O ISS e a Exportação de Serviços

Por Victor Soares
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Advogado do Escritório Gouvêa Vieira
Abner Vellasco
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Pós Graduando em Direito Aduaneiro na Instituição AVM
Advogado do Escritório Teixeira Duarte Advogados

 

1. Introdução

A não incidência de ISS em exportação de serviços, hipótese prevista na Lei Complementar n.º 116/2003, é matéria que, a despeito de se tratar de situação de desoneração tributária e, portanto, beneficiar ao contribuinte, traz consigo significativa insegurança jurídica, ante a ausência de conceituação precisa acerca de sua aplicabilidade.

Essa insegurança jurídica mitiga a correta aplicação da benesse em favor do contribuinte, que, ao optar em se valer da desoneração, passa a se sujeitar a interpretações equivocadas, tanto por parte dos Fiscos Municipais quanto por parte dos próprios Tribunais brasileiros, derrubando por terra qualquer planejamento tributário baseado em tal regra.

O cenário tende a piorar, considerando as perspectivas de inserção do mercado brasileiro no contexto da economia digital e os novos problemas daí advindos.

Neste contexto, o presente artigo, longe de pretender dar a solução para o problema, objetiva delinear os aspectos relativos à discussão, trazer o cenário jurisprudencial que parece se firmar nos tribunais brasileiros e pleitear aos nossos legisladores que se debrucem sobre o assunto.

2. A Lei Complementar e a “Exportação de Serviços”

É sabido que a Constituição Federal, ao delimitar competências para os Entes Federativos exigirem tributos, outorgou aos Municípios e ao Distrito Federal a possibilidade de cobrar impostos sobre serviços de qualquer natureza, tributo comumente conhecido por ISS.

Todavia, diferentemente do que ocorreu em relação aos demais impostos incidentes sobre o consumo, IPI e ICMS, o texto constitucional não dispôs sobre a não incidência do ISS em operações relativas à “exportação de serviços”, outorgando à lei complementar a possibilidade de fazê-lo, a teor do artigo 156, parágrafo 3º, inciso II, da Magna Carta, incluído pela Emenda Constitucional n.º 3, de 1993.

A Lei Complementar n.º 116/03, por seu turno, exercendo a prerrogativa que lhe foi conferida pela Constituição Federal, dispõe sobre a não incidência do ISS em “exportações de serviços para o exterior do País”, em seu artigo 2º, inciso I e parágrafo único, in verbis:

Art. 2º. O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
[…]Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior. 

Em outras palavras, o referido dispositivo, ao dispor sobre a não incidência do ISS na situação em exame, procurou, em certa medida, esclarecer o que deve ser entendido por “exportação de serviço”, excluindo deste conceito “serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique”.

Por conseguinte, a contrario senso, temos que a “exportação de serviços” ocorre em qualquer situação onde essa hipótese, composta por duas premissas (“desenvolvidos no Brasil” e “cujo resultado aqui se verifique”) não seja verificada, ou seja, quando ou (i) os serviços são desenvolvidos no exterior ou (ii) os serviços são desenvolvidos no Brasil, mas seus resultados são verificados no exterior.

3. As Problemáticas da Definição de Exportação de Serviços Extraída da Lei Complementar

Em que pese a definição acima possa servir como norte e, em alguns casos, ser suficiente para se verificar a subsunção (ou não) de certos fatos à hipótese de incidência do ISS, especialmente em relação ao seu critério espacial, sua imprecisão no que toca à extensão do vocábulo “resultado”, utilizado na expressão “cujo resultado aqui se verifique”, é matéria objeto de intensa controvérsia, pois que delimitadora das situações passíveis de serem alcançadas pela tributação.

Com efeito, o vocábulo “resultado”, associado à expressão “do serviço”, pode ser entendido tanto como o objeto decorrente do serviço em si, no que o local de seu resultado seria o local de sua conclusão, quanto como sua utilidade, ou seja, os efeitos almejados pelo tomador contratante do serviço, no que o local de seu resultado seria o local onde o serviço geraria tais efeitos.

Tomemos como exemplo o seguinte caso: determinada sociedade, sediada no município de São Paulo, é contratada por outra sociedade, não residente, para elaborar projeto de engenharia para implantação de complexo fabril no Uruguai, serviço esse qualificado no subitem 7.03 da lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003, que será executado na sede da prestadora e cujo material produzido será entregue à tomadora por meio da internet.

Neste exemplo, o vocábulo “resultado” serviria tanto para indicar o material, o projeto de engenharia em si quanto a execução do referido projeto, residindo a controvérsia em saber a qual dos dois sentidos pretendeu se referir a mencionada Lei Complementar para definir o que seria “exportação de serviços”.

4. A Insegurança Jurídica e o Posicionamento dos Tribunais Pátrios

A incerteza resultante da discussão acima narrada é, a toda evidência, fonte de insegurança jurídica para o contribuinte, que se vê incapaz de definir, com grau de certeza desejável, qual dos dois critérios deve ser adotado para suas operações. 

Na doutrina, a posição prevalecente perfila-se ao entendimento do professor Gustavo Brigagão, para quem “o conceito de ‘resultado’ do serviço […] está diretamente relacionado a um aspecto subjetivo: a intenção do seu tomador ao contratá-lo, o benefício que ele visa ao requerer a prestação do serviço. O resultado do serviço se dará no país em que os efeitos dele decorrentes venham a ser produzidos[1]”.

No mesmo sentido podemos citar, ainda, Roque Antonio Carrazza, Luis Eduardo Schoueri, Ives Gandra da Silva Martins, Marilene Talarico Martins Rodrigues, entre diversos outros.

A jurisprudência de alguns tribunais pátrios caminha no mesmo sentido, sendo o exemplo mais notório o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reiteradamente se manifesta pela importância dos efeitos dos serviços prestados para caracterização da exportação de serviços, e o faz mediante uma análise detida da controvérsia, como se depreende dos excertos de julgados abaixo colacionados, que explicitam as ratio decidendi das decisões:

“[…] Resta saber se esta pesquisa, desenvolvida nos limites territoriais do Município de São Paulo, produziu ou não efeitos no Brasil.
E a resposta é negativa, assistindo razão a autora, ora apelante, quando afirma que é a tomadora a responsável pela realização dos serviços fora do País, justamente a partir dos estudos e pesquisas que lhe são enviados, dentre estas as desenvolvidas pela autora, muito provavelmente criada para esse fim.
[…]Diversa seria a hipótese em que a tomadora solicitasse da prestadora de serviços a utilização das pesquisas no Brasil, o que não se dá no caso concreto.”
(Apelação Cível n.º 1009239-95.2013.8.26.0053, TJ-SP, 15ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. REZENDE SILVEIRA, julgado em 02/06/2015) (grifos nossos) 

***
“O cerne da lide sub judice cinge-se à análise da acepção da palavra RESULTADO, inserida na Lei Complementar, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
[…]Dentro da interpretação teleológica, que prima pela finalidade da norma, somada aos aspectos da evolução da economia brasileira no mercado internacional, manifesta a intenção de estimular a exportação. No viés da interpretação sistemática, interessante resgatar alguns princípios do sistema tributário nacional: princípio da tributação no local de destino, que visa evitar a exportação de tributos; princípio da não bitributação internacional13 (alvo de tratados internacionais de comércio); princípio da desoneração e efeito do serviço.
[…]Note-se que na importação de serviço a ideia de “resultado” é irrelevante, no caso de haver o aproveitamento ou fruição da prestação no território nacional. Com isso, depreende-se que a preocupação do legislador é tributar a prestação do serviço que beneficie o mercado interno, ainda que também exportado. Pouco importa o local de prestação e resultado (no sentido de conclusão), a relevância para a isenção reside única e exclusivamente quando o serviço, desenvolvido no Brasil, surta efeitos apenas fora do país.
[…]Logo, a melhor interpretação do conceito de “resultado”, considerando-se toda a análise exposta, seria no sentido de: “fruição”, com o aproveitamento ou efeito do serviço exclusivamente no exterior (proveito econômico), tomando-se por base o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador (aspecto subjetivo).”
(Apelação Cível n.º 0038110-26.2011.8.26.0053, TJ-SP, 14ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. HENRIQUE HARRIS JÚNIOR, julgado em 14.08.2014) (grifos nossos) 

Devem ser mencionados, também, os tribunais estaduais dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina[2], nos quais esse posicionamento tem se mostrado dominante[3].

Não menos importante é o posicionamento do Fisco Municipal de São Paulo que, em diversas soluções de consulta, se manifestou chancelando a tese em questão, inclusive em caso semelhante ao exemplo utilizado anteriormente acerca de projetos de engenharia[4].

Em que pese o posicionamento doutrinário, jurisprudencial e administrativo citado acima acerca da acepção do termo “resultado”, para fins de caracterização da exportação de serviços, pareça ser o mais adequado, não se pode perder de vista que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 2006, o recurso especial n.º 831.124/RJ, de relatoria do Ministro JOSÉ DELGADO, se manifestou de maneira diametralmente oposta à tese do contribuinte, entendendo ser o resultado verificado no local de conclusão do serviço, com ressalva ao Min. TEORI ZAVASCKI, único Ministro a divergir do relator e se convencer pelos argumentos do contribuinte.

Os fundamentos dos votos proferidos naquela ocasião demonstram as premissas distintas adotadas pelos Ministros julgadores:

 Excerto do voto do Min. JOSÉ DELGADO:
“No caso examinado, verifica-se que a recorrente é contratada por empresas do exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia, desenvolve e conclui a prestação de todo o serviço para o qual é contratada dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à instalação nas aeronaves.
Importante observar que a empresa não é contratada para instalar os motores e turbinas após o conserto, hipótese em que o serviço se verificaria no exterior, mas, tão-somente, conforme já posto, é contratada para prestar o serviço de reparos, retífica ou revisão.
Portanto, o trabalho desenvolvido não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, ou seja, o seu resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no território brasileiro.

 Excerto do voto do Min. TEORI ZAVASCKI:
“Penso que não se pode confundir resultado da prestação de serviço com conclusão do serviço. Não há dúvida nenhuma que o serviço é iniciado e concluído aqui. Não há dúvida nenhuma que o teste na turbina faz parte do serviço. O fato de ser testado aqui foi o fundamento adotado pelo juiz de Primeiro Grau e pelo Tribunal para dizer que o teste é o resultado. Mas essa conclusão não é correta: o teste faz parte do serviço e o serviço é concluído depois do teste. Depois disso, a turbina é enviada ao tomador do serviço, que a instala no avião, quando então, se verificará o resultado do serviço. O resultado, para mim, não pode se confundir com conclusão do serviço. Portanto, o serviço é concluído no País, mas o resultado é verificado no exterior, após a turbina ser instalada no avião.” 

Destarte, ainda que existam diversas manifestações indicando que o local do resultado, para fins de configuração de exportação de serviços, deveria ser entendido como o local onde os serviços geram os efeitos pretendidos pelos tomadores, tal entendimento não foi respaldado pelo Superior Tribunal de Justiça que, ao analisar a questão, se manifestou em sentido oposto, considerando ser o local onde os serviços são concluídos.

5. As Novas Tecnologias e a Necessidade Premente de se Resolver a Controvérsia

O assunto em comento, problemático per si, adquire importância (e urgência quanto à sua resolução) ainda maior ao se pensar que o surgimento de novas tecnologias, num ritmo cada dia mais intenso, mitiga a relevância que as fronteiras físicas possuem (ou possuíam) para a prestação de determinados serviços, gerando novas contendas para as quais o Brasil precisa estar preparado.

Com efeito, com o crescimento de economia digital e sendo o Brasil um país de relevância destacada para a economia mundial, é de se esperar que prestadores atuantes na área de serviços digitais ofereçam serviços baseados no país, tanto a nível nacional quanto à nível internacional, e queiram se valer da desoneração prevista na legislação brasileira.

Neste cenário, é inaceitável que uma premissa tão básica para se entender o conceito de exportação de serviços, qual seja a acepção do termo “resultado” estampado na Lei Complementar n.º 116/2003, seja tido por controverso e gere insegurança jurídica aos contribuintes.

Ora, se os contribuintes não sabem sequer o que considerar como sendo exportação de serviços, é preocupante imaginar como serão tratadas operações que envolverem aspectos ainda mais complexos do que os comumente encontrados nas discussões, com participações remotas de terceiros, fruição de resultados pela internet, entre outros.

Diante disto, seria extremamente recomendável que nossos eminentes legisladores, que concentram suas ações relativas ao ISS na expansão dos subitens constantes na lista anexa ao referido diploma[5], se propusessem a discutir a questão e buscar a solucionar de maneira satisfatória.

6. Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que os critérios para a configuração de exportação de serviços, para fins de não incidência de ISS, devem ser urgentemente revisitados por nosso Poder Legislativo, seja em razão da discussão já instaurada, seja em razão dos problemas que devem aparecer com a inserção cada vez mais intensa de novas tecnologias em nosso meio social.

Por este motivo, faz-se coro ao pleito do professor Gustavo Brigagão: “que o legislador complementar regule de forma clara e condizente com as necessidades econômicas do país as condições em que as exportações de serviços devam ser excluídas da tributação do ISS”.



[2] Os referidos tribunais estaduais, juntamente com os tribunais dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, são os cinco maiores tribunais estaduais do Brasil, e responderam por 69% dos casos em trâmite perante a justiça estadual no ano-calendário de 2014, conforme informações constantes no relatório “Justiça em números – 2014”, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça.

[3] A este respeito, vide os julgados a seguir: agravo de instrumento n.º 0440456-29.2014.8.21.7000 e apelação cível n.º 0392856-80.2012.8.21.7000 (TJ-RS), reexame necessário em mandado de segurança n.º 2013.053824-8 (TJ-SC).

[4] Vide a Solução de Consulta SF/DEJUG n.º 37, de 22 de julho de 2013, e a Solução de Consulta SF/DEJUG n.º 24, de 6 de junho de 2011.

[5] Como pretendem fazê-lo, por exemplo, por meio dos Projetos de Lei Complementar n.º 366/2013, 171/2012, entre outros.

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