LC 118: STJ altera seu posicionamento anterior e segue a orientação do STF

por Carlos Henrique Tranjan Bechara
Sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Professor de Direito Financeiro e Tributário da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Graduado pela Faculdade de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio de Janeiro
Mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro

 por Rodrigo Martone
Associado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo
Mestre em Direito Tributário pela Georgetown University, Washington, D.C. (Graduate Tax Scholarship)

 

A Lei Complementar 118 (“LC 118”) reduziu de 10 (dez) para 5 (cinco) anos o prazo que o contribuinte dispõe para a recuperação de tributos sujeitos ao lançamento por homologação indevidamente recolhidos.

 Apesar da LC 118, publicada em 9 de fevereiro de 2005, possuir um período de vacatio legis de 120 dias (isto é, os seus termos deveriam produzir efeitos apenas após 9 de junho de 2005), a segunda parte do artigo 4º da referida lei mencionava que a redução do prazo de prescrição, por tratar de questão meramente interpretativa, deveria ser aplicada retroativamente, conforme a regra prevista no artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional (“CTN”)[1].

 Em novembro de 2007, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), ao analisar o assunto, em sede de Argüição de Inconstitucionalidade nos Embargos de Divergência no Recurso Especial (“RESP”) nº 644.736/PE, reconheceu a inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC 118, que determinava a aplicação retroativa do novo prazo de prescrição de 5 (cinco) anos.

 Com base nesse entendimento firmado pela Corte Especial, a Primeira Seção do STJ proferiu a decisão no RESP nº 1.002.932/SP, julgado pela sistemática de Recurso Representativo de Controvérsia, prevista no parágrafo sétimo, do artigo 543-C, do Código de Processo Civil (“CPC”), estabeleceu que o prazo para o contribuinte pleitear a restituição dos tributos recolhidos indevidamente deveria ser aplicado de acordo com a data em que foi recolhido o tributo.

 Em outras palavras, os contribuintes teriam o prazo de (i) 5 (cinco) anos para pleitearem a devolução dos recolhimentos efetuados indevidamente a partir de 9 de junho de 2005 e (ii) 10 (dez) anos para pleitearem a devolução dos recolhimentos indevidos efetuados anteriormente a 9 de junho de 2005, limitado a 5 (cinco) anos do início da vigência da LC 118, ou seja, 9 de junho de 2010.

 Na ótica da Primeira Seção do STJ, a LC 118 claramente criou novo direito, não se configurando como lei meramente interpretativa, de forma que as disposições sobre o novo prazo prescricional de 5 (cinco) anos não se aplicam até sua entrada em vigor. Além disso, a Primeira Seção também entendeu que a LC 118 violou os princípios da autonomia e independência dos poderes, bem como o princípio da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

Posteriormente, em agosto de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) analisou essa mesma questão e negou provimento ao Recurso Extraordinário (“RE”) nº 566.621/RS, apresentado pela União Federal, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, reconhecendo a inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC nº 118/05.

 Basicamente, o entendimento que prevaleceu no Plenário do STF foi o de que a LC 118 não se caracteriza como lei interpretativa e, ainda, inovou na ordem jurídica ao reduzir o prazo prescricional para a recuperação de tributos recolhidos indevidamente pelo contribuinte, razão pela qual deve submeter-se aos condicionamentos de qualquer lei nova, não podendo retroagir para atingir situações pretéritas. Nesse sentido, os ministros do STF entenderam que a aplicação retroativa da LC 118 fere o princípio da segurança jurídica, em especial os princípios da proteção da confiança e da garantia ao acesso à Justiça, que são a ele vinculados.

 Houve, entretanto, um ponto específico sobre o qual o Plenário do STF divergiu com relação ao posicionamento anteriormente manifestado pela Corte Especial do STJ. O STF entendeu que o prazo de vacatio legis de 120 dias previsto na LC 118 permitiu que os contribuintes não apenas tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias em busca da tutela dos seus direitos. Com isso, o STF utilizou uma regra de transição muito menos benéfica do que aquela utilizada pelo STJ (data do ajuizamento da ação versus data do recolhimento indevido).

 Em seu voto, para fundamentar o entendimento de que o prazo de vacatio legis previsto na LC 118 seria suficiente para que os contribuintes ajuizassem as ações pleiteando a restituição de tributos recolhidos indevidamente, a ministra Ellen Gracie citou precedentes anteriores do STF como o julgamento realizado sobre a Lei 2.437/55, a qual reduziu diversos prazos estabelecidos pelo Código Civil de 1916 (relativo ao usucapião, por exemplo), em que foi firmado o mesmo entendimento de que no prazo de vacatio legis foi dada oportunidade suficiente aos interessados para ajuizarem suas ações. A ministra relatora também citou a Súmula nº 445 do STF, que dispõe acerca da aplicação do prazo prescricional estabelecido por essa mesma lei, dizendo ser a mesma aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência, exceto quanto aos processos que já estavam pendentes.

 Dessa forma, ficou decidido pelo STF que apenas os contribuintes que ingressaram com medida judicial pleiteando a restituição de tributos até 9 de junho de 2005 têm direito à sistemática dos 10 (dez) anos. Por outro lado, os contribuintes que ingressaram com ação depois de 9 de junho de 2005 têm direito apenas à sistemática de 5 (cinco) anos para a recuperação dos tributos recolhidos indevidamente, independentemente se o recolhimento foi realizado antes da entrada em vigor da LC 118.

Tendo em vista a existência de divergência entre o posicionamento manifestado pelo STJ em novembro de 2007 e aquele firmado pelo STF em agosto de 2011, especificamente com relação às regras de transição para a aplicação da LC 118, o STJ, no último dia 12 de junho de 2012, quando do julgamento do RESP nº 1.118.781/PR, decidiu revisitar o tema e alterar seu posicionamento anterior.

Nesse julgamento, o STJ mencionou expressamente que “(…) o egrégio STF concluiu o julgamento de mérito do RE 566.621⁄RS em repercussão geral, em 4.8.2011, afastando parcialmente a jurisprudência do STJ fixada no REsp 1.002.932⁄SP (repetitivo) (…) o STF ratificou a orientação do STJ, no sentido de ser indevida a retroatividade do prazo de prescrição quinquenal, nos termos da LC 118⁄2005, para o pedido de repetição do indébito relativo a tributo lançado por homologação. Entretanto, em relação ao termo e ao critério para adotar a novel legislação, entendeu válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9.6.2005, afastando o óbice à incidência sobre pagamentos realizados antes do início de vigência da LC 118⁄2005, como o STJ vinha decidindo (…) a Primeira Seção deliberou, no dia 24.8.2011, pela imediata aplicação da jurisprudência do STF (…).

Como se pode verificar, portanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores com relação à inconstitucionalidade da LC 118 e às regras de transição para a sua aplicação  está agora alinhada. Vale ressaltar que os precedentes estabelecidos pelos Tribunais têm por objetivo, antes de tudo, determinar comportamentos, pois, com base nas premissas firmadas pelos tribunais em suas decisões, os contribuintes sabem como determinado assunto será julgado pelo Poder Judiciário.

Dessa forma, o fato de o STJ ter se alinhado à jurisprudência do STF não apenas demonstra segurança jurídica aos contribuintes, mas também e principalmente obediência ao juízo de retratação previsto no artigo 543-B, §3º, do CPC, que estabelece a possibilidade de os Tribunais se retratarem e alterarem seus julgados depois que o STF define determinado tema.

Diante do exposto acima, levando em consideração as decisões proferidas no RE nº 566.621/RS e no RESP nº 1.118.781/PR, a questão quanto à irretroatividade da LC 118/05 está devidamente pacificada no âmbito do STF e do STJ, devendo os contribuintes considerarem o prazo prescricional de 10 (dez) anos para as ações ajuizadas até 9 de junho de 2005 e de 5 (cinco) anos para as ações ajuizadas a partir de 9 de junho de 2005.



[1]“Artigo 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”.

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