STF decide sobre a (in)constitucionalidade da tributação dos Lucros de empresas Controladas/Coligadas no Exterior
por Sérgio Farina Filho
Sócio da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado em Direito pela Universidade Mackenzie
Especialista em Direito Tributário pelo CEU
por Diego Caldas R. de Simone
Associado da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica
Doutorando em Direito Tributário e Financeiro pela Universidade de Barcelona
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento conjunto da ADI 2.588 e dos RE’s 541.090 e 611.586, em que se discutia a constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/01, que determina a tributação automática ao final de cada ano de lucros auferidos por sociedades controladas ou coligadas sediadas no exterior, independentemente da sua efetiva disponibilização à investidora brasileira.
O julgamento foi reiniciado com a prolação do voto do Ministro Joaquim Barbosa, único voto faltante na ADI 2.588. Até então, os 9 (nove) votos prolatados naquela ação haviam defendido quatro linhas de raciocínio diferentes, a saber: (i) inconstitucionalidade total das disposições do artigo 74 da MP 2.158-35/01 (Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski); (ii) constitucionalidade total da norma questionada (Ministro Ayres Britto); (iii) constitucionalidade da tributação automática exclusivamente para as empresas submetidas ao Método de Equivalência Patrimonial (“MEP”) (Ministros Nelson Jobim, Eros Grau e Cezar Peluso); e (iv) inconstitucionalidade parcial do artigo 74 da MP 2.158-35/01, sendo constitucional para as controladas e inconstitucional para as coligadas (Ministra Ellen Grecie)[1].
Ao apresentar seu voto, por outro lado, o Ministro Joaquim Barbosa adotou posição inovadora para defender a inconstitucionalidade parcial do artigo 74 da MP 2.158 e dar interpretação conforme ao referido artigo, no sentido de que seria constitucional para as controladas/coligadas situadas em paraísos fiscais e inconstitucional para as empresas controladas/coligadas situadas em outros países.
A posição adotada pelo ilustre Ministro foi imediatamente contestada após a prolação de seu voto, na medida em que alguns dos seus pares entenderam que a declaração de inconstitucionalidade baseada na localização das empresas no exterior (paraísos fiscais ou não) ocasionaria atuação do STF como legislador positivo, hipótese vedada ao judiciário conforme jurisprudência reiterada da Corte Suprema.
Nessa linha, o Ministro Marco Aurélio afirmou que a diferenciação proposta não encontrava amparo na legislação de regência e que a interpretação conforme pressupõe preceito que possa ser interpretado em diversos sentidos, circunstância que não poderia ser verificada no caso em questão. Ainda segundo o Ministro, o instituto da interpretação conforme não autoriza o judiciário a substituir o Congresso Nacional e atuar como legislador positivo.
O Ministro Marco Aurélio alertou ainda para o fato de que a distinção proposta poderia ser encampada pela legislação que trata da matéria, mas não era isso que estava sendo analisado pela Corte Constitucional. Ao STF caberia, conforme sua opinião, aferir única e exclusivamente se as normas atacadas, que não contem diferenciação em relação à localização das empresas controladas/coligadas no exterior, guardam harmonia com o sistema tributário constitucional.
O Ministro Gilmar Mendes também se manifestou no sentido de que atrelar a constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158 ao fato de as empresas no exterior estarem localizadas em paraísos fiscais poderia representar atuação vedada à Corte Suprema. Segundo ele, diferentemente do que fez o então Ministro Nelson Jobim ao restringir a aplicabilidade do dispositivo às empresas que avaliam seus investimentos no exterior pelo MEP, aspecto prático necessário para a suposta produção de efeitos no patrimônio da controladora no Brasil, a diferenciação realizada pelo Ministro Joaquim Barbosa estaria introduzindo referência inexistente na lei.
O Ministro Ricardo Lewandowski também questionou a diferenciação apresentada, porém sob argumento diverso. Considerando que no seu entendimento a lista de países que devem ser considerados como paraísos fiscais é editada diretamente pela Receita Federal do Brasil, a decisão do STF nos termos propostos pelo Ministro Joaquim Barbosa ficaria sujeita a alterações ao alvedrio das autoridades fiscais (para incluir ou excluir países da lista de referência), o que agiria em detrimento à segurança jurídica essencial para os investimentos das empresas brasileiras no exterior.
Divergindo das manifestações anteriores e defendendo a posição adotada pelo Ministro Joaquim Barbosa, o Ministro Luiz Fux apontou que o STF tem aceitado inúmeras fórmulas para a declaração de inconstitucionalidade. De acordo com o Ministro, a diferenciação debatida nada mais era do que “fórmula aditiva de interpretação conforme” que atenderia ao ratio essendi do dispositivo questionado (anti-evasão), no sentido de que a norma seria constitucional “desde que” as empresas estejam localizadas em paraísos fiscais. A seu sentir, portanto, o critério de localização das empresas controladas/coligadas no exterior seria aceitável para a declaração de (in)constitucionalidade.
Após estas intervenções e sem que houvesse manifestação conclusiva sobre o tema, o julgamento prosseguiu com os debates sobre a existência de quorum mínimo de 6 votos para proclamação de resultado da ADI 2.588, especialmente considerando as diversas posições adotadas até então e a novel diferenciação com base no critério de localização introduzida naquela assentada.
Existiria, então, o chamado voto médio que poderia culminar com a proclamação do resultado da ADI 2.588, com efeitos vinculantes e erga omnes? E, mais importante, seria este o voto do Ministro Joaquim Barbosa? A resposta do Supremo Tribunal foi positiva, afastando qualquer dúvida sobre a possibilidade de adoção do critério de localização das empresas controladas/coligadas em países considerados como paraísos fiscais para a declaração de (in)constitucionalidade.
Tanto é assim que, para alcançar a maioria necessária para a declaração de (in)constitucionalidade, a Corte Suprema se valeu justamente do critério de localização introduzido pelo Ministro Joaquim Barbosa, que direcionou a proclamação do resultado da ADIN 2.588. Assim, a Suprema Corte proclamou o resultado daquela ação para determinar (i) a inconstitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/2001 em relação aos lucros gerados em sociedades coligadas sediadas em países que não sejam paraísos fiscais; (ii) a constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/2001 no que diz respeito às controladas sediadas em paraísos fiscais, conforme definido em lei; e (iii) a inconstitucionalidade, em todo e qualquer caso, da aplicação retroativa da sistemática trazida pelo referido dispositivo legal.
Em seguida, considerando os efeitos vinculantes da ADIN, o STF aplicou o entendimento recém proclamado ao RE 611.586, notadamente pelo fato de que o caso específico envolvia a tributação de lucros auferidos por empresa controlada localizada em paraíso fiscal (Aruba), para negar provimento ao Recurso Extraordinário do contribuinte e autorizar a tributação automática dos lucros gerados pela referida sociedade controlada no exterior.
Posteriormente, o Supremo Tribunal analisou o RE 541.090, que diferentemente do caso anterior, envolvia empresas operacionais localizadas em países que não são considerados paraísos fiscais, com os quais o Brasil possui Tratados para Evitar a Dupla Tributação. No entanto, mesmo diante das circunstâncias fáticas antes mencionadas, o STF entendeu que o artigo 74 da MP 2.158-35/01 também deveria ser considerado constitucional, afastando apenas a sua retroatividade.
A esse respeito, é importante mencionar que em função do impedimento do Ministro Luiz Fux no RE 541.090, a posição do STF sobre a constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/01 no que diz respeito às empresas controladas em não paraísos fiscais foi adotada por maioria simples (5×4) e em caso sem repercussão geral reconhecida, motivo pelo qual tal decisão não tem efeitos vinculantes nem representa a posição definitiva do Supremo Tribunal a respeito da hipótese específica analisada.
Além disso, como a questão do eventual conflito com o texto dos Tratados Internacionais não havia sido decidida pelas instâncias inferiores no caso concreto (o contribuinte havia sido vencedor em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade da tributação automática), o STF determinou que os autos do RE 541.090 fossem remetidos ao Tribunal a quo para nova decisão sobre o eventual conflito entre o artigo 74 da MP 2.158-35/01 e o texto dos Tratados Internacionais para Evitar da Dupla Tributação da Renda.
Assim, podemos concluir que o STF encerrou a discussão do tema exclusivamente no que diz respeito aos seguintes pontos: (i) impossibilidade de aplicação retroativa do artigo 74 da MP 2.158-35/01 em todas as hipóteses; (ii) inconstitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/2001 em relação aos lucros gerados em sociedades coligadas sediadas em países que não sejam paraísos fiscais; e (iii) sua constitucionalidade no que diz respeito a lucros gerados em sociedade controladas localizadas em paraísos fiscais, nos termos da lei.
Por outro lado, restou expressamente reconhecido por aquele Tribunal que a questão do conflito do artigo 74 da MP 2.158-35/01 com o texto dos Tratados para Evitar a Dupla Tributação ainda deverá ser analisada. Além disso, em razão de o resultado do RE 541.090 não ter sido julgado em regime de repercussão geral, embora este julgamento possa ser considerado como um precedente desfavorável à tese, não está afastada a possibilidade de o plenário do STF (com sua composição completa) voltar a analisar a questão de sociedades controladas sediadas em países que não sejam considerados como paraísos fiscais, podendo vir a declarar a inconstitucionalidade da norma nesta hipótese.