O artigo 7º do Acordo Previdenciário Brasil-Alemanha, promulgado pelo Decreto nº 8.000/2013 – Deslocamento Temporário

por Cristiane I. Matsumoto Gago
William Roberto Crestani
Associados da área Previdenciária de Pinheiro Neto Advogados

Introdução

O Acordo Internacional de Previdência Social tem por objetivo principal garantir os direitos de seguridade social previstos nas legislações dos dois países (Brasil e Alemanha) aos respectivos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito, que estiverem em cada um dos países.

 No Acordo Internacional fica estabelecida a relação de prestação de benefícios previdenciários. Não implica, contudo, a modificação da legislação previdenciária brasileira e alemã. Cada país contratante deve analisar os pedidos de benefícios apresentados e decidir quanto aos direitos e condições, conforme legislação local aplicável.

 Esses acordos estão pautados na existência da reciprocidade entre os respectivos sistemas previdenciários, ou seja, os períodos de seguro e de contribuição para a Previdência Social do Estado Destino (local da prestação de serviços) será computado para a concessão do benefício previdenciário no Estado origem e vice-versa.

 No Brasil, o órgão gestor (instituição competente para conceder as prestações previstas nos Acordos) é o Instituto Nacional do Seguro Social (“INSS”), o qual operacionaliza os acordos por meio dos Organismos de Ligação, após a instrução dos processos pelos setores de atendimento ao público.

 Em 3.12.2009, o Brasil firmou com a Alemanha o Acordo de Previdência Social (“Acordo Brasil-Alemanha”) e o seu respectivo Protocolo Adicional. Posteriormente em dezembro de 2010 foram firmados os Ajustes Administrativos para a execução do Acordo Brasil-Alemanha.

 Entretanto, somente em 8.5.2013, os textos do Acordo Brasil-Alemanha e do seu respectivo Protocolo Adicional entraram efetivamente em vigor, com a publicação do Decreto Presidencial n° 8000/2013.

 O Deslocamento Temporário – Artigo 7º do Acordo Brasil-Alemanha

 Antes de abordar a questão referente a regra de deslocamento temporário e a emissão do Certificado de Deslocamento previsto no Acordo Brasil-Alemanha, vale esclarecer sob o ponto de vista previdenciário qual é o tratamento dado aos brasileiros transferidos para o exterior e os estrangeiros transferidos para o Brasil.

 De acordo com o artigo 22 da Lei n° 8.212, de 24.7.1991 (“Lei n° 8.212/91”), a base de cálculo da contribuição previdenciária devida pelas empresas é o total da remuneração paga, devida ou creditada a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados ou trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços.

 No caso de estrangeiros no Brasil, a princípio, o valor da remuneração paga no exterior a esse trabalhador não deveria ser considerado fato gerador pela empresa brasileira. No entanto, o artigo 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/91, estipula que as empresas integrantes do mesmo grupo econômico são solidárias entre si pelas obrigações previdenciárias. Desta forma, em vista do vínculo estabelecido entre as empresas, mesmo que o empregado/não empregado esteja recebendo parte de sua remuneração na empresa estrangeira, a responsabilidade pelo pagamento da contribuição previdenciária poderá ser atribuída à empresa brasileira por força do referido dispositivo.

 Além disso, a Instrução Normativa SIT n° 99/2012 determina que a remuneração paga ao empregado estrangeiro, em atividade no Brasil, independente do local em que for realizado o pagamento, integrará a base de cálculo para fins de incidência do FGTS e da contribuição previdenciária.

 Soma-se a isso, o disposto no artigo 6º, inciso V, da Instrução Normativa RFB n° 971/2009, o qual determina que será considerado segurado empregado da Previdência Social “o trabalhador contratado no exterior para trabalhar no Brasil em empresa constituída e funcionando em território nacional segundo leis brasileiras, ainda que com salário estipulado em moeda estrangeira, salvo se amparado pela Previdência Social de seu país de origem, observado o disposto nos Acordos Internacionais se porventura existentes

 No que se refere à transferência de brasileiros para o exterior, aplicam-se às regras e os conceitos de remuneração e grupo econômico, previstos nos artigos 22 e 30 da Lei n° 8.212/1991, respectivamente.

 Além disso, deve ser observado o disposto nos artigos 3º da Lei n° 7.064/1982; e a Instrução Normativa SIT n° 99/2012, nos quais está previsto que o salário contratual e o adicional de transferência (pago localmente ou no exterior) integram base de cálculo da contribuição previdenciária e do FGTS.

 Feitas essas ressalvas, cabe destacar que de acordo com o disposto no Acordo Brasil-Alemanha, como regra geral, aplica-se ao trabalhador transferido a legislação do Estado de destino (local da prestação de serviços).

 No entanto, de acordo com o artigo 7º do Acordo Brasil-Alemanha, se uma pessoa que habitualmente exerce atividade remunerada e dependente em uma das Partes for deslocada, no âmbito dessa relação de trabalho, pelo seu empregador, o qual exercer regularmente uma atividade econômica significativa no Estado de origem, para o território da outra Parte, a fim de realizar trabalho para esse mesmo empregador por um período previamente determinado, a legislação do Estado origem continuará a ser aplicada durante os primeiros 24 meses, como se o empregado transferido ainda estivesse trabalhando no território dessa Parte. Nesta situação deverá ser emitido o Certificado de Deslocamento (Formulários BR/DE 101 e DE/BR 101).

 Frise-se que o deslocamento previsto no artigo 7º do Acordo Brasil-Alemanha pressupõe que a empresa que desloca o respectivo funcionário exerça habitualmente uma atividade econômica significativa no país de origem do deslocamento. Os critérios relevantes para isso são o faturamento ou o número de empregados da empresa do Estado origem, durante o último ano fiscal[1].

 Nesse cenário, uma vez emitido o Certificado de Deslocamento, no caso de estrangeiro transferido para o Brasil entendemos ser defensável que sobre a remuneração paga a ele, a empresa brasileira não estará obrigada a efetuar o recolhimento da contribuição previdenciária, bem como a descontar a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador transferido. Entretanto, nesta situação a empresa brasileira deverá elaborar folha de pagamento e GFIP (obrigações acessórias) somente para fins de recolhimento do FGTS.

 Da mesma forma, o trabalhador brasileiro que for transferido para trabalhar para empresa do mesmo grupo econômico da sua empregadora brasileira na Alemanha, desde que obtenha o certificado de deslocamento na Alemanha, poderá se beneficiar durante os primeiros 24 meses das mesmas regras que já eram aplicadas no Brasil, de forma que a sua contribuição previdenciária no Brasil e os seus futuro benefício previdenciário a ser obtido e exercido no Brasil não sejam prejudicados por essa ausência temporária.

 Conclusão

 À medida que as empresas adotam políticas de expansão internacional com vistas a atingir um mercado mais amplo para os seus produtos, diversos desafios passam a ser enfrentados para a viabilização dos seus projetos. Um dos mais relevantes e que tem gerado preocupações nos últimos anos diz respeito às garantias oferecidas aos trabalhadores e colaboradores expatriados e os custos que isso possa implicar.

 Nesse ambiente é comum que empresas multinacionais que integram o mesmo grupo econômico façam com relativa frequência o intercâmbio de profissionais para aprimoramento ou estreitamento dos laços corporativos. Também é comum que a cúpula diretiva dessas empresas, principalmente nos seus primeiros anos de vida, seja formada por estrangeiros com fortes vínculos com o seu País de origem e que aqui residam temporariamente para aplicar as diretrizes da matriz aos negócios locais.

 É justamente nesse âmbito que o Acordo Previdenciário Brasil-Alemanha ganha especial relevo, particularmente com a regra de deslocamento temporário prevista no seu artigo 7º, que contribui sensivelmente para a melhora na administração dos planos de expatriação, na medida em que os trabalhadores deslocados temporariamente poderão, nos primeiros 24 meses, continuar aplicando e se beneficiando das mesmas regras previdenciárias que já eram aplicadas no seu País de origem (Brasil ou Alemanha), de maneira que não haverá interrupção na contribuição previdenciária desses expatriado durante esse período.

 Para finalizar, cumpre destacar que, segundo informações disponibilizadas pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha[2], o capital alemão representa aproximadamente 10% do PIB industrial do Brasil, sendo que apenas na região da Grande São Paulo existem mais de 800 subsidiárias de empresas alemãs que atuam nos mais diferentes setores da indústria e de serviços. Essas informações contribuem para dar uma noção da grandeza da relação econômica existente entre os dois países e, desse modo, o quanto o Acordo Previdenciário Brasil-Alemanha poderá beneficiar os trabalhadores e residentes em cada um dos dois países.



[1]Ajuste Administrativo do Acordo Brasil-Alemanha

“Artigo 2º – Deslocamento […]

(2) Como indício suficiente para uma atividade econômica significativa considera-se o mínimo de 25% do faturamento total da empresa ou emprego permanente de no mínimo de 25% dos empregados, no país de origem do deslocamento. Caso os percentuais sejam inferiores a 25% será necessária uma avaliação individual.”

[2]Vide o site www.ahkbrasilien.com.br/pt/

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