nos programas por meio da rede mundial de computadores.

Com relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”), entendemos haver argumentos para defender que não deve haver a incidência do imposto municipal já que no caso das operações internacionais que envolvem os softwares de prateleira estamos diante de uma operação que se assemelha a uma venda de bens.

 Vale destacar, entretanto, que as atividades de licenciamento de software estão previstas na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03[2]sem fazer distinção entre softwares de prateleira e customizados e, nesse sentido, haverá risco de o ISS ser cobrado.

O segundo tributo que analisaremos é o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”). O artigo 155 da Constituição Federal delegou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para a instituição de imposto incidente sobre as operações relativas à circulação de mercadorias.

A nosso ver, não há previsão constitucional e legal para cobrança do ICMS sobre a transferência de softwares (ainda que de prateleira) pela internet, pois tais bens intangíveis não se enquadram no conceito de mercadorias previsto na Constituição Federal, tendo em vista a ausência de suporte físico.

Confirmando esse entendimento, podemos mencionar julgamento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) no Recurso Extraordinário nº 176.626-3/SP. Nos termos do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Recurso Extraordinário mencionado, no “conceito de mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinados a sê-lo”. Dessa forma, o Ministro adotou o entendimento de que as “operações que têm como objeto um direito de uso, bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria” não estão sujeitas à incidência do ICMS.

Neste ponto, porém, importante destacar que, em 26.5.2010, o STF, por maioria de votos, indeferiu a medida liminar pleiteada na ADI nº 1.945, ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (“PMDB”), para que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo da legislação do Estado do Mato Grosso que determina a incidência do ICMS sobre o download de programas de computador.

Em que pese se tratar de decisão liminar, o posicionamento do STF aponta no sentido de que deve incidir o ICMS sobre a disponibilização de softwares por meio de download, não havendo diferenciação na compra de um programa de computador em CD/DVD ou via download.

Com relação às Contribuições para o Programa de Integração Social – Importação (“PIS – Importação”) e para o Financiamento da Seguridade Social – Importação (“COFINS – Importação”), tais contribuições incidem sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços. No que interessa ao presente caso, de acordo com o art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04, no caso de importação de bens, tal como é caso dos softwares de prateleira, a base de cálculo do PIS e da COFINS – Importação será o valor aduaneiro do bem importado. No caso de disponibilização via download, inexistirá valor aduaneiro e, portanto, entendemos que a operação não estará sujeita à incidência de PIS/COFINS – Importação[3].

De acordo com o art. 75, inciso I, do Decreto nº 4.543/02, a base de cálculo do Imposto de Importação (“II”) também será o valor aduaneiro da mercadoria. Considerando que os produtos disponibilizados via download não têm valor aduaneiro, não haverá incidência do II.

Assim como no caso do II, nos termos do art. 190, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 7.121/10 (“Regulamento do IPI”), a base de cálculo do IPI será o valor que serviria de base para o cálculo dos tributos aduaneiros. Assim, tendo em vista que os produtos serão disponibilizados via download, entendemos que o IPI não deve incidir sobre a importação de software de prateleira.

Com relação ao Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”), as autoridades fiscais já se manifestaram no sentido de que não haveria a incidência do imposto sobre os valores remetidos ao exterior pela aquisição de “software de prateleira”[4]. Vale destacar, entretanto, que esse entendimento se aplica para os casos em que há apenas a aquisição do software para revenda, sem envolvimento de direitos autorais. Caso fique caracterizado o licenciamento do uso de software, os pagamentos feitos ao exterior terão natureza de royalties e estarão sujeitos à incidência do IRRF, à alíquota de 15%.[5]

Ao analisar a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”) sobre as remessas de valores ao exterior em contrapartida à aquisição de softwaresde prateleira, as autoridades fiscais[6] entenderam que remessas de valores ao exterior em contrapartida à aquisição de softwaresde prateleira também não estão sujeitas à incidência da CIDE, seguindo os mesmos termos da sistemática do IRRF. Com relação à CIDE, vale ainda ressaltar que a legislação expressamente exclui a incidência da contribuição sobre “a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia.”

Por fim, vale destacar, uma vez mais, que as conclusões apresentadas no presente artigo aplicam-se exclusivamente às operações de importações de softwares de prateleira por meio de download. A adequada identificação das características da operação é essencial para permitir a aplicação do correto tratamento tributário a cada uma das situações, já que operações com softwares em suportes físicos (i.e. CDs) ou com softwares customizados terão consequências tributárias diversas.



[1] RE 176.626/SP; RE 199464/SP; REsp 633.405/RS; REsp 1.070.404/SP; AgRg em REsp nº 32.547-7/PR

[2] “1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador”.

[3] “SOFTWARE DE PRATELEIRA. TRANSFERÊNCIA POR MEIO ELETRÔNICO (DOWNLOAD). Não há base legal para a incidência do imposto de importação bem como da Cofins/Importação e do PIS/Importação na aquisição de software de prateleira, se transferido ao adquirente por meio eletrônico, ou seja, sem o uso de suporte físico.” (Solução de Consulta nº 43, DJU: 14.7.2009)

 

[4] “Não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda na Fonte os valores remetidos ao exterior pela aquisição de “software de prateleira” (cópias múltiplas) para revenda por pessoa jurídica detentora de licença de comercialização outorgada por fabricante estrangeiro. É irrelevante a forma de movimentação do programa do fabricante ao distribuidor ou revendedor, se por remessa de suporte físico, via internet (download) ou por reprodução a partir de matriz.” (Solução de Consulta nº 68, de 16.7.2010)

 

[5]“ Não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda na Fonte os valores remetidos ao exterior pela aquisição de “software de prateleira” (cópias múltiplas) para revenda por pessoa jurídica detentora de licença de comercialização outorgada por fabricante estrangeiro. (…) Caracterizando-se, no entanto, licenciamento temporário do uso de software, os valores remetidos ao exterior em pagamento constituem remuneração de cessão de direito, sendo tributados pelo IRRF à alíquota de 15%, conforme art. 72 da Lei Nº 9.430, de 1996.” (Solução de Consulta nº 63/10, DJ 24.08.2010)

[6] “Não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda na Fonte (IRRF) nem à incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) os valores remetidos ao exterior em pagamento pela aquisição ou pela licença de direitos de comercialização de software sob a modalidade de cópias múltiplas (“software de prateleira”).” (Solução de Divergência nº 27 de 30.5.2008)

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