Precatórios: O Estado da Arte

por Sacha Calmon Navarro Coêlho
1Professor Titular de Direito Tributário da UFRJ (Faculdade Nacional de Direito)
Ex-Professor Titular de Direito Tributário e Financeiro da UFMG
Doutor em Direito Público pela UFMG
Presidente Honorário da ABRADT
Presidente da ABDF

 

As cessões de precatórios de natureza alimentar vencidos,  foram convalidadas pela Emenda Constitucional n.° 62 de 09/12/2009.

 O art. 5º da EC nº  62/209 traz a seguinte disposição:

 “Art. 5º Ficam convalidadas todas as cessões de precatórios efetuadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional, independentemente da concordância da entidade devedora.”

 Consoante se dessume do dispositivo, todas as cessões foram convalidadas, independentemente de concordância da entidade devedora, projetando-se a norma para o passado a fim de legitimar, indistintamente e sem ressalvas, todas as cessões de precatórios havidas antes da promulgação da emenda.

A convalidação das cessões, sem autorização de Estados e Municípios, precedidas da palavra TODAS dá a clara idéia de estar se referindo, a nosso ver, aos precatórios alimentares e não alimentares. Quando o legislador quer fazer “distinguos” ele diz claramente, mas a EC nº 62 não estabeleceu distinções entre os alimentares e não alimentares, no que respeita à possibilidade de cessão dos precatórios.  Muito pelo contrário, a emenda autoriza a cessão de precatórios alimentares expressamente em seu artigo 1º, que deu nova redação ao art. 100 da CR/88, interessando-nos, nesse momento, o seu § 13, com a seguinte redação:

“§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.”

Ora, o art. 100, § 13, da CR/88, na redação dada pela EC 62, tem nítido caráter interpretativo (interpretação autêntica empreendida pelo legislador constitucional), conjugando-se com a previsão contida no  art. 78, caput, do ADCT, acerca da cessão de precatórios, a fim de dirimir as dúvidas até então existentes quanto à possibilidade de cessão dos precatórios alimentares.

Os §§ 2º e 3º, a que faz referência o art. 100, § 13, da CR/88, tratam de modalidades de precatórios de pequeno valor e de natureza alimentícia que devem ser pagos preferencialmente aos demais. O § 13, a seu turno, ao estabelecer que não se aplicam ao cessionário os §§ 2º e 3º, pressupõe, por óbvio, a possibilidade de cessão daqueles precatórios, asseverando todavia que o beneficio do pagamento preferencial conferido ao CEDENTE não se transfere ao CESSIONÁRIO. Ou seja, vencido e cedido o precatório à CONSULENTE, ele perde a sua natureza de alimentar, pois, para o cessionário, o direito subjacente não tem o caráter alimentar que se verificava em relação ao titular original, constituindo-se por força da aquisição do direito de crédito originariamente conferido a outrem.

Entendemos que o art. 78, caput, do ADCT, antes mesmo da emenda Constitucional nº 62 permitia a cessão e a denominada “compensação” de precatórios alimentares e não alimentares, pois  ressalvava os de natureza alimentícia apenas da possibilidade de parcelamento, mas não impedia a sua cessão, desde que vencido e não pago. Agora o legislador constitucional primou pela clareza, atribuindo aos créditos alimentares, de modo irretorquível, a possibilidade de cessão. Deveras, oart. 100 da CR/88, parcialmente mudado, aduz que o cessionário de crédito alimentar não terá as prerrogativas do cedente (titular ou credor originário de precatório alimentar não quitado).

Ora, a norma jurídica não se confunde com o texto legal, veículo pelo qual a norma se manifesta. Pois bem, o art. 5º da EC nº 62 e o art. 100, § 13 da CR/88 na redação dada pela EC nº 62 se integram, no que couber, ao art. 78, caput, do ADCT, formando um todo único, de onde se extrai a norma que autoriza a cessão dos precatórios alimentares, tanto antes quanto depois da edição da EC nº 62. Isto, porque o art. 78 da Carta não sofreu alteração alguma em termos vernaculares, aplicando-se aqui o dizer de Celso (Digesto, livro 1, título 3º, parágrafo 24): “É contra o direito julgar ou responder sem examinar o texto em conjunto apenas considerando uma parte qualquer do mesmo.”

Há de se destacar, inclusive, decisões de nossos tribunais, no sentido de que não pago no vencimento o precatório alimentar, ele perde tal atributo e passa a ser tratado como crédito não alimentar vencido. Confira-se, interplures, a seguinte:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL. LIMITE DE TRINTA SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 100, §3º, DA CF/88 C/C ART. 87, II, DO ADCT DA CF/88. INAPLICABILIDADE. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL ANTERIOR, QUE FIXA RPV EM VALOR MENOR. REMUNERAÇÃO REFERENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PRESTADOS NO ANO DE 2002. VERBA ATRASADA QUE PERDE O CARÁTER ALIMENTAR. RECURSO PROVIDO. – Tendo a execução sido ajuizada, após do advento de lei municipal que reduziu o limite máximo para pagamento através de requisição de pequeno valor, é inaplicável o valor fixado no art. 87, II, do ADCT, da CF/88, que vigia antes da referida redução. – Perde o caráter alimentar as verbas, mesmo que referentes à prestação de serviços, vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação. – Recurso a que se dá provimento.  (Processo nº 1.0017.04.012077-0/003, numeração única 0120770-95.2004.8.13.0017, Julgamento em 13/01/2009.)

A seguir, excertos do voto do Relator Des. Ernane Fidélis:

“No meu modesto entendimento, “crédito de natureza alimentar “é aquele que se destina a satisfazer as necessidades básicas imediatas das pessoas, de modo que, se o crédito respectivo passar do exato momento do consumo, embora permaneça crédito, perde a natureza alimentar.
Assim, as verbas periódicas vincendas, referentes a, por exemplo, salário, benefícios previdenciários, pensões, etc. devem ser dispensadas do regime de pagamento pelo precatório, mas não as verbas atrasadas, vencidas, que, por terem perdido a imediata função alimentar, deverão ser pagas através do precatório.
No caso dos autos, as verbas cobradas através da ação monitória que originou o título executivo judicial são referentes à remuneração por prestação de serviços de dentista, vencidas e não pagas entre os meses julho e novembro de 2002, tendo perdido, portanto, o seu caráter alimentar.“

 A impontualidade não condiz com a urgência que a Constituição atribui aos créditos alimentares, retirando-lhes, portanto, a natureza alimentar, segundo a visão esposada no acórdão, o que não deixa de ser uma razão de decidir clara, conquanto alguns a considerem extravagante, por afastar-se da literalidade. Hoje, após a EC nº 62, tem-se texto expresso permitindo a cessão e consequentemente a compensação de créditos alimentares vencidos.

O redator da EC nº 62 foi explicito (por suposto “intérprete autêntico” da Constituição), ao estabelecer a melhor exegese do art. 78, caput do ADCT, na parte que tratava da cessão de precatórios vencidos. O STF bem pode – em nome da paz social e da segurança jurídica – dizer que era possível, sim, ceder e compensar precatórios alimentares não quitados (interpretação lógica, sistemática e teleológica). Antes ele se equilibrava mal numa reles interpretação literal, objeto de inúmeras críticas (Min. A. Aurélio, vg). Cabe fazer aqui um parêntesis para distinguir lei, inclusive constitucional (emenda) e norma jurídica. No CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO (Forense, 11ª ed., p. 24), escrevi sobre o tema das distinção entre lei (veículo legal) e norma (ente jurídico prescritivo). Confira-se:

“É possível distinguir a norma das leis ou dos costumes. O Direito Positivo é posto e vige a partir de fórmulas lingüísticas escritas e orais. O objetivo dos “ordenamentos jurídicos” é, sempre foi, o de controlar o meio social. Enquanto tal, possui uma linguagem especial, encontradiça ao nível dos seus entes normativos: leis, costumes, sentenças, contratos etc. Esta linguagem, quando é posta sob análise pelo cientista do Direito, recebe a denominação de “linguagem-do-objeto”, porque o objeto da Ciência do Direito é o Direito Positivo, com sua expressiva linguagem. Pois bem, ao estudar o Direito Positivo, é possível ao cientista concluir que, surgindo das inúmeras formulações verbais que expressam o Direito, projetam-se normas, facultando, obrigando e proibindo ações e omissões, assim como prescrições prevendo sanções para o não cumprimento de seus preceitos. Verificará, ainda, que há preceituações instituindo poderes, competências, processos e procedimentos, além de definições e conceitos legais. Ademais, perceberá que tudo isto forma uma ordem jurídica, garantida pelo Estado.
Perante o cientista do Direito, a normatividade (dever-ser) contida nos sistemas positivos se colocará numa relação de objeto-sujeito, sendo por este último descrita através de “proposições jurídicas”, que são justamente os instrumentos reveladores das normas. Marco Aurélio Greco,[1] em página de grande acuidade, teve a percepção exata da questão:
‘Para a descrição de uma norma jurídica (que em si é um comando, uma permissão ou atribuição de poder) socorre-se o cientista de uma formulação a que se denomina “proposição jurídica”. Esta, pois, situa-se no plano da Ciência do Direito, sendo uma categoria da razão (e não da vontade, como é a norma) estruturando-se na forma de um juízo hipotético condicional. Observe-se, inicialmente, que a proposição jurídica não prescreve nenhuma conduta, mas descreve uma determinada norma jurídica que prevê essa conduta. Ela serve, assim, para proceder ao conhecimento do objeto da ciência jurídica mas não possui força imperativa. Quer dizer, a proposição não é um comando mas descreve um comando.’
(…)
Outra observação que cumpre fazer é que importa distinguir três qualidades:
A) a norma jurídica em si que consiste num comando, ou imperativo, ou autorização;
B) a formulação que à norma é dada pelo cientista que é proposição jurídica; e,
C)  a expressão lingüística utilizada pelo legislador.
As letras “b” e “c” são ambas formulações lingüísticas, esta proveniente dos órgãos legislativos e aquela, do cientista, porém somente a do cientista expressa integralmente a norma, uma vez que muitos comandos só podem ser identificados e expressos numa proposição jurídica, mediante a congregação de vários dispositivos contidos em múltiplos textos legais” (grifos nossos).

Frise-se o seguinte: a distinção entre norma e lei ou costume é importante para a análise jurídica. Carlos Santiago Nino,[2] com sua autoridade de lente graduado da Universidade de Buenos Aires, diz que a norma é diversa da formulação legislativa, escrita ou oral.

Es muy posible que la expresión “norma jurídica” sea un término teórico. Obviamente ella no denota un conjunto de oraciones escritas en un papel, puesto que una misma norma jurídica puede estar formulada por oraciones diferentes, ni tampoco denota un conjunto de conductas humanas, puesto que las normas jurídicas son usadas para evaluar conductas’ (grifos nossos).
Preferimos ficar com a tese da eficácia como qualidade da norma (da norma, nunca da lei), em companhia de Geraldo Ataliba, verbis:
‘Tem sido conceituada a eficácia dos atos jurídicos como a força ou poder que têm – e que lhes é atribuída pela ordem jurídica – para produzir os efeitos desejados pela própria ordem jurídica e que lhe são próprios; ou como aptidão para produzirem efeitos jurídicos.’[3]
Tanto é a eficácia um atributo da norma, que existem leis insuficientes para gerar uma norma. Precisam de outras leis ou de outros artigos de lei que lhes complementem a normatividade. Somente então se terá uma norma com eficácia cheia, isto é, apta a produzir todos os efeitos que lhe são próprios (a norma de imunidade das Instituições de Educação e Assistência Social, v.g.). Se a sociedade não respeita uma norma, ela cai em desuso. A norma em si é sempre eficaz. Existe para ser observada necessariamente, provindo daí a sua eficácia. O desuso é tema da Sociologia Jurídica, não cabe na Ciência do Direito.”

É evidente que a frustração dos precatórios alimentares não poderia gerar uma situação jurídica mais deletéria para o seu titular do que para o credor de precatório não alimentar vencido, motivo pelo qual os benefícios conferidos aos não alimentares vencidos devem ser estendidos aos precatórios alimentares vencidos.

De resto, a possibilidade de pagamento de tributos com precatórios alimentares (a chamada compensação de tributos com precatórios) e, por suposto, a sua prévia cessão, no caso de compensação com crédito adquirido de terceiro, se sustentam em uma interpretação finalística da Constituição.

Ora, se os precatórios alimentares são objeto de privilégios não dispensados aos precatórios não alimentares, é porque a Constituição lhes confere maior dignidade jurídica, já que essenciais à subsistência de seu credor e, por isso, dignos de uma tutela constitucional preferencial. Impor meio mais oneroso para satisfazer os precatórios alimentares vencidos relativamente aos não alimentares na mesma condição ofende o princípio da proporcionalidade e o da tutela constitucional preferencial dos créditos de natureza alimentar.

As compensações dos créditos oriundos das cessões de precatórios alimentares com débitos de ICMS, restaram convalidadas pela Emenda Constitucional nº. 62 de 09/12/2009.

 O art. 6º da EC nº 62/2009 expressamente convalida todas as compensações de precatórios, independentemente de lei do ente da federação, efetuadas com tributos vencidos até 31.10.2009, realizadas na forma o§2º, do art. 78 do ADCT (inserido pela EC nº 30/2000). É ver:

 “Art. 6º Ficam também convalidadas todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009 da entidade devedora, efetuadas na forma do disposto no § 2º do art. 78 do ADCT, realizadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.”

 A dicção do dispositivo é abrangente, reportando-se a TODAS as compensações indistintamente, pelo que entendemos referir-se ao poder liberatório de todo e qualquer precatório vencido.

 A EC nº 30 não quisera parcelar os precatórios alimentares, os quais, supostamente, deveriam se sujeitar ao pagamento à vista. Assim, o art. 78, § 2º do ADCT não fizera menção expressa ao poder liberatório dos alimentares, na suposição de que a satisfação desses precatórios prescindiria da atribuição de tais efeitos, já que seriam satisfeitos pelo pagamento à vista e integral.

Como ele iria dizer que as parcelas não pagas teriam poder liberatório, se os alimentares não eram fatiados? A emenda 62 não fez lei nova, vindo confirmar que o poder liberatório para o pagamento de tributos, conferido pelo art. 78 do ADCT, aplica-se a todas as compensações indistintamente. É uma estrutura da mesma Constituição, a ÚNICA APLICÁVEL, porque vigente. Entendemos, assim, que a previsão de poder liberatório alcança tanto os alimentares quanto os não alimentares.

Cumpre asseverar, todavia, que o §2º do art. 78 do ADCT será apreciado pelo STF, quando julgar o RE 566.349-3, no qual se reconheceu a repercussão geral sobre “a possibilidade de se compensar precatórios de natureza alimentar com débitos tributários”. O referido dispositivo é ainda objeto das ADI  2356-0 e  2362-4.

Assim, a convalidação dos precatórios, prevista no art. 6º da EC nº 62/2009, alcançará os precatórios alimentares se o STF assim o quiser. “Roma locuta causa finita.”

Todavia, a melhor exegese do dispositivo é a que postula a possibilidade de compensação dos precatórios alimentares, pois, como dito, é a que melhor se amolda à finalidade almejada pela Constituição de privilegiar os precatórios alimentares. Pensar de modo diverso seria privilegiar os precatórios não alimentares em detrimento dos alimentares. Com efeito, s.m.j., foram convalidadas pela EC 62 as compensações de tributos com precatórios alimentares efetuadas na forma do art. 78, § 2º do ADCT, dado que ela admite claramente a cessão de créditos alimentares, e que deixam de sê-lo, para o cessionário.

A Emenda Constitucional n.° 62 de 09/12/2009 autorizou a compensação de precatórios de natureza alimentar vencidos com tributos independentemente da existência de lei específica do ente federativo regulando a matéria.

A resposta é afirmativa, segundo se deduz da análise estrutral da Emenda nº 62/2009. Mas também sob o regime constitucional de pagamento de precatórios anterior à referida emenda, já se podia inferir a auto aplicabilidade da chamada “compensação” de precatórios com débitos tributários do seu titular.

A CR/88, em nenhum momento, remete à lei a competência para disciplinar ou delimitar o direito à compensação de precatório segundo a conveniência dos entes estatais tributantes, devendo a matéria estar estritamente adstrita ao comando constitucional.

A dita “compensação” de precatórios vencidos com tributos tem o seu conteúdo bem delimitado pela norma constitucional e contem todos os elementos e prescrições necessários ao seu exercício, sendo despicienda a edição de lei para cumprir tal função. Ou seja, não há previsão, nem necessidade de lei, para regular, complementar ou viabilizar a aplicação do comando constitucional.

A compensação em apreço, em verdade, é um instituto distinto da compensação tributária prevista no CTN, tanto formalmente, já que tem sede constitucional, quanto materialmente, pois a previsão constitucional confere aos precatórios poder liberatório, ou seja, atribui a eficácia de pagamento, como se moeda fossem, de curso forçado e oponível às Fazendas, com o fim específico de extinguir obrigações tributárias.

Não encontra, portanto, o seu alcance limitado pelas diversas leis ordinárias exaradas por força do disposto no art. 170  do CTN – que trata da compensação tributária – , as quais, em geral, não admitem a compensação de tributos com créditos não tributários, ao contrário da “compensação” prevista no art. 78, § 2º do ADCT, que não traz esta restrição.

Ademais, a finalidade da compensação em apreço não tem qualquer relação com a compensação prevista no CTN. Dirige-se precipuamente ao controle dos entes estatais, em benefício dos credores dos precatórios, como meio de conter as reiteradas práticas estatais de postergar o exercício do direito consubstanciado em tais precatórios, ao passo que na compensação tributária, a preocupação do legislador foi proteger a esfera jurídica dos entes estatais, conferindo a eles, segundo sua própria conveniência, autorizar ou não, nos termos das leis por eles editadas e nos limites ai previstos, a compensação dos tributos sob sua competência. Tal grau de liberdade no trato da matéria não foi conferido às ordens jurídicas parciais no caso da compensação de tributos com precatórios, motivada por razões que não guardam qualquer relação com a compensação prevista no CTN, não reclamando, portanto, a edição de lei ordinária aludida no CTN como fundamento à sua aplicabilidade.

Com a edição da EC nº 62, veio a lume previsão autorizando expressamente a compensação dos precatórios alimentares, consoante dispõe o art. 97, § 10, II, do ACT, c/c seu § 6º, segundo a redação dada pelo art. 2º EC 62/2009. A possibilidade de compensação automática de precatórios alimentares com tributos passa pelo exame do referido dispositivo. O art. 1º, § 13, do art. 100 da CR/88, na redação da EC nº 62,  permite a cessão do precatório alimentar – assunto já tratado – para, em ato contínuo, ser compensado pelo cessionário. Já o art. 97, § 10, do ACT, estabelece que, no caso de atraso do pagamento previsto no § 6º do mesmo artigo, que inclui os precatórios alimentícios gerais e os especiais (§§ 1º e 2º do art. 10 da CR/88), incidirá o inciso II do mesmo art. 97, o qual estabelece a compensação de ofício pela Fazenda de seus créditos tributários com os precatórios dos quais é devedor e, havendo saldo residual do precatório a favor do seu titular, esse valor terá efeito liberatório para o pagamento de tributos, conforme determinação do dispositivo citado.

Se a compensação dos precatórios alimentares pela Fazenda é autoaplicável,  independendo de lei a regulamentá-la, de igual modo a compensação a ser efetuada pelo credor do precatório, uma vez que ambas as compensações integram um mesmo comando constitucional como vimos no parágrafo precedente (art. 97, § 10, II do ADCT segundo redação da EC 62). Pensar de modo diverso seria aceitar uma situação jurídica de intolerável assimetria entre os direitos do Estado e o dos contribuintes, ofensiva à proporcionalidade e à igualdade, além de ir contra a finalidade da própria compensação facultada pela Constituição aos credores dos precatórios, que é permitir uma forma alternativa de satisfação de seus direitos líquidos, certos e exigíveis.

Ressalvamos, tão somente, que a imputação, pela Fazenda, de pagamentos, reduzindo o valor dos precatórios previamente à compensação a ser efetuada pelo contribuinte, deveria contar com a autorização do credor do precatório, pois tratá-la como obrigação, e não uma faculdade ao seu titular, constitui uma constrição oblíqua, ofensiva à autonomia da vontade e produtora de insegurança jurídica, contra o princípio do devido processo legal.



[1]           Greco, Marco Aurélio. Norma Jurídica Tributária, EDUC, Saraiva, 1974, pp. 20-21.

[2] Nino, Carlos Santiago. La Definición de Derecho y de Norma Jurídica, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires, Astrea de Rodolfo Depalma y Hnos., 1973, p. 85.

[3] Ataliba, Geraldo. O Decreto-Lei na Constituição de 1967, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 21.

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