O conceito de “insumos” nas recentes decisões do carf, csrf e tribunais judiciais

por Maurício Barros
Gerente da Consultoria Tributária de Gaia, Silva, Gaede & Associados em São Paulo
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário na USP
Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Especialista em Direito Tributário pelo IBET
Membro da ABDF e do IFA

 

Conforme amplamente noticiado pela imprensa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por intermédio da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara, proferiu decisão unânime contrária à posição da Receita Federal do Brasil (RFB) quanto ao conceito de “insumo”, para fins de créditos de PIS e COFINS[1]. Essa decisão afirma que a apropriação de créditos das contribuições não se restringe aos parâmetros adotados para a apuração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), adotados pelas Instruções Normativas RFB n.ºs 247/2002 e 404/2004, tendo em vista peculiaridades dessas contribuições, que mais as aproximam do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Por essa razão, o CARF entendeu que o conceito de “insumo” deverá ter como base os custos e despesas dedutíveis para fins de IRPJ, de acordo com a legislação desse imposto.

Entretanto, o caso concreto analisado pelo CARF não abrangeu despesas cujo creditamento seja expressamente vedado pelas Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, tais como mão-de-obra (art. 3º, § 2º, inciso I das referidas leis), uma vez que tratou de créditos de materiais de manutenção de máquinas e equipamentos (não especificados no acórdão). Dessa forma, embora a fundamentação dessa decisão tenha sido bastante ampla, dando a entender que todos os custos e despesas operacionais seriam passíveis de creditamento, o caso concreto envolvia despesas enquadráveis no conceito de “insumo”.

Por outro lado, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) também avaliou recentemente a questão, em decisão[2] unânime que, tal como o anterior, decidiu que o conceito de “insumos” aplicado pela RFB é ilegal. No julgamento, que tratou de pedido de créditos de PIS/COFINS de despesas com combustíveis e lubrificantes utilizados pela frota de veículos e com a remoção de resíduos industriais, embora a CSRF também tenha afastado a aplicação do conceito do IPI, não houve qualquer manifestação quanto à aplicação dos conceitos de custos e despesas da legislação do IRPJ.

No caso, ao afastar o conceito do IPI, a CSRF deu uma interpretação sistemática às legislações do PIS/COFINS, concluindo que os insumos devem ser considerados “gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção de bens ou serviços por ela realizada”. A decisão considerou que, como o próprio inciso II do artigo 3º das Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03 abriam a possibilidade de créditos referentes a dispêndios com serviços contratados pelo contribuinte, bem como com combustíveis e lubrificantes, resulta evidente que a legislação não acolheu definições próprias do IPI, em que o crédito de tais despesas seria absolutamente impensável. Além disso, uma vez que os incisos seguintes do aludido artigo 3º permitem o creditamento de aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos utilizados nas atividades da empresa, máquinas e equipamentos adquiridos para utilização na fabricação de produtos destinados à venda, bem como outros bens incorporados ao ativo imobilizado, resulta evidente que o legislador não quis restringir o creditamento das contribuições às aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens, que representam o alcance de “insumos” na legislação do IPI.

Em outro recente julgamento[3], a CSRF analisou pedido de ressarcimento de créditos de PIS/COFINS apresentado por empresa agro-avícola industrial, com despesas com uniformes obrigatórios e água utilizada na lavagem e congelamento dos produtos. Na análise do caso, a CSRF houve por bem afastar os conceitos das legislações do IPI e do IRPJ, entendendo que o conceito previsto nas leis que instituem o PIS/COFINS são auto-aplicáveis, não carecendo de complementação. Além disso, a CSRF entendeu que os uniformes são de utilização obrigatória por lei, sob pena de paralisação da atividade da empresa pela ANVISA, do que resulta clara a sua indispensabilidade e essencialidade no processo produtivo, o que os enquadra como insumos passíveis de creditamento. Dessa forma, a CSRF vem afastando a concepção restritiva da RFB na aplicação das leis do PIS/COFINS, especificamente no que concerne ao conceito de “insumos”.

Curioso notar que nas discussões ocorridas durante o julgamento foram sumarizadas as três correntes existentes atualmente no CARF acerca da matéria: (i) aplicação do conceito de insumo previsto na legislação do IPI (posição mais antiga); (ii) aplicação do conceito da legislação do IRPJ; e (iii) a que afasta os conceitos de ambas as legislações citadas, entendendo que o conceito previsto nas leis que instituem o PIS/COFINS são auto aplicáveis, não carecendo de complementação. Nesse prisma, pode-se concluir que os Conselheiros da CSRF vêm corroborando a terceira linha de entendimento, deixando claro que cada caso deverá ser analisado de acordo com as suas peculiaridades, ou seja, verificando-se a essencialidade/inerência do insumo no processo de produção, ou ainda a circunstância de haver determinação legal (caso exista) que imponha o dispêndio em meio ao processo (como é o caso dos uniformes no caso julgado).

Os Tribunais Judiciais também têm se manifestado contrariamente à posição da RFB quanto ao conceito de “insumos”, como se verifica em julgamentos recentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio Grande do Sul).

O primeiro caso do STJ[4], já definido, concede interpretação extensiva para o conceito de insumos, em caso tratando de créditos sobre embalagens de acondicionamento, utilizadas para a preservação das características dos bens durante o transporte. No caso, o STJ declarou que os “insumos” devem ser considerados todas as despesas essenciais ao funcionamento e/ou manutenção do fator de produção, afastando-se a aplicação de conceitos da legislação do IPI. Entretanto, ao menos nesse julgamento, em nenhum momento o STJ direciona seu posicionamento à aplicação ampla e irrestrita da legislação do IRPJ na apuração do PIS/COFINS não-cumulativo.

Já no segundo caso[5], que conta com votos favoráveis do Ministro Mauro Campbell e de mais dois Ministros da Turma (que é formada por cinco julgadores – atualmente se aguarda pedido de vista do Ministro Herman Benjamin), discute-se o direito do contribuinte, fabricante de produtos alimentícios, de ver assegurado o aproveitamento de créditos provenientes de gastos com materiais de limpeza, desinfecção e serviços de dedetização usados no ambiente produtivo. Em seu voto (ainda pendente de revisão), o Min. Campbell afastou a aplicação do conceito de “insumo” da IN/RFB n.º 404/04, sem defender a aplicação direta do conceito de custos e despesas da legislação do IRPJ. Para ele, a utilização ampla e irrestrita da legislação do IRPJ encontra óbice no excessivo alargamento do conceito de “insumos”, ao equipará-lo ao conceito contábil de “custos e despesas operacionais”, que abarca todos os custos e despesas que contribuem para a produção de uma empresa. Ao se aplicar o conceito do IRPJ, a desoneração pretendida pela não-cumulatividade das contribuições se voltaria ao produtor como um todo, e não especificamente ao processo produtivo, que, segundo ele, é o objetivo do regime.

Dessa forma, atesta o voto do Min. Campbell que não se trata de desonerar a cadeia produtiva ou o produtor, mas o processo produtivo de determinado produtor ou a atividade-fim de determinado prestador de serviço. Desse modo, ainda que afastando os conceitos do IPI, entende que o PIS/COFINS não deve adotar as mesmas bases que o IRPJ e a CSLL, devendo o conceito de “insumos” fiar-se em quatro orientações:

  • O bem ou serviço deve ter sido adquirido para ser utilizado na prestação do serviço ou na produção, ou ainda para viabilizá-los (pertinência ao processo produtivo);
  • A produção ou prestação do serviço deve depender daquela aquisição (essencialidade ao processo produtivo, não ao produto ou serviço em si);
  • Não se faz necessário o consumo do bem ou a prestação do serviço em contato direto com o produto (possibilidade de emprego indireto no processo produtivo);
  • Conceito de “essencialidade”: é preciso que a subtração do bem ou serviço importe na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, obste a atividade da empresa, ou implique em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultante.

Por fim, o TRF-4ª Região caminhou no mesmo sentido do voto do Min. Campbell, ao afastar a aplicação de conceitos próprios do IPI e defender uma aproximação com o IRPJ com ressalvas, sobretudo no tocante aos custos com mão-de-obra (cuja possibilidade de creditamento foi expressamente afastada pela decisão). O caso[6] analisou o aproveitamento de créditos, por contribuinte industrial, sobre despesas com serviços terceirizados de logística de armazenagem, expedição de produtos e controle de estoques.

Como visto, o panorama da jurisprudência afasta terminantemente a aplicação das definições do IPI na definição de “insumos” para fins de créditos de PIS/COFINS, embora não permita que os contribuintes, com segurança e sem limites, apliquem os conceitos de custos e despesas operacionais aplicáveis ao IRPJ. Nesse prisma, os contribuintes deverão avaliar criteriosamente a relação dos custos e despesas incorridos com a sua atividade, determinando a relação de necessidade/utilidade do gasto com suas operações, o que demanda a análise de cada caso concreto.

Por fim, resta aguardar os pronunciamentos dos Tribunais no caso de prestadores de serviços, que não contam com “processos produtivos” tão claros quanto as indústrias, bem como quanto aos comerciantes, que não foram abrangidos pela letra do inciso II do artigo 3º das Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, que apenas se remete a bens e serviços utilizados como insumos na “prestação de serviços” e “produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”.



[1] “(…) REGIME NÃO CUMULATIVO. INSUMOS. MATERIAIS PARA MANUTENÇÃO DE MÁQUINAS.

O conceito de insumo dentro da sistemática de apuração de créditos pela não cumulatividade de PIS e Cofins deve ser entendido como toda e qualquer custo ou despesa necessária a atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ, não devendo ser utilizado o conceito trazido pela legislação do IPI, uma vez que a materialidade de tal tributo é distinta da materialidade das contribuições em apreço (…) ” (Processo n° 11020.001952/2006-22, Acórdão n.º 3202-00.226, rel. Cons. GILBERTO DE CASTRO MOREIRA JÚNIOR, julgado em 08/12/2010).

[2]“CRÉDITO. RESSARCIMENTO.

A inclusão no conceito de insumos das despesas com serviços contratados pela pessoa jurídica e com as aquisições de combustíveis e de lubrificantes, denota que o legislador não quis restringir o creditamento do PIS/Pasep. As aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance de insumos na legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos como sendo os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção de bens ou serviços por ela realizada. Recurso negado” (Processo 11065.101271/2006-47, rel. Cons. HENRIQUE PINHEIRO TORRES, Acórdão 9303-01.035, julgado em 23/08/2010).

[3] Processos 13053.000112/2005-18 e 13053.000211/2006-72, rel. Cons. HENRIQUE PINHEIRO TORRES, julgado em 09/11/2011, acórdão ainda pendente de formalização.

[4] “PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – PIS/COFINS – NÃO CUMULATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – POSSIBILIDADE – EMBALAGENS DE ACONDICIONAMENTO  DESTINADAS A PRESERVAR AS CARACTERÍSTICAS DOS BENS DURANTE O TRANSPORTE, QUANDO O VENDEDOR ARCAR COM ESTE CUSTO – É INSUMO NOS TERMOS DO ART. 3º, II, DAS LEIS N. 10.637/2002 E 10.833/2003.

1. Hipótese de aplicação de interpretação extensiva de que resulta a simples inclusão de situação fática em hipótese legalmente prevista, que não ofende a legalidade estrita. Precedentes.

2. As embalagens de acondicionamento, utilizadas para a preservação das características dos bens durante o transporte, deverão ser consideradas como insumos nos termos definidos no art. 3º, II, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003 sempre que a operação de venda incluir o transporte das mercadorias e o vendedor arque com estes custos.

Agravo regimental improvido” (Segunda Turma, AgRg no REsp 1125253/SC, rel. Min. HUMBERTO MARTINS, julgado em 15/04/2010, DJe de 27/04/2010).

[5] Segunda Turma, REsp 1246317, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES.

[6] “TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. LEIS Nº 10.637/2002 E 10.833/2003, ART. 3º, INCISO II. NÃO CUMULATIVIDADE. AUSÊNCIA DE PARALELO COM O IPI. CREDITAMENTO DE INSUMOS. SERVIÇOS DE LOGÍSTICA DE ARMAZENAGEM, EXPEDIÇÃO DE PRODUTOS E CONTROLE DE ESTOQUES. ILEGALIDADE DAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS SRF Nº 247/2002 E 404/2004. CRITÉRIO DE CUSTOS E DESPESAS OPERACIONAIS.

4. Conquanto o legislador ordinário não tenha definido o que são insumos, os critérios utilizados para pautar o creditamento, no que se refere ao IPI, não são aplicáveis ao PIS e à COFINS. É necessário abstrair a concepção de materialidade inerente ao processo industrial, porque a legislação também considera como insumo os serviços contratados que se destinam à produção, à fabricação de bens ou produtos ou à execução de outros serviços. Serviços, nesse contexto, são o resultado de qualquer atividade humana, quer seja tangível ou intangível, inclusive os que são utilizados para a prestação de outro serviço.

5. As Instruções Normativas SRF nº 247/2002 e 404/2004, que admitem apenas os serviços aplicados ou consumidos na produção ou fabricação do produto como insumos, não oferecem a melhor interpretação ao art. 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. A concepção estrita de insumo não se coaduna com a base econômica de PIS e COFINS, cujo ciclo de formação não se limita à fabricação de um produto ou à execução de um serviço, abrangendo outros elementos necessários para a obtenção de receita com o produto ou o serviço.

6. O critério que se mostra consentâneo com a noção de receita é o adotado pela legislação do imposto de renda. Insumos, então, são os gastos que, ligados inseparavelmente aos elementos produtivos, proporcionam a existência do produto ou serviço, o seu funcionamento, a sua manutenção ou o seu aprimoramento. Sob essa ótica, o insumo pode integrar as etapas que resultam no produto ou serviço ou até mesmo as posteriores, desde que seja imprescindível para o funcionamento do fator de produção.

7. As despesas com serviços de armazenagem, expedição de produtos e controle de estoques, enquadram-se no conceito de insumos, uma vez que são necessárias e indispensáveis para o funcionamento da cadeia produtiva” (TRF-4ª Região, 1ª Turma, Apelação Cível n.º 0029040-40.2008.404.7100/RS, rel. Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK, DJ de 21/07/2011).

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