O regime não cumulativo do PIS e da COFINS e o conceito de insumo

Rafael Marchetti Marcondes
Bacharel em Direito pela PUC/SP
Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP
Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP
Advogado

1. Introdução

Inicialmente, a cobrança do PIS e da COFINS era feita de forma cumulativa às alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente. A fim de minimizar os efeitos negativos dessa cobrança, foram editadas as Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003, que criaram a técnica não cumulativa dessas contribuições.

Posteriormente, em 19.12.2003, foi publicada a Emenda Constitucional nº. 42 (“EC nº. 42/03”), que promoveu a não cumulatividade do PIS e da COFINS ao patamar constitucional. A Constituição Federal deixou a critério do legislador ordinário definir os setores da atividade econômica que se sujeitariam à tal sistemática.

De acordo com os artigos 3º das Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003, a pessoa jurídica pode descontar, do valor devido no período, créditos computados em relação a determinados custos e despesas com a aquisição de bens e serviços utilizados em sua atividade empresarial.

Dentre os custos e despesas que dão direito ao crédito, têm relevância os insumos relacionados aos bens e serviços utilizados na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda. Como as Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003 não definem de forma expressa o conceito de “insumo”, é preciso buscar o seu correto significado.

2. A posição da Receita Federal

Diante do silêncio do legislador com relação ao que deveria ser entendido como insumo, a Receita Federal se pronunciou sobre o que considerava abrangido nesse conceito. Por meio de atos normativos[1] e soluções de consulta[2], ao longo do tempo foi emitindo uma série de pronunciamentos nos quais sempre deixou claro que insumos seriam apenas as matérias-primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações no processo de fabricação ou durante a prestação do serviço.

A partir das manifestações da Receita Federal o que se nota é que o seu entendimento utiliza como fundamento o conceito de insumo aplicável nas técnicas não cumulativas do ICMS e, principalmente, do IPI.

A interpretação apresentada pela Receita Federal é restritiva e afasta o creditamento em relação a despesas que não sejam aplicadas e consumidas na atividade produtiva da pessoa jurídica. Em que pese o posicionamento firmado pela Receita Federal, a nosso ver, ele não se adéqua à técnica não cumulativa do PIS e da COFINS.

3. O conceito de insumo

As Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003, como colocado, não apresentam quaisquer ressalvas quanto ao conceito de insumo, seja em relação à natureza dos bens e serviços adquiridos, seja no que se refere à sua aplicação, direta ou indiretamente, no processo produtivo ou na prestação de serviços.

Se a Constituição Federal e as leis ordinárias que a regulamentam não sinalizam para uma interpretação restritiva do termo insumo, de imediato, nos parece inadequada a posição firmada pela Receita Federal, pois ela não encontra qualquer amparo legal, especialmente em um Estado Democrático de Direito regido pelo princípio da legalidade, previsto nos artigos 150, inciso I, do texto constitucional e 97 do CTN.

A nosso ver, o desconto de créditos na técnica não cumulativa do PIS e da COFINS não se confunde aquele encontrado no âmbito do ICMS e do IPI. No ICMS e no IPI o princípio da não cumulatividade contém um claro “direito de abatimento”, assegurando à pessoa jurídica o direito de deduzir, do tributo a ser recolhido ao erário, o montante pago a título desse mesmo tributo na aquisição de bens, produtos e/ou serviços. Ao passo que no âmbito do PIS e da COFINS, os critérios para definir a dedutibilidade de valores devem ser construídos em função da receita e do faturamento da pessoa jurídica, base de cálculo das contribuições, que se encontra atrelada subjetivamente ao contribuinte, isoladamente considerado.

No inciso II do artigo 3º das Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003, o legislador incluiu no conceito de insumos não apenas os serviços contratados pela pessoa jurídica, mas também combustíveis e lubrificantes. Nos incisos seguintes, também foi permitido o creditamento de aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos adquiridos para utilização na fabricação de produtos destinados à venda, bem como a outros bens incorporados ao ativo imobilizado, dentre outros.

A inclusão dos mencionados gastos para fins de creditamento no âmbito do IPI e do ICMS é inviável, o que denota a diferença das sistemáticas não cumulativas desses impostos, com aquela adotada para o PIS e a COFINS. Cumpre notar quanto ao IPI, que a redução dos créditos a apenas matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagens, deriva de expressão disposição da respectiva legislação, enquanto que no ICMS as leis que o regem têm disposições totalmente diversas das contidas nas Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003.

Portanto, a nosso sentir, o creditamento para o PIS e a COFINS deve considerar como sendo “insumos” os custos e as despesas incorridos pela pessoa jurídica com a aquisição de bens e a prestação de serviços, desde que sejam essenciais para a sua obtenção e contribuam efetivamente para a geração da receita e do faturamento.

Devido à base econômica do PIS e da COFINS, cujo ciclo de formação não se limita à fabricação de um produto ou à execução de um serviço, compreendendo outros elementos necessários à obtenção da receita, o conceito de “insumo” para fins de PIS e COFINS, ainda que não se equipare, se aproxima aos conceitos de “custo de produção” e “despesas necessárias” previstos nos artigos 290, inciso I, e 299 do RIR/99.

O RIR/99 define como “custo de produção” todos os custos incorridos pela pessoa jurídica com a aquisição de bens e serviços necessários à sua atividade produtiva (além dos custos de locação, amortização, exaustão etc.). Por sua vez, o conceito de “despesas necessárias” engloba todas as despesas essenciais à manutenção da atividade. Estes conceitos, mais amplos e abrangentes do que o conceito de “insumo” apresentado pela Receita Federal, melhor se amoldam à técnica não cumulativa do PIS e da COFINS regulada pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.

4. A posição adotada pela jurisprudência

A interpretação ampla do termo insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS tem encontrado amparo na jurisprudência, que apesar de ainda não se encontrar consolidada, tem se mostrado favorável a essa posição.

Inicialmente, a jurisprudência, em especial a administrativa, equiparou o conceito de insumo ao conceito de custo, previsto no artigo 290 do RIR/99 e ao de despesa operacional, previsto no artigo 299 do RIR/99. Nos autos do Recurso Voluntário nº. 369.519, o CARF decidiu que “o conceito de insumo dentro da sistemática de apuração de créditos pela não cumulatividade de PIS e COFINS deve ser entendido como todo e qualquer custo ou despesa necessária à atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ”.

Em que pese o acerto desse entendimento ampliativo, que aproxima a definição de “insumos” ao que a legislação do IRPJ considera como sendo custo e despesa, não se pode fazer uma simples equiparação desses conceitos. Não são quaisquer despesas operacionais que devem ser reconhecidas como capazes de gerar créditos, mas tão somente aquelas intimamente vinculadas à atividade desenvolvida pela empresa. Afinal, se a intenção do legislador fosse autorizar o creditamento de forma ampla e irrestrita, ele não teria se utilizado do termo “insumos”.

E essa distinção não passou despercebida pela jurisprudência que, aos poucos, ajustou seu posicionamento, de modo refletir adequadamente o que deve e o que não deve ser abrangido pelo conceito de “insumos”. Como bem ponderou o Conselheiro do CARF, Emanuel Carlos Dantas de Assis, no Acórdão nº. 3401-001.577, “os créditos de PIS e Cofins não cumulativos, por um lado, não parecem tão abrangentes quanto as deduções do IRPJ, onde se admitem todas as despesas necessárias à atividade empresarial. Por outro, não se restringem aos insumos empregados em processo industrial, como se dá no âmbito do IPI”.

Ao examinar o tema, o referido Conselheiro ainda observou a partir das normas extraídas das Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003, do aspecto material do PIS e da COFINS, e da própria base de cálculo dessas contribuições (faturamento e/ou receita bruta) – que contempla muito mais do que as receitas provenientes da venda de mercadoria e da prestação de serviços – que na busca do conceito de “insumos” para o PIS e a COFINS, “se tem (…) um meio-termo entre a amplitude do IRPJ e a limitação do IPI”.

Com isso, a jurisprudência administrativa observou que embora seja mais razoável a adoção do critério da necessidade das despesas, proveniente da legislação do imposto sobre a renda, ele não se conforma plenamente com a sistemática não cumulativa do PIS e da COFINS. O direito ao crédito dessas contribuições surge, nos termos dos artigos 3º das Leis nºs. 10.637/2002 e 10.833/2003 dos gastos incorridos com “bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção e fabricação de bens ou produtos destinados à venda”.

Ou seja, os bens e serviços, para serem considerados “insumos” e, por consequência, autorizarem o creditamento, devem ser afetos, mais do que isso, essenciais à produção do bem ou à prestação do serviço, de modo que sem a sua existência não se teria o produto ou o serviço vinculado à atividade fim da empresa.

Essa noção foi bem captada pelo Superior Tribunal de Justiça que se pronunciou no sentido de que “a legislação deixa claro que o direito à utilização do crédito decorre da utilização de insumo que esteja vinculado ao próprio desempenho da atividade empresarial”[3]. Assim, para o referido Tribunal, “os insumos considerados são aqueles essenciais ao funcionamento e/ou manutenção do fator de produção, não sendo mera conveniência da pessoa jurídica”[4].

Logo, o traço distintivo para que uma despesa seja ou não considerada como “insumo”, para fins de creditamento do PIS e da COFINS, está na sua essencialidade em relação à produção do bem ou à prestação do serviço. E a essencialidade, diga-se de passagem, não pode ser confundida com a necessidade. Enquanto esta última se refere à atividade operacional da empresa, a primeira relaciona-se com algo cuja falta resultaria na produção ou prestação diversa da pretendida.

5. Conclusão

De todo o exposto, nos parece ser o mais adequado para se definir o que é e o que não é insumo, fazer uma análise individualizada de cada caso, levando-se em consideração a amplitude da atividade realizada pela pessoa jurídica, e o conjunto de bens e serviços que para ela tem relevância.

Receita e faturamento não são meros eventos que se esgotam em si, nem mesmo atos singelos de emitir uma fatura ou um recibo qualquer. Muito pelo contrário, são manifestações decorrentes de atividades econômicas. Dessa forma, deve-se afastar a concepção proveniente do ICMS e, principalmente, do IPI, de que só é insumo aquilo que é direta ou indiretamente utilizado na etapa final da obtenção do bem ou na prestação do serviço. A atividade econômica deve ser avaliada como um todo, considerando-se o negócio na sua integralidade.

Portanto, o correto enquadramento de algo como “insumo” nos remete à relevância de determinada despesa com a produção de bens ou a prestação de serviços no âmbito da atividade empresarial. Assim, para os casos em que não haja expressa vedação ao creditamento, ainda que as definições de custos e despesas contidas no RIR/99 sejam amplas, elas podem ser utilizadas como parâmetro para identificação dos “insumos” para fins de creditamento de PIS e COFINS, sendo necessário, entretanto, comprovar-se que os custos e as despesas com bens e serviços são imprescindíveis, ou melhor, essenciais à produção dos bens ou à prestação dos serviços vinculados à atividade fim da empresa.



[1] Instruções Normativas nºs. 247, de 21.11.2002, e 404, de 12.03.2004, e posteriores alterações.

[2]Soluções de Consulta nº. 11, SRRF da 5ª Região Fiscal, de 16.4.2013; nº 60, SRRF da 8ª Região Fiscal, de 13.3.2013; nº 14, da SRRF da 7ª Região Fiscal, de 31.1.2013; nº. 128, SRRF da 9ª Região Fiscal, de 3.7.2012; nº. 16, SRRF da 9ª Região Fiscal, de 27.1.2012; dentre outras.

[3] Recurso Especial nº 1.147.902/RS, 2ª Turma, Ministro Relator Herman Benjamin, DJe de 18.3.2010.

[4]Recurso Especial nº 1.215.773/RS, 1ª Seção, Ministro Relator Benedito Gonçalves, DJe de 18.9.2012.

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