O pleno do conselho de contribuintes reafirma sua posição sobre decadência tributária

por Fernanda Ramos Pazello
Bacharel e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e Advogada Sênior do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

Agora em dezembro de 2011 o Pleno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais  (CARF) julgou diversos processos administrativos cujo tema central seria o prazo decadencial do direito do Fisco de constituir o crédito tributário por intermédio de auto de infração[1]. A principal discussão gira em torno da aplicação do prazo decadencial previsto no Código Tributário Nacional (CTN) para os tributos sujeitos ao lançamento por homologação: se o prazo do artigo 150, § 4º (5 anos a contar do fato gerador) ou do artigo 173, inciso I (5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado).

 Os tributos sujeitos ao lançamento por homologação (ou “autolançamento”) são aqueles em que a legislação prevê todos os aspectos e atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem o prévio exame da autoridade administrativa no que concerne à sua determinação. Neste caso, limita-se o Fisco ao mero ato de homologação dos atos praticados pelo administrado. A homologação tácita consiste no decurso do prazo de 5 (cinco) anos contados da ocorrência do fato gerador sem que o Fisco tenha se pronunciado sobre o valor apurado e o pagamento antecipado efetuado pelo sujeito passivo. A homologação expressa é ato produzido pelo Fisco que aponta a norma aplicável que produzirá efeitos no caso concreto, adotada pelo sujeito passivo (apuração do valor), e que ratifica o pagamento antecipado.

 Na óptica de parte da doutrina, o ato homologatório exercitado pelo Fisco não passa de um verdadeiro ato de fiscalização. A homologação do lançamento efetuado pelo contribuinte somente ratifica o pagamento antecipado e que deu ensejo à extinção do crédito tributário, por determinação legal, já que apenas confirma o ato já praticado pelo contribuinte, mas que por si só não possui força imediata para extinguir o crédito tributário, uma vez que já foi extinto pelo pagamento antecipado. Portanto, para que o Fisco possa praticar o ato de homologação é indispensável que haja declaração do tributo devido e pagamento antecipado.

 Este entendimento não é unânime no CARF. Há decisões da Câmara Superior asseverando que o que se homologa é a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo para declaração do tributo e não o pagamento. Na verdade, esta postura apenas reforça ainda mais a tese de aplicação do prazo previsto no artigo 150, § 4º, do CTN. Confira-se ementa:

 “(…) Ementa: IRPJ – DECADÊNCIA: – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – O Imposto de Renda, antes do advento da Lei n° 8.383, de 30/12/91, estava sujeito a lançamento por declaração, operando-se o prazo decadencial a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, consoante o disposto no art. 173 do Código Tributário Nacional. A partir do ano-calendário de 1992, exercício de 1993, por força das inovações da referida lei, o contribuinte passou a ter a obrigação de pagar o imposto, independentemente de qualquer ação da autoridade administrativa, cabendo-lhe então verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular e, por fim, pagar o montante do tributo devido, se desse procedimento houver tributo a ser pago. E isso porque ao cabo dessa apuração o resultado pode ser deficitário, nulo ou superavitário (CTN art. 150, § 4°), sendo, portanto, irrelevante ter havido ou não pagamento de imposto nesse procedimento. O que o CTN homologa é o procedimento, a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Se o citado § 40 do art. 150 homologasse apenas o pagamento teria dito “homologado o pagamento” e não “homologado o lançamento”, como diz o texto do citado parágrafo do art. 150 da lei complementar.
PIS e COFINS — A contribuição para o PIS e para a COFINS estão sujeitas ao lançamento por homologação previsto no art. 150, § 4°, do CTN, sendo  irrelevante ter havido ou não pagamento, posto que o que se homologa é o procedimento, a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo.(…)” (Acórdão nº 9101-00.169, de 15.6.2009)

 Há quatro diferentes situações que merecem consideração na hipótese dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação: (i) o contribuinte declara o valor devido a título de tributo (na guia/declaração apropriada) e não paga o tributo na data do vencimento; (ii) o contribuinte declara o valor devido a título de tributo e paga somente parte do valor; (iii) o contribuinte declara parte do valor devido e paga somente esta parte; e (iv) o contribuinte não declara nenhum valor e, conseqüentemente, não há pagamento.

 De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[2], que culminou na Súmula 436, a declaração pelo sujeito passivo do valor devido a título de tributo – seja em DCTF, GIA ou qualquer declaração dessa natureza prevista em lei – configura confissão de dívida e, portanto, é passível de inscrição imediata em dívida ativa. Portanto, ultrapassadas questões terminológicas que não convém aqui nos fixarmos, a declaração efetuada pelo sujeito passivo equivale à constituição do crédito tributário.

 Assim, quanto ao valor declarado devido pelo contribuinte e não pago, não há mais que se falar em decadência tributária, já que a partir de tal momento entra em cena a contagem do prazo de prescrição do direito de o Fisco inscrever o débito em dívida ativa e exigi-lo mediante execução fiscal (artigo 174 do CTN). É a situação descrita no item (i).

 No entanto, nesta situação, ou seja, em que há declaração sem pagamento do tributo, o CARF, contrariando a posição do STJ, entendeu pela aplicação da regra decadencial prevista no artigo 173 do CTN e, no caso de declaração em DIPJ ou DCTF, o Tribunal Administrativo aplicou a regra do artigo 150 do CTN. Não se considerou, portanto, que já teria ocorrido a constituição do crédito tributário pelo próprio contribuinte em razão da declaração efetuada.

 Agora, se o contribuinte declara o valor devido e paga somente parte do valor que entende devido, a parte não paga (mas declarada) igualmente está sujeita à inscrição imediata em dívida ativa e conseqüente execução fiscal (prazo prescricional). É a situação descrita no item (ii). Nesta situação, o CARF aplica a mesma posição explicitada no parágrafo acima.

 Diversas, contudo, são as hipóteses em que o contribuinte não declara qualquer valor ou declara um valor menor do que o efetivamente devido na óptica do Fisco, já que nesse ponto reside o dever do Fisco de constituir o crédito tributário mediante a lavratura de Auto de Infração (com imposição de multa) em relação à parte não declarada. Aqui se encontram as situações descritas nos itens (iii) e (iv) acima.

 Se realmente não houve declaração pelo contribuinte e, portanto, não há qualquer pagamento do tributo, a posição do STJ[3] e do CARF é pela aplicação do artigo 173, inciso I, do CTN, ou seja, o Fisco possui 5 (cinco) anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado para lavrar o auto de infração, sendo que atualmente se encontra rechaçada a tese de aplicação cumulativa dos prazos previstos nos artigos 150 e 173 do CTN (tese dos 10 anos).  Confira-se ementa de decisão do CARF:

 “(…) DECADÊNCIA DO DIREITO DO FISCO LANÇAR TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO. Restando configurado que o sujeito passivo não efetuou recolhimentos, o prazo decadencial do direito do Fisco constituir o crédito tributário deve observar a regra do art. 173, inciso I, do CTN. Precedentes no STJ, nos termos do RESP n° 973.733 – SC, submetido ao regime do art. 543 – C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (…)” (Acórdão nº 9101-00.460, de 4.11.2009)

 A principal controvérsia reside na situação descrita no item (iv), ou seja, em que há declaração e pagamento do tributo pelo contribuinte, mas o Fisco entende que o valor declarado e pago é insuficiente. Isso, porque esta hipótese poderia ser entendida como ausência de declaração e de pagamento antecipado, o que culminaria na aplicação do artigo 173 do CTN – situação descrita no item (iii).

 O STJ, na sistemática do artigo 543-C do CPC (recurso repetitivo), no julgamento do Recurso Especial 973.733/SC, consolidou jurisprudência no sentido de que “o prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito“. O que se infere da decisão é que eventuais diferenças não declaradas e não pagas pelo contribuinte, independente de o contribuinte ter declarado e pago parcela a título do mesmo tributo, estão sujeitas ao prazo decadencial do artigo 173, inciso I, do CTN.

 Somos da opinião de que deveria ser aplicada a regra do artigo 150, § 4º, do CTN, uma vez que a declaração e o pagamento, ainda que insuficientes, configuram-se como princípio de pagamento a ser homologado ou não pelo Fisco dentro do prazo de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador. O fato de a empresa declarar algum valor a título de tributo e efetuar o pagamento deste valor (mesmo que o valor seja entendido como menor que o devido) configura princípio de pagamento, uma vez que o recolhimento da exação é uno e, portanto, o fato de não ter incluído determinados valores não significa que não tenha havido pagamento antecipado.

 Pagamento antecipado houve e, portanto, já é motivo suficiente para configurar o início da atividade de homologação pelo Fisco, dentro do prazo legal. Assim, no prazo de homologação, cabe ao Fisco verificar se todos os valores foram incluídos na base de cálculo para fins de recolhimento do tributo. Em havendo saldo devedor, deve o Fisco proceder ao lançamento de ofício (no caso, auto de infração com imposição de multa), desde que respeitado o prazo de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador.

 Há decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais concordando com a posição desenvolvida acima, conforme se percebe de parte dos votos abaixo transcritos:

 “(…) Todavia, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação — que, segundo o art. 150 do CTN, ‘ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa’ e ‘opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa’ —, há regra específica. Relativamente a eles, ocorrendo o pagamento antecipado por parte do contribuinte, o prazo decadencial para o lançamento de eventuais diferenças é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme estabelece o § 4° do art. 150 do CTN.(…)” (Acórdão nº 9202-00.689, de 13.4.2010)

“(…) No presente caso não houve pagamento de imposto aos rendimentos omitidos pelo contribuinte e em relação às deduções indevidas, mas houve pagamento em relação aos demais fatos geradores; daí termos que houve pagamento parcial; portanto, deve ser aplicada a regra no artigo 150, §4° do CTN.(…)” (Acórdão nº 9202-00.770, de 13.4.2010)

 Esperamos que as digressões acima e a análise da jurisprudência atual do STJ e do CARF tenham contribuído para elucidar o tão complexo tema da decadência em matéria tributária.



[1]Decadência tributária é a perda do direito do Fisco de exercer a atividade de lançamento (apuração/verificação) do montante do tributo devido. De acordo com Paulo de Barros Carvalho, “(…) a decadência entendida assim, teria o condão de inibir a autoridade administrativa de lavrar o ato formalizador (perda do direito de lançar) e, simultaneamente, de fulminar o direito subjetivo de que esteve investido o sujeito pretensor (…)” (Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, São Paulo, 2009, 21ª edição. P. 506).

[2] Recurso Especial nº 1.120.295/SP, julgado em sede de recurso repetitivo nos termos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, pela Primeira Seção do STJ, em 12.5.2010.

[3]Recurso Especial nº 973.733/SC, em sede de recurso repetitivo, nos termos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, relatado pelo Ministro Luiz Fux, na Primeira Seção do STJ, em 12.8.2009.

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