Parecer PGFN Nº. 396/2013 – Os Efeitos da Sistemática dos Artigos 543-B e 543-C do CPC na Atuação da RFB

 por Andrey Biagini Brazão Bartkevicius
Associado da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo
 por Pedro Afonso Fabri Demartini
Associado da Área Tributária do Escritório Pinheiro Neto Advogados
Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo

INTRODUÇÃO 

No dia 5 de julho de 2013, foi publicado o Parecer PGFN/CDA/CRJ nº 396/2013 (“Parecer PGFN nº. 396/13”) da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”), que esclareceu a repercussão dos julgamentos decididos pelos Tribunais Superiores nas sistemáticas previstas nos artigos 543-B e 543-C, do Código de Processo Civil (“CPC”), especificamente no campo de atividade da Receita Federal do Brasil (“RFB”).

 O instituto da repercussão geral, no âmbito do STF, e dos recursos repetitivos, no âmbito do STJ, surgiram da necessidade de se evitar o aumento do número de processos em ambas as Cortes e, consequentemente, reduzir a morosidade do Poder Judiciário.

 Esses institutos visam garantir a uniformidade e o prestígio dos precedentes judiciais. De fato, o sobrestamento de recursos pelos Tribunais de segunda instância judicial – até que ocorra o julgamento do leading case da matéria em discussão – representa um verdadeiro “filtro” de casos submetidos ao STF e STJ, evitando o julgamento de causas já debatidas e pacificadas.

 Nesse contexto, a finalidade da PGFN com a edição do Parecer PGFN nº. 396/2013 é claramente adequar a atuação administrativa dos agentes da RFB a essa nova realidade, evitando o início de fiscalizações e a lavratura de novos autos de infração para exigência de tributos declarados ilegais e/ou inconstitucionais na sistemática de repercussão geral/recursos repetitivos.

 O presente artigo tem por escopo examinar, de modo sucinto, os termos desse Parecer e delinear os desdobramentos em relação ao campo de atuação do Fisco Federal.

OS MOTIVOS DA EDIÇÃO DO PARECER PGFN Nº. 396/13

 O Parecer PGFN nº. 396/13 complementou um posicionamento da PGFN manifestado em 2011 por meio do Parecer PGFN/CDA nº. 2025/2011 (“Parecer PGFN nº. 2025/11”), que orientou as unidades da PFN a não mais insistirem na defesa judicial de teses já julgadas pela sistemática dos artigos 543-B e 543-C do CPC.

 No Parecer PGFN nº. 2025/11 houve um consenso no sentido de que haveria um impedimento jurídico à realização de atos de inscrição em Dívida Ativa e cobrança de créditos tributários por meio de Execuções Fiscais, tendo sido discriminados uma série de procedimentos para implementar essa nova filosofia de atuação por parte dos Procuradores da Fazenda Nacional.

 Vale ainda ressaltar que esse parecer de 2011 foi aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda em 24 de janeiro de 2012 e, considerando o artigo 42 da Lei Complementar nº. 73, de 10 de fevereiro de 2012 (“LC nº. 73/12”), passou a ser de observância obrigatória por parte da RFB.

 No entanto, diante das especificidades que envolvem as atividades praticadas pelo Fisco Federal, cujas atribuições diferem das atividades desenvolvidas pelos Procuradores da Fazenda Nacional, surgiram diversas dúvidas relacionadas à extensão dos parâmetros estabelecidos pelo Parecer PGFN nº. 2025/2011.

 É justamente esse o escopo do Parecer PGFN nº. 396/13: estabelecer as formas pelas quais a RFB deverá promover a adequação prática (procedimental) de suas atividades à sistemática de julgamentos segundo os artigos 543-B e 543-C do CPC.

 CONSEQUÊNCIAS DO PARECER NO CAMPO DE ATUAÇÃO dA RFB

 Em síntese, o Parecer estabeleceu algumas premissas a serem adotadas pela RFB no exercício das suas atividades, quais sejam:

 (i)  abster-se de dirigir a ação fiscal para os sujeitos passivos com indícios de ilícitos tributários que se enquadrem exclusivamente em matéria julgada na forma dos artigos 543-B e 543-C, do CPC, quando insuscetíveis de defesa judicial pela PGFN. Idêntico procedimento deve ser adotado com relação à fiscalização de declarações do sujeito passivo (malha);

 (ii)  abster-se de realizar novos lançamentos de ofício em relação às obrigações tributárias cujo fundamento seja contrário à tese julgada na forma dos artigos 543-B e 543-C, do CPC, e não mais passível de impugnação judicial pela PGFN;

 (iii)  deixar de proceder à cobrança dos créditos já constituídos por meio de lançamento de ofício ou por declaração do sujeito passivo, inclusive quando submetidos a parcelamento;

 (iv)  não proceder à inclusão do nome do devedor no CADIN e nem restringir-lhe a concessão de certidão de regularidade fiscal, em razão da existência de débito enquadrado nas referidas hipóteses de dispensa de impugnação judicial; e

 (v)  não proceder ao envio dos créditos tributários, já constituídos quando do advento da dispensa de impugnação judicial, para fins de inscrição em dívida ativa da União pela PGFN.

 O Parecer, portanto, é expresso no sentido de que a inclusão de determinado tema, julgado sob as sistemáticas dos artigos 543-B e 543-C do CPC, na lista de dispensa de contestação e recursos, impede a realização de atos de lançamento e de cobrança por parte da Administração Tributária (PGFN e RFB), sejam eles relativos a fatos geradores anteriores ou posteriores ao julgamento do leading case pelos Tribunais Superiores[1].

 Vale também chamar a atenção para alguns pontos relevantes compreendidos pelo parecer, especialmente no que diz respeito (i) à possibilidade ou não de revisão de ofício dos lançamentos já efetuados; e (ii) ao reconhecimento ou não do direito à restituição e compensação de valores recolhidos pelos contribuintes.

 Nesses pontos, o Parecer é claro no sentido de que a simples existência de dispensa de contestar e recorrer em virtude de tese firmada nos moldes dos artigos 543-B e 543-C, do CPC, bem como a subsequente dispensa quanto à adoção dos procedimentos relacionados à constituição e cobrança dos créditos tributários, não revelam, por si só, a concordância da Fazenda Nacional com o mérito desses julgados a ensejar, por exemplo, a imediata revisão de lançamentos e/ou a restituição de tributos de forma independente por cada órgão responsável pela condução dos processos administrativos fiscais.

 Segundo o Parecer, esses atos a serem praticados pela RFB, por envolverem modificações dos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa, deverão ser formalmente introduzidos na ordem jurídica por meio da expedição de atos e decisões normativas que expressamente declarem o novo entendimento da Fazenda Nacional, bem como todas as circunstâncias que envolveram a sua aplicação.

 O que está claro, portanto, é a importância da publicidade dessa nova diretriz, possibilitando, assim, que as autoridades administrativas apliquem uniformemente o novo entendimento da Fazenda de acordo com o posicionamento pacificado pelos Tribunais Superiores.

 Em síntese, caso esses aspectos formais sejam implementados e publicados pelas Autoridades Administrativas, será plenamente viável a revisão de lançamentos realizados com base em um entendimento mais gravoso ao contribuinte, a retificação de ofício das declarações apresentadas pelo sujeito passivo (com base em uma nova interpretação jurídica mais benéfica) e a procedência de eventuais requerimentos apresentados pelos contribuintes para obter o direito à restituição e/ou compensação de indébitos tributários (desde que dentro dos prazos previstos na legislação tributária).

 O Parecer também abordou os procedimentos da RFB em relação à prestação de informações em mandados de segurança. Nesse caso, a orientação é no sentido de que, caso se constate que o ato apontado como coator não pode, de fato, ser mantido, deverá a autoridade coatora (vinculada à RFB) providenciar a sua correção administrativa, o que ocasionará a perda de objeto da ação judicial.

 Por fim, a Procuradoria expressamente reconhece, ao final do Parecer PGFN nº. 396/13, a dificuldade de implementação de todas as diretrizes por ela estabelecidas e a necessidade de contínuo aperfeiçoamento conjunto (RFB e PGFN) para tornar a atividade desses órgãos coerentes com a sistemática dos artigos 543-B e 543-C, do CPC.



[1]   Vale destacar, no entanto, que há situações em que, segundo o Parecer, prevalecerá a coisa julgada material favorável à União, consoante assentado no Parecer PGFN/CRJ nº 958, de 2012.

 

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