O ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB 8/14 E A INFINDÁVEL DISCUSSÃO ACERCA DA INCIDÊNCIA DO IRF PELO LANÇAMENTO CONTÁBIL

por  Gustavo Andrejozuk
Graduando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado Associado de Pinheiro Neto Advogados

Em 3 de setembro de 2014 a Secretaria da Receita Federal do Brasil (“RFB”) publicou o seu Ato Declaratório Interpretativo (“ADI”) 8/2014, definindo que o momento de ocorrência do fato gerador do Imposto sobre a Renda na Fonte (“IRF”) no caso de “importâncias creditadas” deverá ocorrer na data da contabilização destas importâncias pela “pessoa jurídica fornecedora do serviço”, independente de quando se dê o vencimento da obrigação que deu origem ao creditamento em questão.

Considerando a redação relativamente genérica do ADI 8/14, um exame inicial de seus dois artigos poderia levar à conclusão de que a RFB teria buscado tratar do tratamento tributário aplicável a quaisquer contrapartidas por serviços sujeitas à retenção do IR na fonte, desde prestações de serviços entre residentes no Brasil até remessas para o exterior decorrentes da importação de serviços.

Ao se analisar de maneira mais aprofundada todo o teor do ato em questão, no entanto, dois pontos fundamentais acabam se destacando.

Em primeiro lugar, consta no início do ADI 8/14 a base normativa que deu ensejo à sua edição, com menção ao artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), responsável pela definição de renda para fins fiscais, artigos 114, 116 e 117 do CTN, que trazem o conceito de “fato gerador” e, mais especificamente, ao artigo 647 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (“RIR”) e os Pareceres Normativos da Coordenação do Sistema de Tributação (“PN CST”) 7/86 e 121/73, regras aplicáveis à retenção de IRF de 1,5% sobre o pagamento ou crédito decorrente da prestação de serviços profissionais entre pessoas jurídicas brasileiras.

Com isso, e considerando a ausência de referências ao artigo 685 e seguintes do RIR, por exemplo, nota-se que a aplicação do ADI 8/14 é restrita e limitada à prestação de serviços profissionais entre empresas nacionais, não abrangendo, portanto, remessas ao exterior.

Como consequência do fato de a aplicação do ADI 8/14 se restringir a operações internas, mostra-se importante ressaltar que este ato não deve afetar as discussões relativas ao momento do fato de gerador do IRF em se tratando de remessas para o exterior, como foi o caso, por exemplo, do recém publicado acórdão nº 9202.003.120, de autoria da 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), que afastou a tese de que a simples contabilização de pagamentos deveria dar origem ao fato gerador do IRF, mas sim o vencimento das respectivas obrigações, em respeito à ideia de que o imposto somente incidiria quando da aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de rendimentos.

Em segundo lugar, deve-se destacar que o artigo 647 do RIR, base normativa para a edição do ADI 8/14, determina duas modalidades de contrapartida para a prestação de serviços profissionais entre empresas brasileiras: o pagamento e o crédito.

O ADI 8/14, por outro lado, trata somente do “fato gerador do imposto sobre a renda na fonte, no caso de importâncias creditadas”, conforme se extrai de sua ementa. Como resultado, este segundo ponto reflete mais uma limitação ao alcance da interpretação da RFB consubstanciada no ADI 8/14, isto é, além de se restringir a operações locais, o ato abrange somente a contrapartida por serviços quando esta se dá via crédito, e não via pagamento.

Com efeito, o ato indica que, caso a contrapartida pelos serviços profissionais prestados entre as empresas brasileiras se dê via crédito em favor do prestador, e não pagamento, o fato gerador do IRF vai surgir no momento em que o tomador lançar a débito as respectivas despesas em contrapartida com o crédito de conta do passivo – isto é, a partir do momento em que o prestador terá, de fato, reconhecido e, ao menos em teoria, disponibilizado um crédito em favor do tomador.

Caso a contrapartida pelos serviços se desse via pagamento, por outro lado, a contabilização deste pagamento deveria ocorrer somente no momento do vencimento da respectiva obrigação, surgindo, aí, o fato gerador e a obrigação de reter o IR.

Para fins de se esclarecer com precisão o alcance do normativo em referência, é importante traçar a diferença que há entre as contrapartidas realizadas via crédito e via pagamento. Neste sentido, o já citado PN CST 7/86, uma das bases utilizadas pela RFB ao publicar o ADI 8/14, indica que cada “cada pagamento, entrega ou crédito tipifica um fato gerador autônomo, no instante mesmo de sua verificação”.

Referindo-se à natureza jurídica dos pagamentos, especificamente no que se refere à relação entre a sua ocorrência e o surgimento do respectivo fato gerador para fins de tributação, o parecer aponta que o “pagamento e a entrega de quantias não envolvem maiores dificuldades na apuração de sua ocorrência temporal, visto que ambos só podem ser operacionalizados por meio de tradição. Portanto, a entrada dos recursos na empresa beneficiária marca o momento da ocorrência do respectivo fato gerador”.

Ao tratar da modalidade de contrapartida via crédito, entretanto, o parecer admite que “não ocorre similar facilidade”. Prosseguindo, indica que “enquanto o pagamento e a entrega dizem respeito à aquisição da disponibilidade econômica de renda, o crédito está atrelado à aquisição da disponibilidade jurídica dessa mesma renda, tudo segundo o recorte de fato gerador do imposto de renda perfilhado pelo Código Tributário Nacional”.

Novamente, aqui, se faz referência ao artigo 43 do CTN, ao tratar do conceito de disponibilidade jurídica ou econômica de renda para fins de incidência do IR. Neste sentido, verifica-se que o PN CST 7/86 – e, com isso, o próprio ADI 8/14 – aponta o entendimento de que o fato gerador do IRF quando da prestação de serviços em âmbito local e remunerados via pagamento dar-se-á no momento em que o prestador obtiver a disponibilidade econômica da contrapartida, isto é, a possibilidade de efetivamente utilizá-la, haja vista ela estar disponibilizada em seu caixa.

Em sendo a remuneração por estes serviços realizada por meio de crédito, entende a RFB que o fato gerador do IRF ocorrerá no momento em que o prestador obtiver a disponibilidade jurídica da respectiva contrapartida, isto é, esta contrapartida será entendida como a possibilidade jurídica de uso da renda que, muito embora não esteja disponível em caixa ou espécie, pode efetivamente ser exigida ou utilizada por seu titular, o prestador do serviço.

Trata-se, aqui, do conceito da disponibilidade jurídica de renda, por meio do qual a RFB determina que o fato gerador do IRF na prestação dos serviços em referência, quando remunerados via crédito, e não pagamento, será considerado como ocorrido no momento em que o tomador dos serviços, responsável tributário do IRF, reconhecer contabilmente a efetiva prestação do serviço e o valor devido ao prestador, isto é, “na data do lançamento contábil efetuado por pessoa jurídica, nominal ao fornecedor do serviço, a débito de despesas em contrapartida com o crédito de conta do passivo, à vista da nota fiscal ou fatura emitida pela contratada e aceita pela contratante”, conforme o artigo 1º do ADI 8/14, “considerando-se a partir dessa data o prazo para o recolhimento”, conforme o artigo 2º do ato.

Tendo por base estes dois pontos, verifica-se que o ADI 8/14 determina somente que, caso a contrapartida por serviços profissionais prestados entre empresas brasileiras se dê via crédito em favor do prestador, e não pagamento, o fato gerador do IRRF vai surgir no momento em que o tomador lançar a débito as respectivas despesas em contrapartida com o crédito de conta do passivo – isto é, a partir do momento em que o prestador terá, de fato, reconhecido contabilmente e disponibilizado um crédito em favor do tomador. Caso a contrapartida pelos serviços se dê via pagamento, porém, a contabilização deste pagamento deverá ser feita no vencimento da respectiva obrigação, nascendo, somente aí, o fato gerador e a obrigação de reter o IR na fonte.

Cabe ressaltar por fim, que nos últimos tempos a RFB começou a adotar uma postura no sentido de consolidar os seus entendimentos a respeito da aplicação de normas tributárias por meio de atos interpretativos, tal qual o ADI 8/14, de modo que tais entendimentos são originados, por diversas vezes, nas soluções de consulta ou de divergência editadas pela Coordenação-Geral de Tributação da RFB, a Cosit. Neste sentido, ao se analisar o posicionamento assumido pela RFB nos dois artigos de seu ADI 8/14, mostram-se fortes os indícios de que este ato tenha sido resultado da análise, fundamentação e conclusões às quais chegou a RFB em sua Solução de Divergência 26/13, publicada em outubro de 2013 e cujo teor corrobora o exame e análise desenvolvidos nesse artigo.

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