Regime tributário dos consórcios: implicações da lei nº 12.402/11
por Marcos Paulo Caseiro
Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP
MBA em Gestão Financeira: Controladoria e Auditoria pela FGV/SP
Especialista em Direito Tributário Internacional pelo IBDT/USP
Especialista em Direito Tributário pelo IBET/USP.
Simões Caseiro Advogados – Sócio
por Thaísa Bombicini Pintor
Pós-Graduanda em Direito Tributário pelo Insper.
Simões Caseiro Advogados- Advogada
1. Noções Introdutórias sobre OS CONSÓRCIOS no Brasil
O consórcio, estabelecido na forma dos artigos 278 e 279 da Lei 6.404/76, consiste na união de empresas, sob mesmo controle ou não, com a finalidade de participar ou realizar determinado empreendimento. O consórcio é normalmente constituído para a execução de obras de grande porte, de modo que a capacidade individual de cada sociedade é agregada para permitir a consecução dos objetivos do empreendimento.
Consoante dispõe o § 1º do artigo 278 da Lei nº 6.404/76, o consórcio não apresenta personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
A Lei nº 12.402/11 inovou ao possibilitar que o consórcio contrate em nome próprio, estabelecendo, nessas hipóteses, a responsabilidade solidária entre as empresas consorciadas pelo cumprimento das obrigações tributárias correspondentes. A regulamentação da referida lei foi dada pela Instrução Normativa Receita Federal do Brasil (“RFB”) nº 1.199/11.
As obrigações tributárias impostas para os consórcios são, diversas vezes, de difícil cumprimento, em função da tributação e do registro contábil das receitas, custos e despesas ocorrer de forma proporcional à participação de cada consorciada no empreendimento.
Diante desse cenário, abordaremos, em um primeiro momento, os aspectos gerais do regime tributário aplicável aos consórcios para, posteriormente, dedicarmos nossas atenções às implicações da Lei nº 12.402/11 no cumprimento das obrigações tributárias.
2. Breves Considerações sobre os Aspectos Tributários do Consórcio.
Nos termos do artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11, cada pessoa jurídica participante do consórcio deve apropriar as receitas, custos e despesas incorridas, proporcionalmente à sua participação no empreendimento, devendo ser observado o regime tributário a que cada pessoa jurídica consorciada está sujeita.
Essa forma de apropriação proporcional das receitas, custos e despesas deve ser utilizada para fins de determinação da base de cálculo do Imposto de Renda (“IRPJ”), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”)[1], sendo utilizada, inclusive, para apurar os créditos das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa dessas contribuições[2].
O Ato Declaratório Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (“CST”) nº 21, de 08.11.84, esclarece que os consórcios não estão obrigados, nem autorizados, a apresentar declaração de rendimentos pelo simples fato de utilizarem o mesmo regime tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas.
A empresa líder do consórcio, ou a consorciada eleita para este fim, deve manter registro contábil próprio correspondente ao somatório dos valores das parcelas das pessoas jurídicas consorciadas. Além disso, as demais consorciadas também devem efetuar a escrituração das operações objeto do consórcio em suas respectivas contabilidades[3].
No mais, ressaltamos que, na forma do artigo 4º da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11, o faturamento decorrente das operações do consórcio deve ser realizado mediante emissão de Nota Fiscal ou Fatura próprias das pessoas jurídicas consorciadas, proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento.
Note-se, contudo, que nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre Serviços (“ISS”) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”), a Nota Fiscal ou fatura poderá ser emitida pelo consórcio no valor total.
3. Implicações da lei nº 12.402/11
Conforme vimos, a Lei nº 12.402/11 dispõe, em seu artigo 1º, que as empresas integrantes do consórcio respondem, na proporção de sua participação no empreendimento, pelos tributos devidos em relação às operações praticadas pelo consórcio.
As novidades trazidas pelo dispositivo referem-se à possibilidade do consórcio realizar negócios jurídicos em nome próprio e à instituição de responsabilidade tributária solidária entre as empresas consorciadas.
Assim sendo, apesar de não ter personalidade jurídica, é facultado ao consórcio que contratar, em seu nome, pessoas jurídicas ou físicas, com ou sem vínculo empregatício, efetuar a retenção dos tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, hipótese em que as empresas consorciadas ficam solidariamente responsáveis.
Frise-se que as novas regras aplicam-se somente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, abrangendo, inclusive, o recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, além da multa por atraso no cumprimento das obrigações acessórias.
A regulamentação do referido dispositivo foi dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.199/11, a qual estabelece que quando o consórcio realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas ou físicas, com ou sem vínculo empregatício, as obrigações tributárias correspondentes serão atribuídas da seguinte forma e respeitando os seguintes critérios[4]:
- i.Quando o consórcio efetuar as contratações, porém os pagamentos forem de responsabilidade das consorciadas beneficiadas, a responsabilidade pela retenção dos tributos e pelo cumprimento das respectivas obrigações acessórias será das empresas consorciadas, mediante a utilização do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (“CNPJ”) próprio de cada pessoa jurídica;
- ii.Quando o consórcio for responsável pelo pagamento das contratações, a responsabilidade pela retenção dos tributos e pelo cumprimento das obrigações acessórias caberá ao consórcio, mediante a utilização do seu próprio CNPJ.
Contudo, as opções acima descritas não podem ser aplicadas concomitantemente entre si. A opção é irretratável, devendo prevalecer durante todo o ano-calendário, e deve ser manifestada mediante o primeiro recolhimento de tributos retidos realizado no ano[5].
Por sua vez, quando a empresa líder contratar e realizar o pagamento em nome do consórcio, a retenção de tributos e o cumprimento das obrigações acessórias serão de responsabilidade desta empresa, sendo aplicadas as normas de retenção a que a líder está sujeita.
Nessa hipótese, as demais empresas consorciadas ficam solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias[6]. Ressaltamos que essa opção também não poderá ser exercida concomitantemente com as demais modalidades de retenção[7].
Tendo em vista que a Lei nº 12.402/11 e sua respectiva regulamentação foram publicadas apenas em 2011, a jurisprudência sobre o tema ainda é bastante escassa, de modo que eventuais posicionamentos do Fisco, bem como dificuldades dos contribuintes no cumprimento da legislação ainda não têm sido amplamente debatidos pelo judiciário ou pelos órgãos fiscais administrativos.
Todavia, a RFB já se manifestou em algumas oportunidades sobre o tema, afirmando a possibilidade de o consórcio realizar negócios jurídicos em nome próprio e a atribuição de responsabilidade solidária entre as consorciadas, senão vejamos:
CONSÓRCIO DE EMPRESAS. As obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes das operações praticadas pelo consórcio , são de responsabilidade das próprias consorciadas, que devem responder proporcionalmente à sua participação no empreendimento. Opcionalmente, a partir de 29/10/2010, o consórcio que realize a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, pode efetuar a retenção de tributos administrados pela RFB e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, utilizando seu próprio CNPJ, ficando nessa situação as consorciadas como solidariamente responsáveis.[8]
Em outras oportunidades, a RFB esclareceu que, segundo o seu entendimento, o consórcio que contratar em nome próprio está obrigado a entregar a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (“DCTF”) em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2011[9], dispensando-se a entrega do Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (“DACON”) e da Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (“DIRF”). Confira-se:
DACON. DIRF. ENTREGA. O consórcio que realize negócios jurídicos em nome próprio, inclusive na contratação de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, está obrigado a entregar a DCTF quanto aos fatos geradores que ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 2011, sendo dispensado das obrigações acessórias relativas ao Dacon e à Dirf, bem como da DCTF de 2010.[10]
Observa-se, pois, que as disposições contidas na Lei nº 12.402/11 e na Instrução Normativa RFB nº 1.199/11 poderão suscitar diversos conflitos entre o Fisco e os contribuintes, o que se deve, principalmente, à falta de clareza e de posicionamento por parte das autoridades administrativas sobre as novas regras e à dificuldade no cumprimento das obrigações fiscais por parte das empresas consorciadas.
É importante, portanto, que os contribuintes que operam por meio de consórcios estejam atentos a eventuais mudanças legislativas e ao posicionamento do Fisco sobre o tema, atentando-se aos questionamentos que inevitavelmente serão objeto de discussões judiciais e administrativas no decorrer dos próximos anos.
[1]Não é admitida a comunicação de créditos e débitos do PIS e da Cofins entre pessoas jurídicas consorciadas e do IPI entre pessoas jurídicas consorciadas ou entre os estabelecimentos destas (Art. 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11).
[2]Se das operações do consórcio decorrer industrialização de produtos, os créditos referentes às aquisições de matérias primas, de produtos intermediários e de material de embalagem e os débitos referentes ao Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”) devem ser computados e escriturados, por estabelecimento da pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento industrial.
[3]Art. 3º, § 2º, 4º, 5º e 6º da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11.
[4] Nos termos do disposto no § 1º do artigo 6º.
[5] Art. 6º, §§ 4º, 5º e 6º da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11
[6] Art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.199/11.
[7] No presente artigo não foram tratadas as hipóteses em que a consorciada executa a parte distinta do objeto do contrato de consórcio.
[8] Processo de Consulta nº 68/11- Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 6a. RF
[9] Vide art. 3º da Instrução Normativa RFB no. 1.110/2010
[10] Processo de Consulta nº 12/11 – Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 3a. RF