Resultado da ADI 2.588 – Distinções necessárias

Por Fábio Martins de Andrade

 

Em 03.04.2013 foi concluído o julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em torno da inconstitucionalidade da atual sistemática de tributação dos lucros no exterior. A ADI 2.588, ajuizada pela CNI em 2001, desafiou o art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/01.

Ocorre que o julgamento teve tantas particularidades que naquela sessão não foi possível ao Presidente da Corte proclamar o seu resultado final. Diversos fatores contribuíram para isso, como o “nuancismo” dessa complexa questão jurídica que levou a Corte a se dividir em cinco orientações diferentes.

Dos dez votos proferidos na ADI 2.588, verifica-se cinco linhas principais que exsurgiram dos argumentos que os fundamentaram, a saber: 1ª) pela inconstitucionalidade integral do texto normativo impugnado (posição sustentada pelos votos dos Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski); 2ª) pela inconstitucionalidade parcial, apenas e tão somente com relação às coligadas, consoante o voto proferido pela Ministra Ellen Gracie; 3ª) pela inconstitucionalidade parcial, apenas e tão somente com relação às empresas situadas em países com tributação normal (e, portanto, constitucional em relação aos chamados paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados), consoante o voto do Ministro Joaquim Barbosa; 4ª) pela constitucionalidade integral, consoante votaram os Ministros Nelson Jobim, Eros Grau e Cezar Peluso (em verdade, essa corrente deu provimento parcial, mediante interpretação conforme à Constituição, para submeter ao art. 74 as empresas controladas e coligadas no exterior submetidas ao Método de Equivalência Patrimonial que, de acordo com a legislação societária, alcança todas, o que, na prática, equivale à constitucionalidade integral); e 5ª) pela constitucionalidade parcial, com a expressa ressalva para as situações que envolvam empresas situadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratado para evitar a dupla tributação da renda, consoante voto do Ministro Ayres Britto.

Verifica-se, por conseguinte, que se destacam cinco diferentes orientações (que se intercalam ou se repelem em diferentes cenários de aproximações e/ou colidências) em dez votos proferidos. Ora, soa até intuitiva a dificuldade enfrentada pelo Presidente para encontrar e proclamar o resultado do julgamento.

A técnica de decisão adequada para aferir o resultado do julgamento em situações semelhantes, nas quais o cômputo dos votos deve ser fracionado para que se chegue aos pontos comuns majoritários (se existentes), dá-se através do chamado “voto médio”.

Desse modo, foi proclamado, com efeito vinculante e eficácia contra todos, o resultado no sentido de que a incidência do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01: a) é constitucional quando se cuidar de controlada de empresa multinacional brasileira que se situar em paraíso fiscal (cf. o voto dos Ministros Joaquim Barbosa, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto e Eros Grau); b) é inconstitucional quando se cuidar de coligada de empresa multinacional brasileira que se situar em país com tributação normal e/ou tratado para evitar a dupla tributação da renda (cf. o voto dos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie e Ricardo Lewandowski); e c) é inconstitucional em relação ao seu parágrafo único (cf. o voto proferido pelos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski).

Além desses resultados, com efeito vinculante e eficácia contra todos, também foram alcançados resultados que chegaram ao empate de votos, sem qualquer vinculação. Nesses casos, o pronunciamento definitivo da Suprema Corte ocorrerá em outro caso, a ser analisado quando submetido ao seu crivo.

Nesse sentido, interessa saber como se pronunciará o STF sobre a (in)constitucionalidade da incidência em foco quando: a) se cuidar de coligada de empresa multinacional brasileira situada em paraíso fiscal (cf. o voto proferidos pelos Ministros Joaquim Barbosa, Nelson Jobim, Cezar Peluso, Ayres Britto e Eros Grau x o voto dos Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie); e b) se tratar de controlada de empresa multinacional brasileira situada em país com tributação normal e naqueles em que o Brasil tenha firmado tratado para evitar a dupla tributação da renda (cf. os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski x os votos dos Ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Eros Grau e Ayres Britto).

 Com a proclamação do resultado foi encerrado o julgamento da ADI 2.588 na sessão de 10.04.2013. Em seguida, segundo a pauta estabelecida pelo Presidente, a Suprema Corte passou ao exame do RE 611.586 (com repercussão geral e que versa sobre controlada que encabeça a lista de paraíso fiscal – Aruba).

Naquele caso específico, levando em consideração que versa sobre situação que foi definida, com efeito vinculante e eficácia contra todos na ADI 2.588, então foi, por maioria, prontamente negado provimento ao recurso extraordinário da empresa contribuinte, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio.

 Desse modo, embora restem algumas definições que não foram esclarecidas com a proclamação do resultado final da ADI 2.588, a situação específica de controlada de empresa multinacional brasileira que se situar em paraíso fiscal foi decidida (por maioria absoluta e, portanto, com efeito vinculante e eficácia contra todos).

Há quem indague sobre a distinção perpetrada pela Suprema Corte no julgamento, com a diferença na aplicação (ou não) da regra de acordo com o país de onde emerge o lucro (paraíso fiscal ou com tributação normal), na linha do voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa.

Ora, em sede de controle abstrato de constitucionalidade das leis não só é recomendável que a análise pelo STF seja ampla como também é necessário. Ademais, levando em conta o transcurso do tempo desde o ajuizamento da ação, a evolução da situação das principais empresas multinacionais brasileiras cada vez mais como players que competem no mercado mundial globalizado e a complexidade do tema, certamente não caberia in casu uma decisão verdadeiramente minimalista.

Além disso, a legislação é precária. Em outros países o tema é regulado por dezenas e até centenas de dispositivos legais e regulamentares. Aqui, o governo procurou resolver tudo com a edição de um único artigo de medida provisória. Como não poderia deixar de ser, isso suscita dúvida, questionamento e muita insegurança jurídica, que leva um fator complicador a mais para a empresa multinacional brasileira que compete no mercado mundial globalizado.

Como se não bastasse, em razão de algumas peculiaridades do caso, por muito tempo tanto o Fisco como os contribuintes nutriam esperança de que o resultado final lhes fosse integralmente favorável. De um lado, o Fisco esperava que a regra fosse reconhecida constitucional e sua aplicação automática alcançaria todas as controladas e coligadas de multinacionais brasileiras no exterior, independente de onde elas se situassem. De outro lado, os contribuintes esperavam que o Pleno declarasse a inconstitucionalidade fulminando a regra do ordenamento e todos os lucros oriundos das controladas e coligadas de multinacionais brasileiras no exterior só seriam tributáveis por aqui quando submetidas às hipóteses enumeradas no art. 1º da Lei nº 9.532/97.

Conjugando esses fatores, sem prejuízo de outros que possam ser acrescidos, verifica-se que é até natural que o STF ocupe mais esse espaço vazio deixado pela legislação brasileira lacunosa e deficitária em matéria de regulamentação, de modo que é necessário que amplie o escopo da análise, especialmente cuidando-se de processo objetivo, para abarcar e resolver o maior número de situações com vistas a pacificar a tão conturbada relação Fisco-contribuinte.

Não chega a ser nem o preconizado ativismo judicial, vez que foi expressamente provocado a se manifestar sobre o tema no RE 611.586. E ainda que não tivesse sido, por se tratar de processo objetivo, caberia um aprofundamento natural do tema, não se limitando ao mero exame sobre se seria ou não constitucional a regra do art. 74. De igual modo, também não se trata de legislar positivamente, na medida em que apenas e tão somente limitou o campo de incidência da regra normativa. Não foi além do que ela previa.

Nesse sentido, andou bem o STF em promover a distinção colocada pelo Ministro Joaquim Barbosa. Afinal, o primeiro passo para colocar o Brasil alinhado com os demais países do mundo em matéria de Tributação Internacional passa necessariamente pela efetiva distinção das seguintes situações diferentes em relação ao local de onde os lucros são auferidos pelas controladas de multinacionais brasileiras: a) se de paraíso fiscal, então em linha com todo o enorme esforço que tem sido promovido pelo G-20, OCDE e União Europeia, seria devida a tributação automática (com a aplicação do art. 74, independente da disponibilização efetiva da renda na forma da Lei nº 9.532/97); se de país com tributação normal, então seria justo afastar a aplicação do art. 74 para fazer incidir a regra do diferimento previsto na Lei nº 9.532/97; e se de país com o qual o Brasil tenha celebrado tratado para evitar a dupla tributação, então caberia reconhecer a sua prevalência e a sua análise caso a caso em razão do necessário respeito à sua regra especial.

Ora, o primeiro ponto foi esclarecido de modo expresso pelo STF no julgamento da ADI 2.588. Os dois últimos permanecem em aberto, especialmente levando em conta o desfecho do RE 541.090, que cuidava especificamente de tratado e foi determinada a sua baixa ao tribunal de origem para exame dessa questão, ocasião em que o STF decidiu não decidir sobre o tema.

Contudo, com a publicação do acórdão, caberá à CNI opor embargos de declaração suscitando diversas omissões e contradições que ocorreram no julgamento, algumas das quais podem ser capazes de modificar o resultado para assegurar o correto cômputo dos votos em relação ao aspecto específico dos tratados internacionais e buscar o reconhecimento da flagrante mutação jurisprudencial em relação ao entendimento anteriormente estabelecido no julgamento acerca da inconstitucionalidade do ILL (RE 172.058), com o pleito de modulação temporal dos efeitos da decisão. Além desses, há alguns outros aspectos do julgamento que merecem melhor esclarecimento.

Com efeito, levando em conta as graves consequências que advirão com a publicação do acórdão, cabe registrar antes do seu trânsito em julgado, variados aspectos referentes ao julgamento, não apenas sobre o que restou efetivamente decidido pelo STF na ADI 2.588, mas também o alcance do que não foi decidido. Precisamente tais omissões, e até algumas contradições, verificadas no julgamento poderão ser sanadas com a oposição dos embargos de declaração pela CNI.

Quanto à modulação temporal dos efeitos dessa decisão, por diversas razões jurídicas entendemos que é cabível, especialmente se levarmos em conta a enorme insegurança jurídica que seria ocasionada com a mutação jurisprudencial da Corte em relação ao precedente do ILL e o longo transcurso de tempo decorrido entre o ajuizamento da ADI 2.588 e a sua efetiva conclusão, estimada ainda para esse ano.

Isso tudo que cuidamos nesse limitado espaço diz respeito ao período pretérito. Com a publicação do acórdão e a conclusão do julgamento, será clara a perspectiva em relação ao futuro. Tal perspectiva pode ser mitigada ou até mesmo esvaziada a depender de acordos e propostas legislativas que têm sido frequentemente noticiadas pelos órgãos da mídia, contando inclusive com a participação de representantes de grandes empresas e do governo.

Nesse campo que corre paralelo, na esfera legislativa ou regulamentar, recomenda-se cuidado e atenção no acordo e na proposta que será discutida e levada a efeito, sobretudo para que não padeça de vícios e inconsistências capazes de deixar a atual situação (que já é complexa) ainda mais complicada.

Desse modo, a comunidade jurídica, os empresários que representam as grandes empresas multinacionais brasileiras, os representantes do Fisco e o Poder Judiciário nacional (que de modo geral têm aguardado a definição do tema pelo STF) acompanha o desfecho final dessa batalha para colocar o Brasil em linha com os demais países do mundo em matéria de Tributação Internacional, com o crescente aprimoramento das regras atualmente em vigor, sobretudo a partir da decisão do STF na ADI 2.588, seja com maiores esclarecimentos em embargos de declaração, seja pela edição de lei nova sobre o tema.

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