O ajuste SINIEF nº 19/12 e a obrigatoriedade de informação do valor da importação: questão tributária que pode interferir nas relações comerciais entre as empresas

por Rafael Balanin
Mestrando em Direito Tributário Pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2003). Advogado da área tributária – TozziniFreire Advogados.

 

Como vem sendo noticiado pela mídia, os Estados deram um passo considerado importante para a extinção da chamada “Guerra dos Portos”, talvez o aspecto da Guerra Fiscal mais criticado tanto pelos Estados que se colocam publicamente de maneira contrária às políticas de incentivos fiscais, como pelas empresas brasileiras que alegam que a concessão de incentivos fiscais para a importação afeta de maneira direta o desenvolvimento da economia brasileira.

Vale lembrar que a expressão “Guerra dos Portos” pode ser traduzida no conjunto de políticas de incentivos fiscais utilizadas por alguns Estados da Federação, com a redução da carga do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (“ICMS”) nas operações interestaduais com mercadorias importadas.

Para aqueles que defendem o fim desse tipo de incentivo fiscal, a concessão de reduções do ICMS incidente sobre as mercadorias importadas reduz o seu custo frente a seus similares nacionais, desestimulando a criação de empregos em território brasileiro e prejudicando a indústria nacional.

             Por conta dessas discussões, o Senado Federal publicou a Resolução nº 13, de 25.4.2012 (“Resolução nº 13/2012”), por meio da qual foi reduzida para 4% a alíquota do ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados. Na prática, sempre que houver importação de mercadorias, com operação posterior de remessa para estabelecimento localizado em outro Estado, a alíquota do tributo nessa operação interestadual será de 4%.

            O efeito prático dessa resolução é o de unificar a alíquota do ICMS nas operações interestaduais com importados, reduzindo a vantagem dos programas de benefícios fiscais concedidos na importação, reduzindo a parcela de ICMS que cabe ao Estado de origem da mercadoria e aumentando o valor do imposto que será devido ao Estado de destino (face à redução da alíquota interestadual).

            Somente em algumas exceções é que as alíquotas interestaduais anteriormente estabelecidas (de 7% ou 12%, dependendo do Estado de destino das mercadorias) continuarão sendo utilizadas. Uma das hipóteses é aquela na qual a mercadoria importada não tenha similar nacional, situação na qual as alíquotas anteriormente estabelecidas seriam mantidas.

            Outra hipótese, que talvez seja aquela que venha gerando maior discussão entre os contribuintes e que também autoriza a utilização das alíquotas anteriormente estabelecidas, é a saída interestadual de mercadorias que passaram por processo de industrialização, gerando produto final com Conteúdo de Importação de menos de 40%. Ou seja, se o valor das mercadorias importadas corresponder a menos de 40% da mercadoria remetida em operação interestadual, o contribuinte poderá manter as alíquotas usuais para operações interestaduais. 

            Para regulamentar essa exceção à regra da alíquota de 4% para as remessas de mercadorias importadas, o CONFAZ publicou o Ajuste SINIEF nº 19, de 7.11.2012 (“Ajuste 19/2012”). Contudo, como boa parte das inovações legislativas em matéria tributária, alguns nobres objetivos que se pretende alcançar têm como efeito colateral uma série de efeitos nocivos aos contribuintes.

            Assim, apesar de ter como objetivo a regulamentação da aplicação da alíquota de 4% e o estabelecimento de regras mais claras para definição do Conteúdo de Importação, o Ajuste 19/2012 ensejou discussões de natureza tributária e até comercial para as empresas que estão a ele submetidas.

            A primeira questão que se verifica da análise do Ajuste 19/2012 diz respeito à mecânica para aferição do Conteúdo de Importação, cujo parâmetro é apenas o valor da importação e o valor da operação interestadual.

            Assim, as transformações efetivamente realizadas durante o processo de industrialização não são relevantes para a definição do Conteúdo de Importação. De acordo com a mecânica adotada, apenas o valor financeiro agregado após a importação é que será considerado para identificação do Conteúdo de Importação, que sujeitará a mercadoria à nova alíquota estabelecida na Resolução (4%) ou aquelas anteriormente estabelecidas (7% ou 12%).

            Em vista dessa situação, pode se imaginar que o contribuinte possa pretender se furtar da necessidade de aplicação da alíquota de 4% pelo simples fato de agregar valor financeiro, ou seja, aumentar o preço da mercadoria para que o valor da importação represente menos do que 40% do valor de venda.

            Ou seja, independente da industrialização efetivamente realizada, poderia o contribuinte valer-se de atribuição de margem de lucro elevada para tentar justificar Conteúdo de Importação que autorizaria a manutenção das alíquotas anteriores.

            Com a utilização desse sistema para aferição de Conteúdo de Importação, a legislação desconsidera o objetivo último da alteração da alíquota do ICMS para as operações com mercadorias importadas, qual seja, a efetiva realização de processo industrial no Brasil.

            Além dessa questão, outro ponto que tem criado preocupação entre os contribuintes é a obrigatoriedade, estabelecida pelo Ajuste 19/2012, de fornecimento de informação relacionado ao Conteúdo de Importação, ou mesmo do valor da importação (para mercadorias que não sofrem qualquer tipo de industrialização) na Nota Fiscal que documente a remessa das mercadorias.

            Como é possível imaginar, o valor da mercadoria importada e o Conteúdo de Importação acabam por revelar o custo das mercadorias vendidas, informação considerada estratégia por grande parte dos contribuintes, que muitas vezes contam com estruturas de custo que permitem a manutenção de seu negócio em mercado extremamente competitivo.

            Acaso o acesso às informações do custo seja liberado para todos seus os clientes (e, em alguns casos, até para seus concorrentes), os contribuintes enfrentariam verdadeiro problema de ordem concorrencial, pois seriam obrigados a revelar informação sigilosa que, em muitos casos, consiste no âmago da estratégia adotada para o desenvolvimento de seu negócio.

            Assim, em última análise, a exigência de fornecimento de informações que permitem a terceiro identificar os custos incorridos pelo contribuinte pode representar ofensa ao princípio da livre concorrência, o qual é fundamental para resguardar a ordem econômica, tal como previsto no artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal[1].

            Em que pese o objetivo de reduzir as vantagens fiscais para as mercadorias importadas, o que o Ajuste 19/2012 acaba criando é exigência que compromete de maneira severa aspectos comerciais estratégicos dos contribuintes que estarão obrigados a fornecer tais informações.

            É conveniente ressaltar que essas informações relacionadas ao valor das importações das mercadorias, fornecidas ainda que indiretamente por meio do Conteúdo de Importação, não serão exigidas apenas do importador e revendedor, mas em todas as demais etapas, pelo menos até que se atinja o percentual de Conteúdo de Importação em valor inferior a 40%. Portanto, trata-se de exigência que gera consequências não apenas ao importador, mas a todos os participantes de diversas etapas da cadeia de circulação mercantil.

            O fornecimento indiscriminado de informações relacionadas ao valor das mercadorias importadas, que permite identificar o custo das mercadorias revendidas, é questão que merece análise mais cautelosa por parte das autoridades fiscais, com a identificação de outras soluções que não representem a divulgação de informações estratégicas do contribuinte.

            A esse respeito, outro aspecto que é relevante e deve ser considerado nesse caso é que esse é o tipo de informação que pode ser considerada sujeita ao sigilo fiscal, tal como previsto no caput do artigo 198 do Código Tributário Nacional[2].

           Como conclusão, em que pese a reconhecida necessidade de proteger a indústria nacional, evitando que os incentivos fiscais concedidos na importação representem ameaça ao desenvolvimento da economia brasileira, há que se ter em mente que essa proteção deve utilizar os mecanismos adequados, para que a solução não acarrete mais dificuldades ao contribuinte e o coloque em situação de indefinição e de ameaça de sua atividade comercial, hipótese na qual a resposta dada pelo Poder Público só trará o desincentivo ao exercício da atividade econômica, com resultado diametralmente contrário ao pretendido originalmente.



[1] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

IV – livre concorrência;

(…)”

[2] “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.”

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