Recentes Posicionamentos da Receita Federal do Brasil sobre Rateio de Despesas (cost sharing) em Operações Internas e Internacionais
por Flávio Augusto Dumont Prado
Sócio do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados
Pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela PUC/PR Mestre em Direito Cooperativo pela Universidade Federal do Paraná – UFPR
por André Malinoski Munoz
Consultor tributário do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados em Curitiba
Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba
Tem sido praxe nos grandes Grupos Econômicos o compartilhamento de estruturas e serviços, que nada mais é do que um acordo firmado entre empresas de um mesmo grupo econômico, no qual uma sociedade centraliza determinados recursos físicos e/ou humanos comuns, com a consequente divisão dos gastos incorridos entre as partes envolvidas, com base na proporção dos benefícios e obrigações de cada empresa[1].
É importante destacar que tais operações não podem ser enquadradas no conceito de prestação de serviços, uma vez que não visam lucro, mas sim mera recomposição patrimonial (reembolso). Ou seja, não há, por parte das empresas centralizadoras, nenhuma cobrança de qualquer taxa (fee) por essa atividade de centralização das despesas[2].
Seguindo esta linha de raciocínio, os valores reembolsados também não se coadunam com o conceito de receita que, segundo a doutrina especializada[3] e as definições das normas contábeis[4], tem por finalidade o aumento do patrimônio líquido da empresa.
Não obstante estas definições jurídico-doutrinárias, e até pela omissão da legislação tributária em relação ao tratamento sobre o tema, muito se tem discutido acerca dos efeitos tributários destas operações. As referidas discussões basicamente giram em torno das seguintes questões:
- As despesas rateadas podem gerar créditos de PIS e COFINS para a empresa que efetua o pagamento do reembolso?
- As despesas reembolsadas podem reduzir as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL (Lucro Real) apurados pela empresa que efetua o pagamento do reembolso?
- Os reembolsos recebidos pela empresa que centralizou os gastos devem ser tributados pela contribuição para o PIS e pela COFINS (regime cumulativo[5] e não cumulativo)?
- Os reembolsos recebidos pela empresa que centralizou os gastos devem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL (Lucro Real e Lucro Presumido)?
A Receita Federal do Brasil (RFB) já se pronunciou algumas vezes sobre a maioria das questões acima.
No que se refere à dedutibilidade das despesas rateadas para as empresas que efetuam o pagamento do reembolso, além de exigir, em observância aos requisitos do art. 299 do Decreto nº 3.000/99, que os gastos sejam necessários, usuais e normais, de regra, a fiscalização também tem determinado que os reembolsos sejam fundamentados em critérios razoáveis, proporcionais e objetivos, previamente ajustados e formalizados entre as partes envolvidas[6]. Referidos requisitos, inclusive, estão em linha com as recentes decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sobre o tema[7].
Além da razoabilidade e proporcionalidade dos critérios de rateio – o que é fundamental para a aceitação do procedimento e da dedutibilidade das despesas por parte da RFB – outros aspectos também têm sido analisados e ponderados pelas autoridades administrativas e pela jurisprudência para as respostas das questões acima, especialmente aquelas relacionadas à tributação dos reembolsos recebidos pela empresa centralizadora, quais sejam:
- Há finalidade lucrativa?
- Qual a origem dos gastos reembolsados?
- Despesas decorrentes da contratação de terceiros
- Despesas decorrentes de atividades executadas internamente
- Qual a natureza da atividade compartilhada?
- Atividade-meio
- Atividade-fim
De fato, consoante exposto anteriormente, a recomposição patrimonial é uma das principais características das operações de rateio de despesas. Assim, quando identificado que a operação de rateio gerou algum acréscimo patrimonial para a empresa que recebeu os reembolsos (através, por exemplo, da cobrança de um fee), as autoridades fiscais têm equiparado estas operações a prestações de serviços e, consequentemente, enquadrado os reembolsos recebidos pela empresa centralizadora no conceito de receita tributável.
Por outro lado, quando não se verifica margem de lucro no reembolso cobrado, a fiscalização já aceitou que os reembolsos decorrentes de despesas com a contratação de terceiros sejam excluídos das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS[8].
Contudo, no caso de reembolsos originados de atividades desenvolvidas internamente pela empresa que os recebeu, é possível identificar manifestações da Receita Federal pela tributação destes valores como receita de serviço[9]. Entretanto, neste caso, a natureza da tarefa executada também é um importante aspecto a ser considerado, isto porque já existem decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)[10] e do Poder Judiciário[11] assegurando que os reembolsos recebidos em decorrência da execução de atividades-meio pela empresa centralizadora não devem ser enquadrados no conceito de receita para fins fiscais.
Recentemente, a Receita Federal do Brasil novamente se posicionou sobre o tema, publicando a Solução de Divergência nº 23, de 23 de setembro de 2013, que, pelo menos para fins do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS, pacificou o seu entendimento sobre os efeitos fiscais dos reembolsos de despesas em operações de compartilhamento de estruturas entre empresas do mesmo grupo.
Isto porque, a referida Solução de Divergência, além de ter sido emitida pela Coordenação Geral de Tributação (Cosit)[12] da Receita Federal, possui poder vinculante frente aos agentes fazendários, tendo em vista o contido no art. 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013.
Em resumo, a Cosit unificou o entendimento da fiscalização em relação aos seguintes aspectos das operações de rateio de despesas entre empresas ligadas: (a) os contratos de rateio de despesas não geram receitas tributáveis para a empresa centralizadora dos gastos; e (b) as despesas rateadas podem gerar créditos fiscais de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, desde que observados os limites e requisitos normativos de cada tributo.
Vale ressaltar, todavia, que a análise do inteiro teor da referida Solução de Divergência revela que as autoridades fazendárias limitaram a aplicabilidade destas conclusões às operações que, cumulativamente, observam os seguintes requisitos: (a) as atividades rateadas não podem se configurar como atividade-fim da empresa centralizadora; (b) os rateios não podem gerar efeito diverso, infringindo o contido nos arts. 273 (Lucro Real) e 521, §3º (Lucro Presumido) do Decreto nº 3.000/99; (c) os reembolsos devem ser calculados com base em critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados e formalizados entre as partes; (d) os reembolsos devem corresponder ao efetivo gasto de cada empresa; (e) os reembolsos devem ser limitados ao preço global pago inicialmente pela empresa centralizadora (ausência de finalidade lucrativa); (f) a empresa centralizadora deve registrar contabilmente as parcelas a serem ressarcidas no seu Ativo, como direitos de créditos a recuperar; e (g) a operação deve ser registrada contabilmente em lançamentos apartados.
Aos nossos olhos, a referida manifestação fiscal representa um importante avanço em favor dos contribuintes, na medida em que expressamente reconhece que as operações de rateio, desde que observados certos requisitos, não se confundem com prestações de serviço e, portanto, não devem gerar os mesmos efeitos tributários.
Adicionalmente, vale mencionar também que, em novembro de 2012, a Cosit publicou a Solução de Consulta nº 8/2012 – esta, sem poder vinculante – que analisou os efeitos de rateios de despesas entre empresa brasileira e outra não residente, tratando, além da dedutibilidade das despesas para a empresa brasileira, da aplicação das regras de preços de transferência nestas operações e da incidência do IRRF sobre estas remessas.
Em resumo, a fiscalização entendeu que as operações de reembolso que não estejam embasadas em critérios de rateio razoáveis e objetivos deverão ser equiparadas a operações de prestação de serviço, tornando-se necessária a aplicação das regras de preço de transferência (Lei nº 9.430/96) sobre os valores remetidos ao exterior. Ademais, dispôs também que os reembolsos decorrentes de atividades subcontratadas devem sofrer a incidência do IRRF, pois se submetem ao tratamento tributário destinado às remessas ao exterior para pagamento de serviços.
Em que pese a referida Solução de Consulta não possuir efeito vinculante frente aos agentes fazendários, esta manifestação também representa um importante marco para os contribuintes, pois, de forma reflexa, deixa subentendido que as remessas ao exterior de reembolsos decorrentes de despesas incorridas internamente não devem sofrer a incidência do IRRF. No que concerne à conclusão relacionada à aplicação das regras de preço de transferência, nos parece que o raciocínio da fiscalização tem certa lógica, uma vez que se confirmada que a natureza da operação é mesmo de prestação de serviços, ou seja, que há acréscimo de margem de lucro, é justa a aplicação das referidas normas, tendo em vista que visam evitar a transferência artificial de lucros ao exterior.
Conclusões
É possível concluir que as recentes manifestações da Receita Federal do Brasil, em especial a Solução de Divergência nº 23/2013, deram um pouco mais de clareza a respeito da posição das autoridades fazendárias quanto aos aspectos tributários relacionados aos contratos de compartilhamento/rateio de custos e/ou despesas entre empresas do mesmo grupo, principalmente quanto à importância da razoabilidade, proporcionalidade e objetividade dos critérios de rateio na distinção destas operações em relação às prestações de serviços.
Verifica-se também que a ausência de finalidade lucrativa, a origem dos gastos rateados e a natureza da atividade compartilhada também continuam sendo aspectos determinantes na definição dos efeitos tributários das operações de rateio de despesas.
Todavia, na prática, até em virtude da subjetividade do tema, os efeitos tributários destas operações deverão ser avaliados caso a caso, a depender do contexto fático e da documentação suporte de cada operação.
Por outro lado, é importante lembrar que ainda existem aspectos a serem pacificados no âmbito da Receita Federal, especialmente em relação às operações de rateio que envolvem a remessa de recursos ao exterior, como, por exemplo, a incidência, ou não, do IRRF, da CIDE-Tecnologia, do PIS-Importação e da COFINS-Importação sobre a operação.
É fato, entretanto, que os contribuintes podem, a partir de então, buscar aproveitar a linha de argumentação utilizada pela Solução de Divergência nº 23/2013 para defender que os reembolsos remetidos ao exterior devem estar fora do campo de incidência do IRRF, da CIDE-Tecnologia, do PIS-Importação e da COFINS-Importação, uma vez que estes valores não têm natureza remuneratória (receita).
[1] Nesse mesmo sentido, GALHARDO, Luciana Rosanova. Rateio de Despesas no Direito Tributário. Ed. Quartier Latin. 2004, p. 24-27.
[2] Ibidem, p. 148-150.
[3] Neste sentido foi o posicionamento adotado por Geraldo Ataliba em sua obra “ISS e base imponível” (Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1978, p 81-85).
[4] Pronunciamento Técnico CPC n° 30 R1.
[5] No que se refere ao PIS e COFINS apurados pelo regime cumulativo, após a declaração de inconstitucionalidade do §1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 pelo Supremo Tribunal Federal, o tema perdeu relevância, pois ficou pacificado que as referidas exações somente devem incidir sobre as receitas operacionais das empresas.
[6] Solução de Consulta nº 84, de 30 de Agosto de 2011, Acórdão (DRJ/SP1) nº 16-46144, de 24 de Abril de 2013 e Acórdão (DRJ/REC) nº 11-32911, de 17 de Fevereiro de 2011.
[7] CARF, Primeira Seção de Julgamento, Acórdão nº 130100.977 – 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Sessão de 04 de julho de 2012.
[8] Solução de Consulta nº 38, de 13 de Janeiro de 2011.
[9] Solução de Consulta nº 84, de 30 de Agosto de 2011.
[10] CARF, Terceira Seção de Julgamento, Acórdão nº 3402001.912 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 27 de setembro de 2012 e Segundo Conselho de Contribuintes, Terceira Câmara, Processo nº 10680.006775/2001-20, Recurso nº 123.599, Acórdão nº 203-09.674, Sessão em 07 de julho de 2004.
[11] Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AC 200781030013849, Quarta Turma, Relatora Margarida Cantarelli, D.E. 09/09/2011 e Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Apelação Cível nº 0013674-63.2008.4.03.6105/SP, D.E 15/04/2013.
[12] O Cosit é atualmente o órgão responsável por consolidar o entendimento da Receita Federal do Brasil.