Nova Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – A Compensação da Contribuição Retida na Fonte quando há Cessão de Mão de Obra e o Posicionamento do Fisco
por Daniella Zagari Gonçalves
Mestra em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo;
Advogada no escritório Machado Machado, Meyer, Sendacz e Opice, em São Paulo.
por Maria Eugênia Doin Vieira
Mestra em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Advogada no escritório Machado Machado, Meyer, Sendacz e Opice, em São Paulo.
1.Nova Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta
O Governo Federal desenvolveu o chamado Plano Brasil Maior estabelecendo sua política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período de 2011 a 2014, engajado no aumento da eficiência produtiva da economia como um todo.
No que se refere às contribuições previdenciárias, o Plano Brasil Maior trouxe substancial modificação na forma de apuração do montante devido, com o objetivo de reduzir a carga tributária das empresas, estimulando a formalização das relações de trabalho, conforme se depreende da Exposição de Motivos Interministerial nº 122/11.
A medida implementada foi a substituição da contribuição previdenciária patronal anteriormente recolhida sobre o total da remuneração paga aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais à alíquota de 20% (vinte por cento), nos termos do art. 22, I e III, da Lei n° 8.212/91 (denominada contribuição sobre a folha), por contribuição previdenciária substitutiva calculada sobre a receita bruta (Parecer Normativo RFB nº 3/12), aplicando-se alíquotas que variam de 1 a 2,5%, de acordo com o período e atividade desempenhada.
A contribuição previdenciária substitutiva é regida pela Lei n° 12.546/11 e regulamentada pelo Decreto n° 7.828/12. Os arts. 7º e 8º da Lei relacionam os segmentos econômicos alcançados por essa medida, destacando empresas que prestam serviço de Tecnologia da Informação – TI, Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, call center, transporte e hotelaria, além de especificar atividades industriais e varejistas também sujeitas ao recolhimento da contribuição previdenciária substitutiva.
Embora o escopo da norma tenha sido a redução da carga tributária incidente nas atividades indicadas, em algumas situações o efeito prático foi exatamente o contrário, gerando a oneração ainda maior da operação, em razão de reduzida folha de pagamentos. Por se distanciar completamente do contexto do Plano Brasil Maior e do próprio escopo da norma, essas situações devem ser abordadas individualmente, existindo fundamentos para se questionar a sistemática substitutiva.
Com relação às obrigações acessórias, o contribuinte sujeito à contribuição previdenciária substitutiva deve informar na EFD-Contribuições e em DCTF (IN n° 1.110/10) os valores devidos, procedendo ao recolhimento em Guia DARF, de forma centralizada na matriz da empresa.
Vale ressaltar que o recolhimento do GILRAT, previsto no art. 22, II, da Lei n° 8.212/91 não foi alterado, permanecendo a obrigação de seu recolhimento com base na sistemática tradicional, conforme informado em SEFIP/GFIP, e recolhido em GPS. Tampouco foi alterada a forma de apuração e recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e contribuintes individuais, nem tampouco destinadas a terceiros, mantida a sistemática anterior à Lei n° 12.546/11.
Caso o contribuinte sujeito à contribuição previdenciária substitutiva aufira receitas decorrentes de atividades não incentivadas em montante superior a 5% (cinco por cento) de sua receita bruta, estará sujeito à sistemática mista no cálculo das contribuições previdenciárias, a teor do art. 9º, § 1º, II, e §5º, da Lei n° 12.546/11, segundo o qual deve ser recolhida a contribuição previdenciária sobre a folha de salários proporcionalmente a essa parcela (Solução de Consulta n° 15, de 14/01/13).
2.Previsão Legal de Retenção nos Casos de Cessão de Mão de Obra
Ressalte-se que as diversas alterações legislativas dispondo sobre a contribuição previdenciária substitutiva não se preocuparam em suprimir a previsão do art. 31 da Lei n° 8.212/91, relativa à necessidade de retenção de 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura imposta às empresas contratantes de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, com seu respectivo recolhimento em nome da empresa cedente da mão de obra.
Embora salte aos olhos a incompatibilidade dessa retenção com a sistemática da contribuição previdenciária substitutiva – pois além de não refletir a desoneração fiscal pretendida, é mecanismo de arrecadação da contribuição incidente sobre a folha de pagamento (AgRg no Ag 1.329.842/BA)-, possível que os tomadores desses serviços, na qualidade de responsáveis tributários pelo valor da retenção desde a Lei n° 9.711/98 (art. 128 do CTN), não deixem de dar cumprimento ao disposto no art. 31 da Lei n° 8.212/91, salvo se sob o amparo de decisão judicial reputando-a indevida.
Especificamente no que tange à execução dos serviços de TI e TIC, call center, e, ainda, de empresas do setor hoteleiro e de transporte rodoviário coletivo de passageiros, a legislação se preocupou em trazer para a realidade da contribuição previdenciária substitutiva a necessidade de retenção nos casos de cessão de mão de obra. Assim, em relação a essas atividades, quando prestadas mediante cessão de mão de obra, o art. 7º, §6º, da Lei n° 12.546/11, com a redação dada pelo art. 55 da Lei n° 12.715/12, impôs a necessidade de retenção de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura.
Em qualquer das hipóteses de retenção, seja de 11% com base no art. 31 da Lei n° 8.212/91, seja de 3,5% com base na Lei n° 12.546/11, deve ser assegurado ao cedente de mão de obra o aproveitamento dos valores retidos, abatendo-os do montante a ser recolhido a título de contribuições previdenciárias, tal como regularmente assegurado na sistemática tradicional de recolhimento (art. 31, §1º, da Lei n° 8.212/91), mediante campos próprios da GFIP.
3.Compensação da Contribuição Retida na Fonte e o Posicionamento do Fisco
Por meio da Solução de Consulta n° 50, de 23 de agosto de 2012, o Fisco manifestou entendimento de que a retenção de 11% deve ser realizada mesmo no caso das atividades alcançadas pela contribuição previdenciária substitutiva, sendo que o aproveitamento do valor retido está atrelado à contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento, conforme trecho em destaque:
“Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de dois por cento, as empresas que prestam os serviços de tecnologia da informação-TI e de tecnologia da informação e comunicação-TIC, referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei nº 11.774/2008. As empresas que prestam serviços de tecnologia da informação-TI e de tecnologia da informação e comunicação-TIC mediante cessão de mão de obra estão sujeitas à retenção de que trata o art. 31 da Lei nº 8.212/1991. A retenção de que trata o art. 31 da Lei nº 8.212/1991, pode ser compensada, pela empresa cedente da mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço, não havendo previsão legal para a compensação da referida retenção com a contribuição substitutiva instituída pelo art. 7º da Lei nº 12.546/2011, incidente sobre a receita bruta. Restando saldo em seu favor, a empresa poderá compensá-lo nas competências subsequentes ou pedir a sua restituição.”
Ao que tudo indica, o entendimento adotado na Solução de Consulta acima foi o de que a retenção de 11% (onze por cento), efetuada de acordo com Lei n° 8.212/91, não seria passível de compensação na sistemática da Lei n° 12.546/11. Sob esse prisma, pode-se entender que a disposição do art. 31, §1º, da Lei n° 8.212/91 é bastante clara ao assegurar que “o valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.”
Porém, considerando que a retenção de 11% (onze por cento) foi acolhida pela jurisprudência como mecanismo de arrecadação da contribuição incidente sobre a folha de pagamento, esse mesmo fundamento apenas reforça a impertinência da retenção nos casos da contribuição previdenciária substitutiva.
Ou seja, em detrimento do procedimento de aproveitamento dos valores retidos para abatimento do tributo devido, conforme sedimentado no âmbito da GFIP, onde o contribuinte encontrava os campos próprios para declarar e aproveitar o valor da retenção, a interpretação do fisco esvaziou os alicerces da retenção como mecanismo de arrecadação mediante retenção na fonte para o caso das contribuições previdenciárias.
A prevalecer esse entendimento fiscal, o contribuinte somente poderá aproveitar o valor da retenção sofrida para compensação com o valor do GILTAT e da contribuição previdenciária do empregado e dos contribuintes individuais – todos eles mantidos na sistemática tradicional de apuração e recolhimento-, o que poderá resultar no acúmulo de créditos a serem aproveitados nos períodos subsequentes ou na necessidade de pedidos de restituição.
Não é por outro motivo que diversos contribuintes nessa situação estão se utilizando da PER/DCOMP para aproveitar esses valores, ou seja, estão adotando procedimento mais complexo, sujeito à homologação pela Receita Federal, que poderá impor óbices a tal aproveitamento, exigindo prova documental do direito creditório previamente à homologação.
Note-se que essa Solução de Consulta antecede a imposição legal de retenção de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços veiculada já na sistemática da contribuição previdenciária substitutiva pelo art. 7º, § 6º, da Lei n° 12.546/11.
Assim, embora seja questionável a prevalência da retenção de 11% em concomitância com a contribuição previdenciária substitutiva, certamente que a retenção de 3,5% para os casos especificados na Lei n° 12.715/12 não deixa margens para questionamento, impondo a necessidade de a Receita Federal ajustar seus sistemas, para permitir o imediato e célere aproveitamento desses valores (atualização do SEFIP/GFIP).
4.Conclusões
- ·os contribuintes alcançados pela Lei n° 12.546/11 passam a recolher contribuição previdenciária substitutiva calculada sobre a receita bruta, sendo o escopo da norma a redução da carga tributária. São, pois, passíveis de eventual questionamento as hipóteses que, na prática, conduzam à oneração de sua operação em decorrência dessa nova sistemática;
- ·entendemos que a retenção de 11% prevista na Lei n° 8.212/91 é incompatível com essa nova sistemática, embora não tenha sido alterado o dispositivo legal correlato;
- ·a incompatibilidade é corroborada pelo entendimento manifestado na Solução de Consulta n° 50/12, pois o Fisco não entende ser cabível a compensação dos valores retidos com base na Lei n° 8.212/91 com os valores devidos a título de contribuição previdenciária substitutiva;
- ·o contribuinte se expõe a procedimento mais complexo, sujeito à homologação pela Secretaria da Receita Federal ao aproveitar os valores retidos mediante compensação via PER/DCOMP;
- ·para que seja legítima e consentânea como o sistema jurídico, a compensação de valores eventualmente retidos a tal título deve ser assegurada em procedimento simplificado, dispensando PER/DCOMP.