ISS e a Exportação de Serviços: Nova visão dos Tribunais
por Gustavo Goiabeira de Oliveira
Sócio de Motta, Fernandes Rocha Advogados
formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes
MBA em Petróleo e Gás pela Coppe/UFRJ
MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas
Atua nas áreas de tributário (contencioso e consultivo), planejamento fiscal, fusões e aquisições
Fernanda Lopez Marques da Silva
Advogada de Motta, Fernandes Rocha Advogados
formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
com especialização em Direito Processual Tributário pela Universidade Cândido Mendes e especialização em Processo Fiscal pela Associação Brasileira de Direito Financeiro
Atua nas áreas de tributário (contencioso e consultivo), planejamento fiscal, fusões e aquisições
I. Previsão Constitucional e Lei Complementar nº 116/2003
A Constituição Federal, em seu art. 156[1], com redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 3/93 e nº 37/2002, trouxe previsão de instituição do ISS pelos municípios, fazendo ressalva, em seu parágrafo 3º de que caberia à lei complementar excluir da incidência desse imposto as exportações de serviços para o exterior.
O comando constitucional que remete à lei complementar a tarefa de detalhar a exclusão da incidência do ISS sobre as exportações de serviços tem como objetivo último o de servir como ferramenta de desoneração dos bens e serviços brasileiros exportados visando, inclusive, dar competitividade aos brasileiros prestadores de serviços. Diante da expressa determinação constitucional, foi editada a Lei Complementar (“LC”) nº 116/2003, que em seu art. 2º repete o comando constitucional, mas em seu parágrafo único inova:
“Art. 2o O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
II – a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados;
III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
Quanto à aplicação do parágrafo único do art. 2º acima reproduzido, o legislador se preocupou em estabelecer que um serviço prestado no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, não seja considerado serviço exportado para fins de isenção do ISS. Isso significa que o mesmo legislador, a contrário senso, deve admitir que um serviço prestado no Brasil possa ter resultado em território estrangeiro e, nesse caso, estar incluso na hipótese de não incidência do ISS.
Nesse sentido, buscando dar sentido à disposição legal contida na LC nº 116/2003, destacamos entendimento de Gabriel Lacerda Troianelli e Juliana Gueiros[2]:
“A Lei Complementar 116/03 a um só tempo cria o benefício à exportação do serviço e estabelece limite a ser observado pelo contribuinte para sua fruição: que o resultado do serviço aqui não se verifique.
(…) Por ter como objetivo o incentivo às exportações brasileiras, é plenamente coerente que o legislador de plano desconsidere exportação aquilo que exportação de fato não é. Por essa razão é que a Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja exportação de serviço desenvolvidos no Brasil para o exterior que o resultado da atividade contratada não se verifique no País.
Parece-nos que a intenção do legislador complementar foi instituir uma “norma antielisão” do ISS, criando obstáculos à criação de mecanismos internacionais de planejamento fiscal envolvendo o imposto municipal. O fato de ter o pagamento do serviço origem em fonte no exterior ou acontecer no exterior em nada altera a destinação do serviço.(…)
De substancial importância, portanto, a compreensão do conteúdo do termo resultado, da forma como colocado no parágrafo único do art. 2° da Lei Complementar 116/03. Na acepção semântica, resultado é conseqüência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter conseqüências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem se produzir em qualquer outro país que não o Brasil.(…).”
Embora a LC nº 116/2003 tenha acertado em trazer a hipótese de não incidência, conforme determinação constitucional, criou também condição adicional à norma presente na Constituição Federal, estipulando como requisito para a não incidência a demonstração do local em que se verifica o resultado do serviço prestado. Todavia, ao legislador complementar foi conferido somente o poder de excluir da incidência do ISS as exportações de serviços, não tendo sido mencionado pelo constituinte nenhum tipo de poder ou autorização para restringir norma constitucional.
De fato, ao tratar da desoneração das exportações prevista no art. 156, § 3º, II da Constituição Federal, o legislador complementar inseriu no parágrafo único no art. 2º da LC 116/03 exigência de que o resultado do serviço se verifique no exterior, condição não veiculada no texto constitucional.
Ao fazê-lo, portanto, entendemos que o legislador infraconstitucional extrapolou de suas competências pretendendo limitar desoneração fiscal não limitada pela própria Constituição. Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coelho[3] defende que: “(…) a lei complementar não pode restringir o poder do constituinte. Se o fizesse, estaria a alterar a Constituição.”
E de outro modo não se pode concluir, haja vista que a limitação criada pela lei complementar mediante suposta regulamentação está, em verdade, a restringir hipótese que o próprio constituinte não quis restringir, criando limites ao tratamento fiscal que o próprio constituinte originário não quis limitar.
De fato, o comando constitucional determina que à lei complementar caberá excluir da incidência do ISS as receitas decorrentes de exportação de serviços, não contemplando nenhum tipo de autorização para a criação de obstáculos a este tratamento fiscal, muito menos obstáculos que esvaziam o sentido da norma constitucional.
Nesse ponto se destaca ainda que toda a legislação de regência de outros tributos, notadamente o ICMS, PIS e COFINS, ao dispor sobre benefícios similares à exportação de mercadorias e serviços atingidos por tais exações nunca criaram barreira (inconstitucional) semelhante a ora criada pela LC 116/03.
Assim, ao editar a LC 116/03 e incluir no seu art. 2º a exceção prevista no parágrafo único de que não se enquadram na hipótese de não incidência “os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”, entendemos que o legislador infraconstitucional extrapolou do comando constitucional.
Não obstante, admitindo como em válida a limitação imposta pelo parágrafo único do art. 2º, importante verificar o conceito de “resultado”, bem como a forma como têm se posicionado os nossos tribunais.
II. Conceito de “Resultado”
Esclarecendo em que consiste o “resultado” e a aferição do local onde se verifica para fins de incidência ou não do ISS, cita-se, respectivamente, Roque Antonio Carrazza[4], Mariana Oiticica Ramalho[5] e Marcelo Marques Roncáglia[6]:
“O termo ‘resultado’, agora em foco, tem acepção, pois, de prestação de serviço em favor de não-residente – vale dizer, de pessoa que, no exterior, dele se beneficia diretamente. Em suma, o tomador do serviço deve ser não-residente para que o prestador tenha reconhecida sua isenção ao ISS.”
“(…) para caracterizar a exportação de serviços não basta que o serviço seja pago por não-residente; é necessário que seja prestado para não-residente.” (grifos nossos)
“A isenção concedida às exportações de serviços está condicionada apenas a que o resultado da prestação do serviço se verifique no exterior. Essa circunstância, por sua vez, ocorrerá sempre que a utilidade (produto) decorrente da prestação de serviços seja fruída no exterior. (…) o local onde estiver seu destinatário deverá ser considerado como o lugar onde se verifica o seu resultado.”
Luís Eduardo Schoueri[7] define local do resultado da seguinte maneira:
“Onde o serviço trouxe utilidade (…) Na contratação de um advogado em juízo, a utilidade dar-se-á no lugar onde ocorre a lide; num serviço de topógrafo, no lugar onde estiver o terreno etc.”
O resultado é, portanto, a utilidade, a consequência, o efeito, o objetivo do contrato celebrado, que não se confunde com a execução em si, mas com o produto final desta execução gerado pelo prestador do serviço ao tomador do serviço.
Frise-se também que o resultado do serviço não é qualquer efeito por ventura gerado, mas sim aquele que o contratante dos serviços visou. Esta interpretação é compartilhada por Gabriel Lacerda Troianelli e Juliana Gueiros[8] ao destacarem não ser qualquer resultado o resultado mencionado no parágrafo único do art. 2º da LC nº 116/2003, mas aquele que se consubstancie como “objetivo da contratação e da prestação”, ou seja, que compunha o objeto da requisição do serviço.
Neste mesmo sentido, destaca-se o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento único sobre o tema, no Recurso Especial nº 831.124. Naquela oportunidade, por não vislumbrar o direito da parte interessada, entendeu a Corte pela negativa do pleito formulado. Contudo, reconheceu o Tribunal que o sentido do termo “resultado” deve ser analisado e verificado de acordo com os objetivos da contratação e da prestação dos serviços:
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇO DE RETÍFICA, REPARO E REVISÃO DE MOTORES E DE TURBINAS DE AERONAVES CONTRATADO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. (…) 5. A Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja exportação de serviços desenvolvidos no Brasil que o resultado da atividade contratada não se verifique dentro do nosso País, sendo de suma importância, por conseguinte, a compreensão do termo “resultado” como disposto no parágrafo único do art. 2º. 6. Na acepção semântica, “resultado” é conseqüência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter conseqüências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro País. É necessário, pois, ter-se em mente que os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação. 7. O trabalho desenvolvido pela recorrente não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, o resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no nosso território. É inquestionável a incidência do ISS no presente caso, tendo incidência o disposto no parágrafo único, do art. 2º, da LC 116/03: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.” 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido.”
Entendemos que, independentemente do local da execução dos serviços, o que se deve buscar é o resultado, o objetivo pretendido pelo tomador dos serviços e, ao se identificar o resultado, definir se estamos diante de uma hipótese de exportação de serviços contemplada pela norma de não incidência do ISS. Para tanto, crucial é identificar onde se localiza o beneficiário dos serviços. Estando o beneficiário no exterior, ressalvadas hipóteses excepcionais, no exterior será verificado o resultado e, portanto, não haverá incidência de ISS.
III. Jurisprudência
Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) já se manifestou de forma favorável aos contribuintes ao julgar em grau de recurso ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária movida por pessoa jurídica que presta serviços de administração de carteiras e gestão de investimentos a tomadores de serviço residentes no exterior. Segundo alegação da empresa, embora o desenvolvimento do serviço tenha ocorrido no Brasil, o resultado somente se verificou no exterior, porque é lá que o tomador goza dos rendimentos obtidos com o serviço contratado.
Tal entendimento restou confirmado pelo TJSP em acórdão lastreado em doutrina sobre o tema, e cuja ementa segue abaixo transcrita:
“APELAÇÃO Ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária Autora/apelante exporta serviços de assessoria e consultoria financeira e de gestão de carteira de investimentos a clientes domiciliados no exterior Assim, tal atividade se enquadra no disposto previsto inciso I do art. 2º da Lei Complementar nº 116/03. Deram provimento ao recurso, com inversão dos ônus da sucumbência.
(Apelação Cível nº 0057880-68.2012.8.26.0053, 18ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Des. Osvaldo Capraro, julgamento: 22.05.2014)
Em outro caso (Apelação Cível nº 2012.0000075536), o TJSP entendeu por reconhecer a não incidência de ISS sobre exportação de serviços, afastando argumento do fisco municipal de que serviços realizados no Brasil não podem ser contemplados com tal tratamento. Em verdade, diferentemente do alegado pelo município em questão, o serviço prestado pelo contribuinte se enquadraria na hipótese de isenção prevista no artigo 156, §3º, inciso II da Constituição Federal, apesar de executado no Brasil.
O ponto suscitado pelo município foi que os serviços eram prestados no Brasil e o dinheiro do faturamento ingressava no caixa da empresa prestadora, de modo que o resultado se verificaria dentro do território brasileiro já que, segundo o fisco, resultado significaria faturamento. Não obstante, entendeu o TJSP que o conceito de resultado não se limitaria ao recebimento de dinheiro, mas o efetivo local de fruição dos serviços prestados. Vejamos:
“Não se tratando, o resultado a que se refere a Lei, de proventos financeiros e, sim, de local de fruição do serviço com o qual, neste caso, aquele se confunde – correta a decisão do MM juiz ‘a quo’.”[9].
Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (“TJRS”) entendeu pela não incidência do ISS em razão da configuração de exportação do serviço, considerando irrelevantes eventuais reflexos econômicos no território nacional, o que inclusive seria algo inerente a toda e qualquer prestação de serviços realizada por empresa sediada no país:
“TRIBUTÁRIO. ISS. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 2º, I E PARÁGRAFO ÚNICO, LEI COMPLEMENTAR Nº 116/03. ARTS. 18, IV, E 18-B, I, LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 07/73.
Implementando-se o resultado da prestação dos serviços no exterior – China – está presente a hipótese de não-incidência do ISS, tal como prevista em o art. 2º, I, e parágrafo único, Lei Complementar nº 116/03, e nos artigos 18, IV, e 18-B, I, Lei Complementar Municipal nº 07/73, irrelevante reflexos econômicos no território nacional, o que, aliás, é algo inerente a toda e qualquer prestação de serviços realizada por empresa nele sediada.”
(Apelação Cível nº 70046023594, 21ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa. DJ: 17.01.2012)
Em conclusão, verifica-se uma nova visão que vem começando a ser aplicada por Tribunais de alguns Estados brasileiros, com a qual nos filiamos, que se distancia do precedente único do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de agora reconhecer a não incidência do ISS sobre exportação de serviços, ainda que tais serviços sejam executados total ou parcialmente no Brasil, mas desde que os resultados desses serviços sejam fruídos por tomadores de serviços localizados no exterior.
[1] “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.(…)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
[2]TROIANELLI, Gabriel Lacerda e GUEIROS, Juliana. O ISS e a Exportação e a Importação de Serviços in ISS – Lei Complementar 116/2003, Juruá Editora, Curitiba, 1ª ed., pág. 200/203.
[3] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. p. 627.
[4] CARRAZA. Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, São Paulo, 23ª edição, pág. 960.
[5] RAMALHO, Mariana Oiticica. ISS – Serviços de Importação e Exportação in Imposto Sobre Serviços (de acordo com a Lei Complementar 116/2003), Quartier Latin, São Paulo, 2004, pág. 121.
[6] RONCÁGLIA, Marcelo Marques. O ISS e a Importação e Exportação de Serviços in Revista Dialética de Direito Tributário nº 129, Dialética, São Paulo, pág. 111.
[7]SCHOUERI, Luís Eduardo. ISS sobre a importação de serviços do exterior, cit., p. 45/48
[8] TROIANELLI, Gabriel Lacerda e GUEIROS, Juliana. Op. Cit., p.201.
[9] No mesmo sentido: Apelação Cível nº 1012837-23.2014.8.26.0053, 14ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Des. Mônica Serrano, julgamento: 26.02.2015 e Apelação Cível nº 1009239-95.2013.8.26.0053, 15ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Des. Rezende Silveira, julgamento: 02.06.2015