Preços de transferência nas operações “back to back”

por Diego Marchant
Advogado em São Paulo, Mestre em Direito Tributário Internacional – LL.M. pela Universidade de Leiden na Holanda.

por Camila Chierighini Nazar
Advogada em São Paulo.

 

1. Introdução

Atualmente muito se têm discutido sobre a tributação das operações “back to back”. Com o desenvolvimento do comércio internacional, essas operações têm sido cada vez mais utilizadas pelas empresas brasileiras com o objetivo de racionalizar os procedimentos e minimizar seus custos, movimentando mercadorias por meio de um processo mais eficaz.

Embora essas operações venham ganhando cada vez mais espaço no mercado internacional e, principalmente, dentre as empresas brasileiras, o ordenamento jurídico pátrio não traça nenhuma definição ou qualquer regulamentação sobre a matéria.

 Recentemente, porém, o Banco Central do Brasil publicou em seu sítio da internet[1], especificamente,na seção de perguntas e respostas sobre operações de exportação e importação, que operações “back to back” “são aquelas em que a compra e a venda dos produtos ocorrem sem que esses produtos efetivamente ingressem ou saiam do Brasil. O produto é comprado de um país no exterior e vendido a terceiro país, sem o trânsito da mercadoria em território brasileiro”.

Apesar de algumas pequenas diferenças operacionais que podem ser verificadas caso a caso, as operações “back to back” representam verdadeiras relações triangulares que compreendem compra e (re)venda de uma mercadoria no mercado internacional sem que ocorra o respectivo trânsito físico pelo país da pessoa jurídica que de ambas as relações participa.

Isso significa dizer, a mercadoria é vendida de uma empresa “A” para a empresa “B”, que a (re)vende para a empresa “C”, de forma que a mercadoria é enviada diretamente de “A” para “C”, sem que a mesma transite pelo território de “B”, inexistindo nesse qualquer processo de importação ou exportação da mesma. Vejamos:

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Visando uma significante redução de custos e aumento do ganho cambial, as empresas brasileiras têm realizado operações “back to back”, sobretudo com empresas a ela vinculadas localizadas no exterior, nas quais a empresa brasileira promove a triangulação de operações, comprando a mercadoria de um país e revendendo a outro, sem que a mesma circule fisicamente pelo território nacional.

 Nesse sentido, tratando-se de operações intercompany, isto é, quando em uma das pontas ou em ambas estão envolvidas pessoas jurídica vinculadas à pessoa jurídica brasileira, o ponto central das discussões acerca da aplicação das regras de preços de transferência está no enquadramento ou não destas operações ao disposto nos artigos 18 e 19 da Lei n°. 9.430, de 27 de dezembro de 1996 (“Lei 9.430/1996”).

Ainda que não ocorra qualquer processo de importação ou exportação de bens no território brasileiro, há algum tempo a Receita Federal do Brasil vêm se manifestando no sentido de que as operações “back to back” se sujeitam à legislação de preços de transferência[2].

Todavia, pretendendo por fim à polêmica, foi publicada a Instrução Normativa RFB n°. 1.312, de 28 de dezembro de 2012 (“IN RFB 1.312/2012”), que, sob o pretexto de regulamentar as alterações nas regras de preços de transferência instituídas pela Lei n°. 12.715, de 17 de setembro de 2012, expressamente estabeleceu em seu artigo 37 que as operações “back to back” estão sujeitas à legislação de preços de transferência.

Se por um lado, a instrução normativa parece carecer de qualquer fundamentação legal, de outro, a nosso ver, a mesma sequer seria necessária à medida que, uma vez identificado receitas ou custos contratados com partes vinculadas, as operações “back to back”, por si só, ensejariam a aplicação das regras de preços de transferência.

 Ademais, no entendimento da própria Receita Federal do Brasil, a IN RFB 1.312/2012 seria norma interpretativa, prevista no artigo 106 do Código Tributário Nacional, devendo ser, inclusive, aplicada retroativamente a todo ano-calendário 2012.

2. A aplicação das regras de preços de transferência independentemente da IN RFB 1.312/2012

Da análise das características das operações “back to back”, verifica-se que esta se trata de verdadeira operação mercantil (compra e venda) realizada no âmbito internacional. Embora não haja um trânsito físico da mercadoria em território brasileiro, ocorre a emissão de faturas comerciais e contratos de câmbio que amparam o respectivo fluxo financeiro.

Dessa forma, a nosso ver, tais operações, por si só, sujeitam-seàs regras de preços de transferência previstas nos artigos 18 e 19 da Lei 9.430/1996, independentemente da IN RFB 1.312/2012.

Primeiramente, as regras de preços de transferência têm como escopo verificar se os valores de receitas, custos e despesas em operações intercompany estão de acordo com os preços de mercado. No caso das operações “back to back”, o objetivo seria verificar se os valores de compra e a (re)venda de mercadorias entre partes vinculadas estariam de acordo com os preços usualmente praticados entre partes independentes.

Depreende-se do texto do artigo 18 Lei 9.430/1996, que sua aplicação não está restrita às operações de efetiva importação, mas que, valendo-se da expressão “custos, despesas ou encargos relativos a bens serviços e direitos constantes dos documentos de importação ou de aquisição”, as regras de preços de transferência devem ser aplicadas, inclusive, para operações em que as pessoas jurídicas brasileiras adquiram bens de pessoas jurídicas a ela vinculadas localizadas no exterior.

Ademais, ainda que o mesmo não tenha sido feito pelo legislador ao editar o artigo 19 da Lei 9.430/1996, que faz referência apenas à expressão “exportação”, a legislação sobre preços de transferência, em momento algum, estabeleceu que as operações de exportação devessem ser caracterizadas apenas como as operações que representem a saída da mercadoria do território nacional.

Embora a legislação aduaneira[3] estabeleça que o fato gerador do Imposto de Exportação é a saída física das mercadorias do território nacional, o ordenamento pátrio não restringiu o conceito de exportação somente para as referidas operações, mas reconheceu, por exemplo, que bens imateriais, tais como os serviços, também podem ser objeto de exportação[4]. Incabível afirmar, portanto, que a materialidade de um tributo específico proporcione um conceito rígido para todo e qualquer fim tributário.

Dessa forma, entendemos que para que a exportação e a importação (como, por bem, deixou claro o legislador no artigo 18 da Lei 9.430/1996) ocorram basta que as mesmas representem mudanças de titularidade do bem, que passa da titularidade de um residente no território nacional para a titularidade de um não residente.

É, portanto, essa mudança de titularidade que se verifica nas operações “back to back”: em um primeiro momento a mercadoria ingressa no patrimônio da pessoa jurídica estabelecida no país (compra) para, em um segundo momento, deixar o referido patrimônio e ingressar no patrimônio de pessoa jurídica estabelecida no exterior ((re)venda).

A circulação física de um bem pelo território nacional não é elemento obrigatório para que uma operação seja considerada como importação ou exportação. Na realidade, é suficiente para a existência dessas operações a mudança da titularidade de um bem, de pessoa jurídica residente para pessoa jurídica não residente, ou vice e versa.

Nesse sentido, entendemos que as regras de preços de transferência se aplicam às operações “back to back” realizadas por empresas brasileiras que operem com pessoas jurídicas vinculadas localizadas no exterior, tendo sido desnecessária a edição da IN RFB 1.312/2012 pela Receita Federal do Brasil à medida que tais operações, por si só, se enquadram nas hipóteses legais presentes na Lei 9.430/1996.

 3. A legalidade da IN RFB 1.312/2012 no tocante às operações “back to back”

Muito se tem questionado acerca da legalidade da IN RFB 1.312/2012, porém, corroborando o acima exposto, é imperioso ressaltar que a própria legislação de preços de transferência, embora não explicitamente, enquadrou a estrutura das operações “back to back” como uma operação de importação seguida de uma operação de exportação.

A jurisprudência[5] do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que uma Instrução Normativa não pode restringir o alcance do disposto em lei. O que lhe é permitido é tão somente a caracterização de fatos, situações ou comportamentos cujo conceito é vago na legislação. Ocorre que, a nosso ver, a IN RFB 1.312/2012 não acarretou em modificação na apuração de tributo e, consequentemente, em seu aumento.

Nesse sentido, a IN RFB 1.312/2012 apenas explicitou hipótese já abarcada pela Lei 9.430/1996, não havendo que se falar em qualquer ilegalidade. O referido ato da Receita Federal do Brasil não criou nova obrigação tributária, mas tornou claro algo que foi demasiado controverso entre os contribuintes.

A IN RFB 1.312/2012, embora de legalidade contestável frente a algumas de suas disposições, deve ser entendida como desnecessária ou repetitiva no tocante às operações “back to back”, vindo de encontro apenas com a intenção do governo federal de deixar as informações cada vez mais transparentes, mas jamais criando uma exação que até então não existia.

Isso porque, pela própria redação da Lei 9.430/1996, as operações “back to back” realizadas entre partes vinculadas sempre estiveram sujeitas ao controle de preços de transferência.


[2]Veja-se: Solução de Consulta n° 5, de 08 de julho de 2009; Solução de Consulta n° 2, de 01 de julho de 2012; e Solução de Consulta COSIT n° 9, de 01 de novembro de 2012.

[3]Veja-se artigo 213 do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto n°. 6.759, de 5 de fevereiro de 2009.

[4]Nesse sentido é o artigo 156, parágrafo 3°, inciso II da Constituição Federal .

[5]Veja-se: REsp nº. 329.892 – RS, REsp nº. 913.433- ES, REsp nº. 840.056/CE, AgRg no REsp nº.  995.285/PE, REsp nº. 1008021/CE e REsp nº.  1109034/PR

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