O REFIS da Copa (Lei nº 12.996/2014) e a controvérsia a respeito da possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e base negativa de CSLL para pagamento de juros e multa de mora e de ofício em casos em que há depósito judicial vinculado aos débitos

por Mario Graziani Prada
Graduado na Faculdade de Direito da PUC-SP
Pós-graduado na Faculdade de Direito da PUC-SP (Especialista Lato Sensu em Direito Tributário)
Pós-graduado na Escola Paulista da Magistratura de São Paulo (Especialista Lato Sensu em Direito Processual Civil)
Sócio da área tributária do escritório Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados
Joana Gayoso Marcel Cordeiro Guerra
Graduada na Faculdade de Direito da PUC-RJ
LL.M em Direito Corporativo no IBMEC-RJ
Advogada da área tributária do escritório Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados
Carolina Stephanie Borges de Amorim
Graduada na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Advogada da área tributária do escritório Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados

 

Habitualmente, a legislação que institui programas especiais para parcelamento e pagamento de débitos federais no País é objeto de inúmeros questionamentos pelos contribuintes, seja quanto à própria legalidade/constitucionalidade das normas que regulamentam esses programas de parcelamento, seja a respeito de sua correta aplicação.

Nesse sentido, o presente artigo pretende (i) explorar um dos pontos controvertidos envolvendo o REFIS da Copa, instituído pela Lei nº 12.996/2014 e recentemente regulamentado pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 13/2014; e (ii) analisar a possibilidade, ainda que conceitualmente, de o contribuinte utilizar prejuízo fiscal e base negativa de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), para liquidação de juros e multa de débitos vinculados à depósito judicial do valor integral da dívida, incluídos no programa de parcelamento.

Inicialmente, é de se destacar que a Lei nº 11.941/2009, a qual instituiu o chamado REFIS da Crise, já determina em seu art. 10 que os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem pagos ou parcelados devem ser automaticamente convertidos em renda da União, após a aplicação das reduções para pagamento à vista ou parcelamento.

Não existe na referida Lei qualquer dispositivo que autorize ou vede a utilização de prejuízo fiscal ou base negativa de CSLL para liquidação dos valores relativos à multa e juros dos débitos vinculados a depósitos judiciais do valor integral da dívida em discussão.

Desse modo, em virtude da ausência de vedação na legislação, muitos contribuintes entenderam pela possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para pagamento de juros e multa de débitos objeto de depósito judicial integral, incluindo a dívida no programa de parcelamento, com o intuito de levantar uma parcela significante da importância depositada.

De outro lado, a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional se posicionaram em sentido desfavorável às pretensões dos contribuintes. Nessas situações os agentes do Fisco defenderam que o depósito judicial deveria ser convertido integralmente em renda, não sendo possível a utilização de prejuízo fiscal ou base negativa de CSLL para a quitação dos juros e multa nas hipóteses em que os depósitos vinculados aos débitos eram suficientes para quitação da dívida.

Ou seja, para as Autoridades Fazendárias, haveria a necessidade do esgotamento dos valores depositados em juízo para a quitação dos débitos, para somente após, em caso de saldo devedor, ser facultada a utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para quitação do montante devido a título de multa e juros.

Nesse contexto, identificamos alguns julgados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que são, em sua maioria, favoráveis aos contribuintes. Todavia, essas decisões se aplicam para a sistemática da Lei nº 11.941/2009, tendo em vista que as Portarias Conjuntas que a regulamentaram não traziam qualquer vedação a essa pretensão dos contribuintes. Confira-se, a título exemplificativo, a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DA LEI Nº 11.941/2009. UTILIZAÇÃO DE DEPÓSITOS JUDICIAIS EM OUTRAS DEMANDAS PARA LIQUIDAÇÃO DA DÍVIDA. IMPOSSIBILIDADE. LIQUIDAÇÃO DO PRINCIPAL COM DEPÓSITO JUDICIAL E JUROS E MULTA COM PREJUÍZO FISCAL. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL.
(…) 5. A lei não restringe a possibilidade de liquidação dos juros mediante compensação com prejuízos fiscais nos casos de depósitos judiciais. O § 7º do art. 1º da Lei nº. 11.941 /2009 apenas distingue o pagamento do principal dos demais encargos legais, permitindo que estes sejam compensados. Mas, não há vedação para a quitação do principal por conversão em renda dos depósitos judiciais vinculados.
6. O art. 27 da Portaria PGFN/RFB nº. 006/2009 praticamente repete os termos do dispositivo legal. Não é possível afirmar que o referido dispositivo normativo não se aplique aos casos em que não há depósito judicial, uma vez que não existe tal vedação expressa na portaria. Trata-se de mera interpretação restritiva da autoridade fiscal.
7. A ideia de que há necessidade de esgotamento dos valores depositados em juízo para quitação dos débitos somados dos encargos legais, para só após ser utilizada a compensação com prejuízos fiscais, também decorre de interpretação restritiva elaborada pela autoridade fiscal, eis que não há tal condição expressa, seja na lei, seja nas portarias.
8. Agravo retido não conhecido e apelações e remessa oficial a que se negam provimento”[1].

Apesar da inexistência de um entendimento consolidado sobre o tema, pensamos que, na sistemática da Lei nº 11.941/2009, havia um viés favorável aos contribuintes acerca da possibilidade de pagamento de juros e multa com prejuízo fiscal e base negativa, relativamente a débitos com depósito judicial.

Ocorre que, a partir das alterações promovidas no art. 17 da Lei nº 12.865/2013[2] (pela Lei nº 12.973/2014) e no art. 31 da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 7/2013 (que foi recentemente alterada pela Portaria PGFN/RFB nº 9/2014)[3], as normas passaram a prever que apenas nas situações de depósitos judiciais não integrais, dos quais resultem saldos remanescentes de juros e multa, é que seria possível, após a conversão total do depósito em renda da União, a utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para quitação de valores remanescentes.

Ou seja, com base nas alterações trazidas pela Lei nº 12.973/2014 e na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 7/2013, nas hipóteses em que o depósito judicial é suficiente para pagamento à vista do débito, verifica-se a impossibilidade de utilização de saldo de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa de CSLL para liquidação de juros e multa.

Essa restrição à utilização de prejuízos fiscais e base negativa de CSLL também foi mantida pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 13/2014[4], que regulamentou o REFIS da Copa, instituído pela Lei nº 12.996/2014.

A despeito do novo contexto normativo acima descrito, entendemos que tais normas criam uma situação anti-isonômica, pois prejudicam os contribuintes que preventivamente efetuaram depósitos integrais antes do prazo de vencimento dos tributos, privilegiando aqueles que permaneceram inertes em situação de inadimplência e não depositaram os montantes discutidos ou o fizeram a menor. Apenas para esses últimos a legislação parece facultar a possibilidade de liquidar juros e multa utilizando prejuízo fiscal e base negativa de CSLL acumulados pela pessoa jurídica.

A nosso ver, existem argumentos para questionar a referida restrição, na medida em que a mesma configura violação aos princípios constitucionais da isonomia (artigos 5º, inciso II e 150, II da Constituição da República de 1988), bem como o da livre concorrência associado ao direito fundamental à propriedade (art. 170, inciso IV c/c art. 5º, inciso XXII da CR/88) e, ainda, aos princípios da razoabilidade e da finalidade (art. 37, “caput”, CR/88), que devem orientar a concessão do programa de recuperação fiscal. Pensamos que ao Supremo Tribunal Federal cabe a última palavra a respeito do tema.

Assim, podemos concluir que em razão da nova redação dada aos dispositivos acima destacados (art. 17 da Lei nº 12.865/2013 e art. 9º da Portaria Conjunta PGFN/RFB 7/2013), e da edição da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 13/2014, hoje existe um ambiente desfavorável para os contribuintes pleitearem o reconhecimento, na via administrativa, da possibilidade de utilização de saldo de prejuízo fiscal ou base negativa acumulados, para pagamento de juros e multa dos débitos a serem incluídos no REFIS da Copa até o dia 25 de agosto de 2014, nos casos em que esses débitos estão integralmente garantidos por depósito judicial. Não obstante, pensamos que existem bons argumentos para eventual questionamento judicial por parte dos contribuintes, diante da afronta a princípios constitucionais indicados.

 

[1] Apelação Cível AMS nº 5924 SP 0005924-20.2011.4.03.6100, TRF da 3ª Região, Terceira Turma, julgado em 5.6.2014. No mesmo sentido: (i) Agravo de Instrumento nº 24355 SP 0024355-98.2013.4.03.0000, TRF da 3ª Região, Terceira Turma, Relator Desembargador Federal Nery Junior, julgado em 6.2.2014; e (ii) Agravo de Instrumento nº 28085 SP 0028085-54.2012.4.03.0000, TRF da 3ª Região, Quarta Turma, Relator Juiz Federal Convocado Paulo Sarno, julgado em 17.1.2013.

[2] Lei nº 12.856/2013, com alterações promovidas pela Lei nº 12.996/2014:

Art. 17. Omissis. (…) § 8o  A pessoa jurídica que, após a transformação dos depósitos em pagamento definitivo, possuir débitos não liquidados pelo depósito poderá obter as reduções para pagamento à vista e liquidar os juros relativos a esses débitos com a utilização de montantes de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL, desde que pague à vista os débitos remanescentes. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)

[3] Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 7/2013, com alterações promovidas pela Portaria PGFN/RFB nº 9/2014:

“Art. 31. No caso dos débitos a serem pagos ou parcelados estarem vinculados a depósito administrativo ou judicial, a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo observará o disposto neste artigo. (…)

§ 3º Após a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo de que trata o § 2º, o sujeito passivo poderá requerer o levantamento do saldo remanescente, se houver, observado o disposto no § 9º.

§ 5º Observado o disposto nos §§ 1º, 2º e 9º, após a transformação dos depósitos em pagamento definitivo, remanescendo débitos não liquidados pelo depósito, a pessoa jurídica que pretender obter as reduções relativas à hipótese de pagamento à vista e liquidar os juros com a utilização dos montantes de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL, na forma do art. 26, deverá, cumulativamente: (…)”

[4] Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 13, de 30 de julho de 2014:

“Art. 9. No caso de os débitos a serem pagos ou parcelados estarem vinculados a depósito administrativo ou judicial, a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo observará o disposto neste artigo. (…)

§ 3º Após a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo, o sujeito passivo poderá requerer o levantamento do saldo remanescente, se houver, observado o disposto no § 7º. (…)

§ 5º Observado o disposto nos §§ 1º, 2º e 9º, após a transformação dos depósitos em pagamento definitivo, remanescendo débitos não liquidados pelo depósito, a pessoa jurídica que pretender obter as reduções relativas à hipótese de pagamento à vista e liquidar os juros com a utilização dos montantes de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL, na forma do art. 20, deverá, cumulativamente: (…)”

Compartilhe