Preços de transferência: o método PRL e os valores referentes a frete, seguro, e tributos

por Alexandre Siciliano Borges
LL.M pela Universidade de Leiden – Holanda. Professor do GVLaw e IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Sócio de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.

por Luiz Carlos de Andrade Jr.
Doutorando pela FDUSP. Associado de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.

Introdução

As regras de preços de transferência foram introduzidas, no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 9.430/96. Quase 15 anos após a entrada em vigor desse importante grupo de regras tributárias, dúvidas relevantes acerca de sua correta aplicação permanecem sem solução.

Uma dessas controvérsias relaciona-se à consideração dos valores atinentes a frete, seguro, e tributos, no preço-praticado, para fins de aplicação do método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL).

Defendem, de um lado, as autoridades fiscais, que tais valores devem integrar o preço do produto importado sujeito ao controle de preços de transferência. Por seu turno, os contribuintes sustentam que aqueles devem ser neutros, no contexto da aplicação do citado controle, e, portanto, devem ser excluídos do preço-praticado.

 O tema possui importância prática: o método PRL é o mais comumente aplicado, pelas empresas, e pelo próprio Fisco, para o controle dos preços de transferência em importações, uma vez que é o único método que pode ser eficazmente utilizado sem a necessidade de se obter quaisquer informações ou documentos perante terceiros. Nesse contexto, a inclusão dos montantes de frete, seguro, e tributos, no preço-praticado, pode aumentar, em equivalente extensão, o ajuste aferido por meio da aplicação desse método. Diversamente, a exclusão, dos referidos valores poderia diminuir o ajuste eventualmente apurado. Não raramente, a adoção de um ou outro ponto de vista será determinante para saber de há, ou não, ajuste a ser efetuado.

O presente artigo tem por objetivo analisar os principais argumentos manejados pelas partes desse debate, para, ao final, apresentar uma proposta para a solução técnica da controvérsia.

Noções Fundamentais: Preço-Praticado e Preço-Parâmetro

 Os artigos 18 e seguintes da Lei nº 9.430/96 dedicam-se ao controle de preços de transferência. Entende-se por preço de transferência o preço atribuído a produtos em operações de importação e exportação praticadas por partes que guardem, entre si, algum tipo de vinculação, de natureza societária ou econômica (cf. artigo 23 da Lei nº 9.430/96).

Trocando em miúdos, o legislador, inspirado pela prática internacional, buscou instituir regras que permitissem a correta alocação de lucros nas operações entre partes vinculadas, as quais, nem sempre se pautam por valores de mercado.  A disciplina de preços de transferência tem como pilar a idéia de que, ainda que vinculadas, as partes devem estabelecer as condições comerciais de suas operações como se independentes fossem, isto é, segundo preços de mercado. Eis a essência do que a Doutrina intitula princípio arm’s length.

Na prática, o controle de preços de transferência opera-se mediante a comparação de duas grandezas: de um lado, o preço-praticado; do outro, o preço-parâmetro. Quando o preço-praticado em uma importação é maior que o preço-parâmetro, ou quando o preço-praticado em uma exportação é menor que o preço-parâmetro, surge a necessidade de se realizar um “ajuste”, ou seja, uma adição ao lucro real. Esse ajuste reflete, no caso de importações, a indedutibilidade da parcela do preço-praticado que supera o preço-parâmetro; no que tange às exportações, aquele decorre do arbitramento da receita destas, quando o preço-parâmetro supera o preço-praticado.

O preço-praticado é o preço da importação (constante, como aponta o caput do artigo 18 da Lei nº 9.430/96, dos documentos de importação), ou o preço da exportação (correspondente, nos termos do artigo 19 da Lei nº 9.430/96, às receitas auferidas em operações dessa espécie).

O preço-parâmetro, por sua vez, é o instrumento do controle de preços de transferência, e se define mediante a aplicação de um dos métodos previstos na legislação. Para as importações, são 3 os métodos previstos (artigo 18 da Lei nº 9.430/96): método dos Preços Independentes Comparados (PIC), método do Custo de Produção mais Lucro (CPL), e método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL). No campo das exportações, são 4 os métodos contemplados pelo legislador (artigo 19 da Lei nº 9.430/96): método do Preço de Venda nas Exportações (PVEx), método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro (PVA), método do Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro (PVV), e Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro (CAP).

A Origem da Discórdia

 Reza o artigo 18, § 6º, da Lei nº 9.430/96:

 “§ 6º Integram o custo, para efeito de dedutibilidade, o valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador e os tributos incidentes na importação”.

 A redação empregada pelo legislador não foi feliz. Com efeito, ela permite a realização de duas leituras antagônicas. Pode-se entender – como fazem as autoridades fiscais – que o frete e o seguro, cujo ônus seja do importador, e os tributos incidentes na importação integram o preço-praticado, logo, sujeitam-se ao controle de preços de transferência. Em sentido oposto, pode-se sustentar que a expressão “para efeito de dedutibilidade”, porquanto não possa ser relegada à inutilidade, cumpre o papel de indicar que aquelas parcelas seriam integralmente dedutíveis, e, portanto, não integrariam o preço-praticado.

 O Ponto de Vista do Fisco

 Mesmo antes de surgirem as primeiras autuações baseadas na aplicação do método PRL, a então Secretaria da Receita Federal exarou a Instrução Normativa nº 38/97, da qual consta o seguinte enunciado:

“Art. 4º (…)
§ 4º Na determinação do custo de bens adquiridos no exterior, poderão, também, ser computados os valores do transporte e seguro, cujo ônus tenha sido da empresa importadora, e dos tributos não recuperáveis, devidos na importação”.

 Como se vê, a primeira aproximação fiscal acerca do tema revela a concessão de uma faculdade ao contribuinte, que poderia, ou não, ao seu alvedrio, incluir, no preço-praticado, o frete, seguro e tributos, pagos com relação a determinada importação.

 Essa norma não foi reproduzida pela Instrução Normativa nº 32/01, que, revogando a Instrução Normativa nº 38/97, passou a tratar do assunto da seguinte maneira:

 “Art. 4º (…)
§ 4º Para efeito de apuração do preço a ser utilizado como parâmetro, calculado com base no método de que trata o art. 12, serão integrados ao preço os valores de transporte e seguro, cujo ônus tenha sido da empresa importadora, e os de tributos não recuperáveis, devidos na importação”.

 A nova diretiva regulamentar substituiu a norma razoavelmente clara que a antecedeu por um comando obscuro. Note-se que o § 4º do artigo 4º da Instrução Normativa nº 32/01 estatui que os valores de frete, seguro e tributos, pagos em importações, deveriam ser incluídos no preço-parâmetro, não no preço-praticado. Qual teria sido o sentido de tal regra? Deveria o contribuinte somar, ao preço de renda do qual seria diminuída a margem de lucro, o frete, seguro, e tributos pagos na importação? Como deveria o contribuinte proceder para computar o preço-praticado? Tais indagações não eram adequadamente respondidas pelo texto regulamentar.

 A Instrução Normativa nº 32/01 foi revogada pela Instrução Normativa nº 243/02, a qual se encontra em vigor até o presente. Esta, registre-se, reproduz, ipsis literis, o dispositivo constante de sua predecessora. Dessa feita, constata-se que o Fisco, por meio de seus pronunciamentos normativos, sustenta, desde 2001, situação de inegável incerteza no quanto concerne à questão aqui analisada.

 A despeito da clara faculdade que vigorou entre 1997 e 2001, e da incerteza instaurada a partir de 2001, o Fisco tem sustentado, indiscriminadamente, que os valores de frete, seguro, e tributos, devem integrar o preço-praticado. O principal argumento invocado em favor desse entendimento tem sido o de que aqueles montantes fazem parte do preço de revenda (pois são “repassados” ao comprador nacional), a partir do qual é aferido o preço-parâmetro. Em razão disso, a exclusão de tais parcelas do preço-praticado implicaria a realização do controle de preços de transferência com base em uma comparação entre grandezas desiguais.

 O argumento é sedutor, e já foi acolhido pela jurisprudência administrativa, em alguns precedentes. Nessa linha, extrai-se da ementa do acórdão nº 1301-00.077, da Primeira Turma Ordinária da Terceira Câmara da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, prolatado em sessão de 13/05/09:

 “Preço parâmetro. Tributos incidentes na importação, frete e seguro. Se o preço de revenda inclui tais valores, também o preço parâmetro deve incluí-los, sob pena de comparar-se grandezas incompatíveis”.

 Apesar de sua aparente higidez lógica, o argumento fazendário é merecedor de críticas.

 O Ponto de Vista do Contribuinte

 O principal argumento invocado contra a posição fazendária, acima descrita, é o de que os valores relativos a frete, seguro, e tributos, não se enquadram na definição de preço-praticado, plasmada no caput do artigo 18 da Lei nº 9.430/96. Confira-se a redação deste:

“Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:
(…)”.

Segundo a literalidade do dispositivo supra, somente submetem-se ao controle de preços de transferência, isto é, apenas podem ter a sua dedutibilidade limitada, em razão de um dos métodos legais, os custos, despesas e encargos incorridos em operações de importação realizadas com partes vinculadas. A essa constatação contrapõe-se o fato de que frete e seguro são valores que se tornam devidos, geralmente, em virtude de operações realizadas com partes independentes; os tributos, por sua vez, são sempre devidos a uma parte independente, qual seja, o Estado. Adicione-se a isso o fato de que o seguro, por expressa disposição legal (artigo 20 da Lei nº 126/07), sequer pode ser “importado”, pois deve ser contratado junto a uma seguradora brasileira.

 Nesse estado de coisas, os montantes atinentes a frete, seguro, e tributos, deveriam ser plenamente dedutíveis, nos termos do artigo 47 da Lei nº 4.506/77 e do artigo 41 da Lei nº 8.981/95, e, portanto, não haveriam de integrar o preço-praticado. Tal entendimento já foi adotado em julgado do Primeiro Conselho de Contribuintes, em que se lê:

 “Embora as despesas de fretes e seguros tenham sido incluídos nos documentos de importação, em se tratando de despesas necessárias, usuais e normais para o tipo de atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, cuja dedutibilidade está prevista na legislação, estas despesas devem ser neutras para a apuração do preço de transferência no Método PRL” (acórdão nº 108-09763, em sessão de 13/11/2008).

 No mesmo sentido decidiu a Segunda Turma Ordinária da Primeira Câmara da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao exarar o acórdão nº 1102-00.302, em sessão de 01/09/2010, cuja ementa vem a seguir transcrita:

 “IRPJ – CSLL – PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA – MÉTODO DO PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO (PRL) – FRETES, SEGUROS E TRIBUTOS INCIDENTES NA IMPORTAÇÃO – Os valores de frete, seguro e imposto de importação são custos efetivos do contribuinte que não foram pagos diretamente a pessoas vinculadas e, deste modo, não podem fazer parte do preço parâmetro”.

 Aliás, esse ponto de vista tem se tornado prevalecente na jurisprudência administrativa, em vista do recente julgamento do processo nº 16327.000966/2002-74, pela Câmara Superior de recursos Fiscais (sessão de setembro de 2011).

No que toca ao argumento da suposta comparação de grandezas desiguais, também acima exposto, sustentaria, o contribuinte, que tal situação – ainda que pudesse ser uma falha da legislação – seria irrelevante, diante da definição do escopo do preço-praticado, extraída do caput do artigo 18 da Lei nº 9.430/96.

Mas, ainda que se pudesse atribuir importância a essa aparente contradição legal, a antítese oposta à formulação fazendária poderia valer-se de bons argumentos.

Subjaz ao ponto de vista fazendário, neste particular, a assunção de que o método PRL apresentaria apenas dois componentes: custo e lucro. Como frete, seguro e tributos não comporiam o lucro, então seriam eles parte do custo. Noutras palavras, o preço-parâmetro, resultado da aplicação do método PRL, seria um custo acrescido de frete, seguro e tributos incidentes na importação, e diminuído do lucro. Daí a lógica de o preço-praticado ser acrescido de iguais parcelas.

 Contrapondo-se a essa perspectiva, pode-se argüir que, sendo a margem de lucro a que se refere a Lei nº 9.430/1996 bruta, não líquida, ela seria suficiente para remunerar todos os fatores, que não o próprio produto importado.

 Noutras palavras, não seria improvável que mesmo com a aplicação da margem legal, o importador acusasse prejuízos em suas operações. Bastaria imaginar a situação em que suas despesas locais ultrapassem aquela. Este resultado pareceria estranho em um cenário em que a margem legal fosse baseada na realidade de cada negócio. Contudo, na medida em que o legislador brasileiro abre mão de tal premissa, adotando margens predeterminadas, torna-se inviável qualquer racionalidade econômica que possa investigar a comparabilidade de margens. Por uma questão de praticidade, o legislador brasileiro fixou a margem de lucro (20%, no caso de revenda; e 60%, no caso de produção local) como quantia fixa (markup) para remunerar todos os gastos do importador e, se for o caso, ainda restar-lhe algum lucro.

Nada há na lei a indicar que o markup legal não inclua os valores pagos a título de frete, seguro e tributos. Ao contrário, uma interpretação sistemática da lei levaria ao sentido inverso: tendo em vista que o legislador quis adotar um método simplificado para se chegar ao preço-parâmetro, seria imediato que, após se deduzir do preço de venda o markup legal, se chegasse ao preço-parâmetro, a ser comparado com o preço pago exclusivamente a partes vinculadas (i.e. sem frete, seguro e tributos). Nada mais simples.

 A confirmar esse entendimento, pode-se afirmar, ademais, que o preço de revenda pode incluir outros custos, além do valor relativo a frete, seguro e tributos, como, por exemplo, custos com armazenagem. Tais valores integrariam o custo de revenda, mas não integram o preço da importação, isto é, o preço praticado. Mesmo assim, não se ousaria defender que eles deveriam ser incluídos no preço-praticado, nem excluídos do preço parâmetro, a pretexto de se preservar a comparabilidade de grandezas ditas equivalentes.

Crítica

 Como se vê, o debate é intrincado, de dificílima solução. Em nossa opinião, de fato, a Lei nº 9.430/96 comporta duas interpretações antagônicas.

 A expressão “para efeito de dedutibilidade”, inserta no § 6º do artigo 18 da Lei nº 9.430/96 pode indicar:

  •  (i) que o frete, seguro, e tributos, pagos numa importação, devem integrar o custo a ser deduzido, após o controle dos preços de transferência – logo, não fariam parte do preço-praticado; ou
  •  (ii) que o frete, seguro, e tributos, pagos numa importação, devem integrar o custo a cuja dedutibilidade será testada por um dos métodos de preços de transferência – logo, fariam parte do preço-praticado.

 Ademais, não nos parece isenta de dúvidas a afirmação de que o caput do artigo 18 da Lei nº 9.430/96 excluiria, do escopo do preço-praticado, as parcelas em exame. Isto, porque a redação da cabeça do dispositivo é também imprecisa, ao utilizar-se da expressão “relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada”. O que seria um custo, despesa, ou encargo “relativo” a bens, serviços ou direitos? Seriam aqueles que decorrem diretamente da aquisição dos bens, direitos ou serviços – i.e. o custo individual destes –, ou aqueles que possuem alguma relação, ainda que mediata, com tal aquisição? Se a resposta fosse a primeira das opções dadas, por qual motivo teria o legislador incluído, no texto legal, as palavras “despesas” e, principalmente, “encargos”, uma vez que o preço do bem, produto, ou direito, será sempre “custo”?

 Assim, pensamos que o caput do artigo 18 da Lei nº 9.430/96, visto isoladamente, não seja suficiente para dirimir a celeuma, pois dele também pode-se extrair duas interpretações distintas. É dizer, não seria absurdo, a princípio, supor que os “encargos” mencionados no caput abrangeriam o frete, seguro, e tributos, que, ainda que de maneira mais ampla, seriam “relativos a bens, serviços, e direitos”.

 A argumentação de que a inclusão dos valores de frete, seguro, e tributos, no preço-praticado, seria necessária para se evitar a comparação de grandezas desiguais, já que o preço-parâmetro embutiria tais montantes, também não nos convence. O legislador criou um mecanismo de definição da extensão da dedutibilidade dos custos de importações baseado em uma presunção; não nos parece ser da essência dessa presunção a comparabilidade de grandezas análogas. O preço-parâmetro é uma grandeza arbitrária, e, como tal, justifica-se em si mesma, não em comparação com o preço-praticado, que é a grandeza real, extraída da realidade.

 Demais disso, não se deve perder de vista que o importador pode incorrer em custos locais, os quais são embutidos no preço-parâmetro (pois majoram o preço de venda), e, sob hipótese alguma, poderiam ser incluídos no preço-praticado. Com efeito, seria absurda a tentativa de se incluir no preço-praticado custos como o de armazenagem, incorridos já no Brasil. Essa situação demonstra que a regra de que o preço-parâmetro deve ser expresso em uma grandeza equivalente à que representa o preço-praticado seria falaciosa, portanto, insustentável.

 Por outro lado, entretanto, também não convence a linha de raciocínio de acordo com a qual o legislador, ao eleger a margem de lucro, teria escolhido uma margem bruta tal que fosse capaz de cobrir todos os custos diversos do custo exclusivo do produto importado, inclusive o frete, seguro e tributos, devidos sobre a importação, embutidos no preço de revenda. Essa formulação poderia ser facilmente desconstruída com a suposição de que, na verdade, o legislador escolheu uma margem de lucro menor do que a ideal, exatamente porque o frete, seguro, e tributos, fariam parte do preço-praticado.

 Em nossa opinião, portanto, a discussão a respeito da comparabilidade de grandezas desiguais, e o seu contraponto nas elucubrações sobre a extensão da margem de lucro legal, se mostram de todo descabidos, pois não oferecem critérios claros o suficiente para solucionar a dúvida. Pode-se argumentar em ambos os sentidos, de maneira igualmente plausível.

 Como resolver o problema, então?

 Admitimos, inicialmente, que as interpretações postuladas tanto pelo Fisco, como pelo contribuinte, são possíveis. Devemos, contudo, identificar qual delas seria a mais conveniente.

 A interpretação defendida pelo contribuinte traz um inconveniente: poderia limitar a eficácia do controle dos preços de transferência, fazendo com que despesas indedutíveis tornem-se dedutíveis, na medida em que se considere um preço-praticado menor.

 De maneira oposta, a interpretação fazendária poderia maximizar a eficácia do controle dos preços de transferência, tornando indedutíveis despesas que, necessariamente, haveriam de ser dedutíveis.

 Para demonstrar esse efeito, lacemos mão de um exemplo limítrofe: o produto recebido pelo importador sem custo. Nessa hipótese, o preço-praticado, se adotada a interpretação que admite a inclusão, neste, de frete, seguro, e tributos, consistiria tão somente da soma destas parcelas. Isso ocorrendo, caso o contribuinte não revendesse o produto por um preço que representasse ao menos 25% (no caso de revenda), ou 150% (no caso de produção local, segundo a sistemática de cálculo do PRL definido na Instrução Normativa nº 243/02), do preço-praticado (o qual, relembre-se, nesse exemplo, é a soma de frete, seguro e tributos), haveria a apuração de ajustes a serem realizados. Tais ajustes espelhariam uma parte do frete, seguro, e tributos, que haveria de ser adicionada no lucro real, logo, se tornaria indedutível.

 O fato de a interpretação fazendária ter o potencial de produzir o resultado acima descrito (indedutibilidade de frete, seguro e tributos) mostra que esta interpretação conflita com outras normas do ordenamento tributário. Conflita com o artigo 47 da Lei nº 4.506/77, que diz serem dedutíveis as despesas necessárias, usuais e normais incorridas pela pessoa jurídica; contrasta com o artigo 41 da Lei nº 8.981/95, segundo o qual os tributos são dedutíveis para fins de apuração do lucro real.

 Tal aproximação hermenêutica conflita, em última instância, com o próprio artigo 43 do Código Tributário Nacional. Este, como se sabe, define a renda tributável como acréscimo patrimonial disponível. O conceito de renda, no caso das pessoas jurídicas, assume ares de concretude por meio da legislação que define como se deve apurar o lucro real, o arbitrado, e o presumido. A legislação, em atenção àquele conceito, aponta que não compõem o lucro as despesas operacionais, nem os tributos pagos. Assim, ao tornar indedutíveis despesas  operacionais (frete e seguro) e tributos, o artigo 18 da Lei nº 9.430/96, interpretado como querem as autoridades fiscais, ignoraria o próprio conceito de renda, fazendo com que tributável fosse o que nem mesmo renda é.

 Está-se, in casu, diante de uma lacuna legislativa: o legislador não deu, ao intérprete, ferramentas específicas para precisar o alcance da norma criada. Encontra-se o intérprete, portanto, na contingência de fazer uma escolha: escolher entre uma interpretação que possa tornar a norma menos eficaz, ou uma interpretação que possa tornar a norma ilegal.

 Entre as duas saídas possíveis, escolhemos a primeira. A eventual falta de habilidade do legislador em criar uma norma totalmente eficaz pode ser corrigida, por ele próprio, embora não possa sê-lo pelo intérprete, ou pelo juiz. Por outro lado, a atribuição, à norma, de um sentido que inevitavelmente a torna ilegal é conduta que não se faculta ao intérprete, que deve primar pela racionalidade e pela completude do sistema.

Conclusão

Ante o exposto, concluímos que:

  •  (i) não há resposta imediata para a questão relativa à inclusão dos valores de frete, seguro, e tributos, no preço-praticado, para fins de aplicação do método PRL. O artigo 18, caput e parágrafo 6º, da Lei nº 9.430/96, a princípio, comportam duas interpretações antagônicas;
  • (ii) ambas as interpretações vislumbradas trazem consigo inconvenientes. A interpretação de que os montantes em comento não se incluem no preço-praticado pode diminuir a eficácia do controle de preços de transferência, de modo que sejam consideradas dedutíveis despesas que não deveriam sê-lo. A interpretação de que os montantes aqui aludidos devem ser incluídos no preço-praticado, por sua vez, pode fazer com que se tributem valores correspondentes a despesas operacionais e tributos, o que não seria compatível com o conceito de renda insculpido no artigo 43 do Código Tributário Nacional;
  •  (iii) dentre as interpretações descritas, achamos mais adequada a que traz o menor inconveniente; entre ineficácia e ilegalidade, escolhemos a ineficácia, a qual, quiçá, poderá ser mitigada, um dia, pelo legislador; e
  •  (iv) portanto, em nossa opinião, frete, seguro, e tributos não devem integrar o preço-praticado nas importações sujeitas ao método PRL.
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