Os Créditos Presumidos de ICMS na Base de Cálculo do PIS e da COFINS
por Marcelo Carlos Zampieri
Professor de Direito Empresarial de Tributário da Universidade Federal de Santa Maria Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA
Advogado
Samuel Ray Becker Foltz
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Introdução
O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário de nº 385.818, cujo relator é o Ministro Marco Aurélio, reconheceu repercussão geral na matéria relativa à incidência dos créditos fiscais presumidos de ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
De outra objeção, o Supremo Tribunal Federal julgará se é ou não possível excluir da base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) os valores concernentes aos créditos presumidos de Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal aos contribuintes.
Os créditos presumidos de ICMS, se diferem dos demais créditos de ICMS, pois são um benefício concedido pelos Estados e pelo Distrito Federal, que disponibilizam valores a título de ICMS a serem debitados pelas empresas ao apurarem o quantum de ICMS deverão recolher.
No Recurso Extraordinário de nº 385.818, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a União, por meio da Procuradoria da Fazenda Nacional, questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendeu que os créditos presumidos de ICMS não constituem receita ou faturamento das empresas, não podendo assim ser alvo da tributação das contribuições para o PIS e para a COFINS.
Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados constituem renúncia fiscal, concedidos com o fim de incentivar determinada atividade econômica de interesse da sociedade. Não podendo assim, serem considerados receita, tão pouco faturamento pelas empresas. Portanto, passível de exclusão das contribuições para o PIS e para a COFINS.
Outrora, a Procuradoria da Fazenda Nacional alega que a base de cálculo do PIS e da COFINS, é constituída pela totalidade das receitas auferidas pelos contribuintes. Assim, devendo se incluir os valores concernentes aos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.
Depois dessas preliminares que envolvem a questão dos créditos presumidos de ICMS, propomos uma análise constitucional e infraconstitucional sobre a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Programa de Integração Social (PIS), e do Recurso Extraordinário de nº 240.785/MG, tratando da sua aplicabilidade em torno do tema.
A COFINS na rege da Constituição de 1988
O constituinte instituiu, com suporte no art. 195, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), através da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991. Todavia, a Constituição Federal de 1988, vem sofrendo constantemente alterações no seu texto legal, através das emendas constitucionais.
A base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), na rege da redação original da Constituição Federal de 1988, é o faturamento das empresas, assim entendido a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Contudo, a Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, veio a ampliar a base de cálculo da contribuição para o PIS e para a COFINS, para sua incidência sobre a receita bruta como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Mas, devido a inexistência de expressa disposição constitucional para a referida ampliação da base de cálculo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 3º, da Lei nº 9.718 de 1998, no que excedeu o conceito legal de “faturamento” expresso na redação original dada ao art. 195, inciso I, da Constituição Federal de 1988.
No entanto, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, alterou-se a redação do art. 195, inciso I, da Carta Magna. Passando a contribuição para a seguridade social, que antes incidia apenas sobre o faturamento, a incidir sobre a “receita” do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei. Alteração essa que possui sentido mais abrangente que faturamento, para fins da base de cálculo da mencionada contribuição.
Através da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, se instituiu, respectivamente, a modalidade de incidência tributária não cumulativa para as contribuições para o PIS e para a COFINS. Sendo relevante destacar que conforme o art. 1º de ambas as leis, o PIS e a COFINS no regime não cumulativo, deverão incidir sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Por sua vez, tanto no regime cumulativo, como no regime não cumulativo, nem tudo o que se considera “faturamento” ou “receita”, advinda das operações realizadas pelos contribuintes denominadas ou classificadas como contábil faz jus a incidência do PIS e da COFINS. O que apenas transita nas demonstrações contábeis dos contribuintes, não devem fazer parte de seu patrimônio, visto que fazem parte da receita de terceiros, logo não devem ser tributas pelas contribuições para o PIS e a COFINS.
A análise do Recurso Extraordinário de nº 240.785/MG, julgado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal em outubro do ano passado, permite reforçar o exposto acima. Nos termos do voto do Relator do recurso o Ministro Marco Aurélio, que também é Relator desse recurso, e por maioria do Ministros, a Suprema Corte Brasileira na oportunidade acordou pela exclusão do que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços (ICMS) da base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Diante disso, através do julgamento pelos Ministros do RE nº 240.785/MG, se faz possível uma analogia com certos pontos abordados nos votos dos Ministros, sobretudo no teor do voto do Relator Ministro Marco Aurélio.[1]
O Relator Ministro Marco Aurélio afirma que o faturamento, decorre “de um negócio jurídico, de uma operação, importando, por tal motivo, o que percebido por aquele que a realiza, considerada a venda de mercadoria ou mesmo a prestação de serviços.” Segue ainda, “A base de cálculo da Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação mercantil ou similar.”
Desse modo, se percebe que o crédito presumido de ICMS não ganha contornos no conceito constitucional de faturamento de que trata o art. 195, inciso I, da Constituição Federal de 1988, pois os valores advindos desse benefício, não incorpora o patrimônio do contribuinte, mas é entrada de receita que pertence a terceiros, que apenas transita nas demonstrações contábeis do contribuinte, não podendo dessa forma integrar a base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS.
Em outro trecho, o Ministro Marco Aurélio reforça que o conceito constitucional de faturamento envolve “noções próprias ao que se entende como receita bruta”. Reforçando que à receita que pertence a terceiros, à receita alheia decorrente da venda de mercadorias ou à prestação de serviços não deve fazer parte da base de cálculo dessas contribuições. Apenas como menciona o próprio Ministro, o que se entende como “riqueza própria” do contribuinte, o que não é o caso dos créditos presumidos de ICMS.
Dessa maneira, apenas as receitas próprias dos contribuintes podem ser tributadas, qualquer valor que extrapola o real ganho com à venda da mercadoria ou à prestação de serviços pelo contribuinte não faz óbice as receitas tidas como tributáveis, logo não podem ser tributadas pelas contribuições para o PIS e para a COFINS.
Para o Ministro Marco Aurélio então, só é passível a tributação por essas contribuições a receita bruta que ganha contorno de receita própria. Qualquer valor diverso, qualquer receita alheia advinda da operação realizada pelo contribuinte não deve ser incluída na base de cálculo das contribuições, pois não representa ganho ao patrimônio do contribuinte.
Desse modo, percebe-se que tanto o faturamento elencado na redação original da Constituição Federal de 1988, como a receita, inovação dada pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998, para se dar ensejo a incidência do PIS e da COFINS, deve-se versar de receita própria, receita que deve integrar o patrimônio do contribuinte, sendo que qualquer outro valor que não denota riqueza própria deve ser excluído de sua base de cálculo.
Logo, se o credito presumido de ICMS é receita de alguém, esse alguém é uma das unidades da federação e não o contribuinte. Em outras palavras, a receita decorrente dos créditos presumidos de ICMS oferecidos pelos Estados, concedidos com o fim de incentivar determinada atividade econômica de seu interesse, apenas transita pelos registros contábeis dos contribuintes, não sendo receita dos mesmos, mas receita dos próprios Estados que disponibilizaram os créditos.
A Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, instituíram, respectivamente, como já mencionado, a modalidade de incidência tributária não cumulativa para as contribuições para o PIS e para a COFINS. Prevendo, a base de cálculo como a totalidade das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Essa previsão legal trazida pelo legislador, de fato é mais ampla que à base de cálculo do faturamento que incide somente sobre a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza, contudo não afasta o entendimento revelado pelo Supremo Tribunal Federal, na linha do Recurso Extraordinário de nº 240.785/MG.
A receita bruta deve pressupor receita própria do contribuinte, ao contrário, qualquer valor diverso a isso não faz parte da base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS.
O crédito presumido de ICMS não é faturamento do contribuinte, como elencado na redação original da Constituição Federal de 1988, nem receita, ao independer de sua denominação ou classificação contábil. Pois constitui receita alheia ao contribuinte, receita que não integra o seu patrimônio, o patrimônio da empresa.
Assim, tanto o faturamento ou a receita entendido como a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza, como a totalidade das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, precisam demonstrar a figura da receita própria, pois qualquer receita alheia, receita que pertence a terceiros, não chega a compor a receita bruta na linha do decidido pelo Recurso Extraordinário de nº 240.785/MG. Não podendo assim servir de base de cálculo para as contribuições para o PIS e para a COFINS. Consequentemente passível a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo dessas contribuições.
Conclusão
Portanto, nem tudo o que se considera “faturamento” ou “receita”, advinda das operações realizadas pelos contribuintes com à venda de mercadorias e à prestação de serviços denominadas ou classificadas como contábil faz jus a incidência do PIS e da COFINS. A perspectiva discutida exige na receita bruta das contribuições para o PIS e para a COFINS, a figura da receita própria.
O que apenas transita nas demonstrações contábeis dos contribuintes, não é receita própria, pois não faz parte do patrimônio do contribuinte, visto que se considera receita de terceiros, logo não deve ser tributada pelas contribuições para o PIS e para a COFINS.
Assim, os créditos presumidos de ICMS não devem compor a base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS, pois constitui meramente receita dos Estados e do Distrito Federal que disponibiliza créditos com o intuito de desenvolver seus próprios interesses.
Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão de decisão em que se deu provimento ao recurso no sentido do que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento. Recurso Extraordinário nº 240.785/MG. Auto Americano S/A Distribuidor de Peças e União. Relator: Ministro Marco Aurélio. 08 out. 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630123 Acesso em: 11 out. 2015.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão de decisão em que se deu provimento ao recurso no sentido do que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento. Recurso Extraordinário nº 240.785/MG. Auto Americano S/A Distribuidor de Peças e União. Relator: Ministro Marco Aurélio. 08 out. 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630123>. Acesso em: 11 out. 2015.