Medida Provisória nº 563, de 3.4.2012 – Alterações nas regras de Preços de Transferência – O novo método do Preço de Revenda menos Lucro (“PRL”)

por Luciana Rosanova Galhardo
Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP/SP
Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP – COGEAE – PUC/SP
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP/SP
Sócia de Pinheiro Neto Advogados

por Jorge N. F. Lopes Jr.
LLM em International Taxation pela New York University School of Law
Especialista em Direito Tributário pela Universidade Católica de São Paulo/SP – COGEAE – PUC/SP
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP/SP
Advogado Associado de Pinheiro Neto Advogados

porFelipe Cerrutti Balsimelli
Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – GVLaw
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Advogado Associado de Pinheiro Neto Advogados

 

O Governo Federal, no contexto do Plano Brasil Maior, editou a Medida Provisória nº 563, de 3.4.2012 (“MP 563/12”), que, dentre uma série de medidas de incentivo a empresas do setor industrial, promoveu finalmente alterações nas regras de Preços de Transferência disciplinadas pela Lei 9.430/96, em especial quanto à aplicação do Método Preço de Revenda menos Lucro (“PRL”).

A MP 563/12 substituiu os atuais métodos PRL 20% e PRL 60%, aplicáveis, respectivamente, a bens adquiridos para revenda (margem de lucro de 20%) e insumos utilizados na industrialização (margem de lucro de 60%); para um único método PRL, que não distingue os percentuais da margem de lucro em decorrência da destinação do produto, mas sim conforme o setor econômico de atuação da pessoa jurídica.

De acordo com o “novo” método PRL, as margens de lucro aplicáveis para apuração do preço parâmetro são de: (i) 40% para empresas fabricantes de produtos farmoquímicos e farmacêuticos, fumo, equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e cinematográficos, atividades relacionadas ao comércio de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso odontomédico-hospitalar, extração de petróleo, gás natural e fabricação de derivados de petróleo; (ii) 30%, para empresas fabricantes de produtos químicos, vidros, produtos de vidro, celulose, papel, produtos de papel e ligadas à metalurgia; e (iii) 20%, para todos os demais setores (regra geral).

É positiva a eliminação do método PRL 60% e manutenção apenas do PRL 20% (exceção feita a setores específicos, em que se justifica a aplicação de margens diferenciadas), pois, como se verifica da própria exposição de motivos da MP 563/12, essa medida “fará com que os controles em questão não mais sejam relevantes na tomada de decisões quanto à forma de atuação das entidades sujeitas aos controles de preços de transferência no Brasil, bem como eliminará inúmeros litígios concernentes à conceituação do que venha a ser ‘submissão a processo produtivo no País’”.

 Em que pesem as novidades relativas às margens de lucro acima, a metodologia de cálculo do “novo” PRL trazida pela MP 563/12 foi importada da Instrução Normativa SRF nº 243, de 11.11.2002 (“IN 243/02”), objeto de grande controvérsia e disputas entre Fisco e contribuintes, tanto na esfera administrativa como na judicial. Isso porque a IN 243/02, ao estabelecer critérios para o cálculo do PLR 60% não previstos na Lei 9.430/96, acabou por majorar a carga tributária dos contribuintes sem a necessária previsão legal.

 A MP 563/12, ao adotar a metodologia de cálculo da IN 243/02 para apuração do PRL, acabou por: (i) legalizar a aplicação dessa metodologia para os períodos posteriores à vigência da MP 563/12 (3.4.2012 ou a partir de 2013, conforme opção do contribuinte); e (ii) reconhecer de forma tácita a ilegalidade dessa metodologia para os períodos anteriores à vigência da aludida MP, pois desprovida de base legal (as disposições da IN 243/02 inovaram em relação à Lei 9.430/96). A seguir, será examinada a ilegalidade da metodologia de cálculo estabelecida pela IN 243/02, bem como sua legalização somente a partir da vigência da MP 563/12.

(a) Breve Histórico

 Com a edição da Lei 9.959/00 foi permitida a utilização do método PRL no caso da importação de bens aplicados à produção. A alteração trazida em relação à sistemática anterior é que deveria ser considerada uma margem de lucro de 60%, calculada sobre o preço de revenda, diminuído das deduções previstas na Lei 9.430/96 e do valor agregado no País.

 Nos termos da Instrução Normativa nº 113, de 19.12.2000 (“IN 113/00”), e da Instrução Normativa nº 32, de 30.3.2001 (“IN 32/01”), na hipótese de bens aplicados à produção, o preço parâmetro para comparação corresponderia à diferença entre o preço líquido de venda e a margem de lucro de 60% (critério que observava os limites da Lei 9.430/96, conforme alterações da Lei 9.959/00).

 A IN 113/00 e a IN 32/01 deixavam claro que o método PRL deveria ser calculado com base no preço de venda do bem produzido, e que este deveria ser tomado em seu valor absoluto. Com base nesse valor, seriam feitas as deduções previstas em lei e diretamente calculada a margem de lucro. Finalmente, a margem de lucro seria diretamente diminuída do preço líquido de venda, para apuração do preço parâmetro, sem qualquer cálculo adicional.

 Todavia, a IN 243/02 alterou a estrutura do PRL no caso de bens aplicados à produção, exigindo um procedimento adicional. Nos termos da IN 243/02, seria necessário efetuar um cálculo proporcional sobre o preço líquido de venda, a fim de expurgar o valor agregado no Brasil para somente depois determinar o valor da margem de lucro e o preço parâmetro aplicável (art. 12, § 11, incisos I a V). Ocorre que as disposições trazidas pela IN 243/02 não estão em qualquer lugar previstas na Lei 9.430/96 e têm implicações significativas, provocando um aumento substancial no valor dos ajustes tributáveis.

(b) Impossibilidade de majoração da base de cálculo de tributo por Instrução Normativa

Os ajustes determinados pelas regras de preços de transferência estão são diretamente agregados à base de cálculo do IRPJ e da CSL, interferindo na determinação do montante do tributo devido pelo contribuinte. Assim, nota-se que a alteração no modo de cálculo do PRL modifica o próprio critério de determinação da base de incidência tributária. Contudo, tal modificação não poderia ser introduzidapor uma Instrução Normativa, que é norma secundária de direito tributário.

No Direito Tributário vigora a estrita legalidade, segundo a qual toda e qualquer disposição no sentido de instituir ou aumentar tributo deve estar contida em lei. De acordo com disposto no artigo 97 do CTN, somente a lei pode fixar a alíquota e a base de cálculo do tributo, ou majorar sua cobrança. Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

A alteração havida na sistemática de cálculo do PRL implica justamente mudança na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSL, tornando tais tributos mais onerosos. Como visto, uma alteração desse tipo só poderia ser implementada por lei (ou por Medida Provisória), e não por meio de instrução normativa, sob pena de afronta ao artigo 97 do CTN.

A este respeito, em 14.3.2012, a 1ª Turma da 3ª Câmara da 3º Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) decidiu pela inaplicabilidade da IN 243/02 para o ano-calendário de 2002, sendo a primeira decisão que reconheceu não se tratar a IN 243/02 de norma meramente interpretativa. E muito recentemente, em 10.5.2012, a 2ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF decidiu que a IN 243/02 é ilegal, independente do ano de aplicação, constituindo a primeira decisão de mérito favorável aos contribuintes nesse sentido.

(c) A MP 478/09 e 563/12, e o reconhecimento expresso da falta de fundamento legal da IN 243/02

 Em vista da falta de fundamento legal do cálculo do método PRL 60 introduzido pela IN 243/02, o próprio Ministério da Fazenda reconheceu a necessidade de lei para tanto, ao editar a Medida Provisória nº 478, de 29.12.2009 (“MP 478/09”), e recentemente a MP 563/12.

 A Exposição de Motivos da MP 478/09, preparada por aquele órgão, reconheceu expressamente que as alterações no critério de cálculo da sistemática dos preços de transferência previstos na Lei nº 9.430/96 visavam “instituir, em dispositivo legal, […] medidas que hoje constam apenas em Instrução Normativa”, e assim “reduzir a litigiosidade que a matéria tem suscitado. Embora a MP 478/09 não tenha sido convertida em lei, o texto que introduzia a respeito do método PVL era praticamente uma cópia das disposições da IN 243/02 (e bem diferente da Lei 9.430/96), apenas com mudança na margem de lucro, que na ocasião era de 35%.

 Portanto, a MP 478/09 constituía importante indicativo da falta de fundamento legal da IN 243/02. A recente edição da MP 563/12 reforça tal entendimento, pois reproduz a sistemática de cálculo adotada pelas disposições da IN 243/02 e da MP 478/09, porém, pretendendo alterar apenas margem de lucro para aplicação do PRL por meio de normativo com força de lei.

 Para afastar as distorções criadas pelas regras até então vigentes, a MP 563/12 pretende extinguir as margens fixas de 20% e 60% (que dão margem à aplicação dos métodos PRL 20 e 60) por produto, determinando a aplicação de margens fixas de 20%, 30% ou 40%, conforme o setor econômico da pessoa jurídica sujeita às regras de Preços de Transferência.

 Nota-se, da exposição de motivos da MP 563/12, que tais alterações (manutenção da sistemática da IN 243/02 e alteração das margens de lucro conforme setor econômico) têm a finalidade primordial de “eliminar os inúmeros litígios” e afastar a “enorme insegurança jurídica no que toca à matéria”. Ademais, no que tange à produção de efeitos da MP 563/12, o texto de exposição de motivos salienta que “como algumas das alterações introduzidas pelos artigos 38 e 40 da Medida Provisória podem implicar em aumento de tributo, em atenção ao princípio da anterioridade, foi estabelecido que a produção de efeitos ocorreria em 2013”, sendo opção do contribuinte a aplicação das novas regras a partir do ano-calendário de 2012.

 Muito embora seja questionável a aplicação dos efeitos da MP 563/12 a partir de 2012, certo é que, para períodos anteriores ao ano corrente, tais disposições são inaplicáveis. Logo, do exposto acima, é possível concluir que:

 (i) para períodos anteriores a 2013 (ressalvada a hipótese de o contribuinte optar pela aplicação das novas regras no ano corrente), a metodologia de cálculo do PRL conforme a IN 243/02 é inaplicável, devendo prevalecer os cálculos baseados na sistemática da Lei 9.430/96, regulamentada pelas INs 113/00 e 32/01; e

 (ii) somente para os períodos posteriores a 2013, poderão consideradas válidas as disposições da IN 243/02 no tocante à sistemática de apuração do método PRL, já que validadas por normativo com força de lei (Medida Provisória passível de conversão em lei).

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