Considerações sobre o recurso especial no processo administrativo tributário.

por Renata Alcione de Faria Villela de Araujo
Mestranda em Direito Empresarial pela UCES. Advogada de Magro Advogados Associados – Rio de Janeiro.

 

Introdução

É conhecida de todos que militam na seara administrativa tributária estadual a dificuldade em atender a exigência da apresentação de acórdão (não reformado) de uma das Câmaras dos Conselhos de Contribuintes, a fim de configurar divergência no entendimento e assim possibilitar a admissão de Recurso Especial ao Pleno.

Neste sentido, exsurgem algumas questões que merecem reflexão, visando aperfeiçoar este ponto do procedimento, que tem se mostrado tormentoso na prática profissional (notadamente no Estado do Rio de Janeiro).

Ora, deveras podem existir questões novas, que não puderam ser debatidas de forma exaustiva a ponto de existir uma discussão consolidada e que seja dotada de posicionamentos majoritários e minoritários, com suas correspondentes divergências.

Por outro lado, muitas vezes temos posicionamentos divergentes, na forma de votos vencidos; tais posicionamentos deveriam ser aceitos como configuradores de divergência para admissão do Recurso Especial, como já ocorreu em alguns julgados do CARF.

De fato, é difícil que em um órgão como o Conselho de Contribuintes (estadual), cujas Câmaras têm composição paritária, possa existir um acórdão (não reformado, que seja apto a configurar a divergência) para todas as situações fáticas que se apresentam e, desta forma, garantir a todos os contribuintes que venham a necessitar manejar o referido apelo tenham condições de atender a este requisito de admissibilidade.

Para melhor compreensão, neste ponto importa demonstrar a regulamentação da matéria objeto da presente abordagem. No âmbito federal temos os seguintes artigos do Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que consolidou as disposições referentes ao PAF:

Art. 79. Caberá recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais, no prazo de quinze dias da ciência do acórdão ao interessado, de decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais (Decreto nº 70.235, de 1972, art. 37, § 2º, inciso II, com a redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009, art. 25). 

Parágrafo único. É cabível recurso especial de divergência, previsto no caput, contra decisão que der ou negar provimento a recurso de ofício (Decreto nº 70.235, de 1972, art. 37, § 2º, inciso II, com a redação dada pela Lei nº11.941, de 2009, art. 25).

Ainda a respeito, seguem dispositivos do Regulamento do CARF:

Seção II

Do Recurso Especial

Art. 67. Compete à CSRF, por suas turmas, julgar recurso especial interposto contra decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF.

§ 1° Para efeito da aplicação do caput, entende-se como outra câmara ou turma as que integraram a estrutura dos Conselhos de Contribuintes, bem como as que integrem ou vierem a integrar a estrutura do CARF.

§ 2° Não cabe recurso especial de decisão de qualquer das turmas que aplique súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do CARF, ou que, na apreciação de matéria preliminar, decida pela anulação da decisão de primeira instância.

§ 3° O recurso especial interposto pelo contribuinte somente terá seguimento quanto à matéria prequestionada, cabendo sua demonstração, com precisa indicação, nas peças processuais.

§ 4° Na hipótese de que trata o caput, o recurso deverá demonstrar a divergência argüida indicando até duas decisões divergentes por matéria.

§ 5° Na hipótese de apresentação de mais de dois paradigmas, caso o recorrente não indique a prioridade de análise, apenas os dois primeiros citados no recurso serão analisados para fins de verificação da divergência.

§ 6° A divergência prevista no caput deverá ser demonstrada analiticamente com a indicação dos pontos nos paradigmas colacionados que divirjam de pontos específicos no acórdão recorrido.

§ 7° O recurso deverá ser instruído com a cópia do inteiro teor dos acórdãos indicados como paradigmas ou com cópia da publicação em que tenha sido divulgado ou, ainda, com a apresentação de cópia de publicação de até 2 (duas) ementas.

§ 8° Quando a cópia do inteiro teor do acórdão ou da ementa for extraída da Internet deve ser impressa diretamente do sítio do CARF ou da Imprensa Oficial.

§ 9º As ementas referidas no § 7º poderão, alternativamente, ser reproduzidas no corpo do recurso, desde que na sua integralidade.

§ 10. O acórdão cuja tese, na data de interposição do recurso, já tiver sido superada pela CSRF, não servirá de paradigma, independentemente da reforma específica do paradigma indicado.

§ 11. É cabível recurso especial de divergência, previsto no caput, contra decisão que der ou negar provimento a recurso de ofício.

Art. 68. O recurso especial, do Procurador da Fazenda Nacional ou do contribuinte, deverá ser formalizado em petição dirigida ao presidente da câmara à qual esteja vinculada a turma que houver prolatado a decisão recorrida, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da ciência da decisão.

§ 1° Interposto o recurso especial, compete ao presidente da câmara recorrida, em despacho fundamentado, admiti-lo ou, caso não satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade, negar-lhe seguimento.

§ 2° Se a decisão contiver matérias autônomas, a admissão do recurso especial poderá ser parcial.

Art. 69. Admitido o recurso especial interposto pelo Procurador da Fazenda Nacional, dele será dada ciência ao sujeito passivo, assegurando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias para oferecer contrarrazões e, se for o caso, apresentar recurso especial relativa à parte do acórdão que lhe foi desfavorável.

Art. 70. Admitido o recurso especial interposto pelo contribuinte, dele será dada ciência ao Procurador da Fazenda Nacional, assegurando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias para oferecer contrarrazões.

Art. 71. O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF.

§ 1° O Presidente do CARF da CSRF poderá designar conselheiro da CSRF para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso especial interposto.

§ 2° Na hipótese de o Presidente da CSRF entender presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso especial terá a tramitação prevista nos art. 69 e 70, dependendo do caso.

§ 3° Será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, objeto da presente análise, temos o seguinte ponto da Resolução SEFCON N.º 5.927 DE 21 DE MARÇO DE 2001, que aprova o Regimento Interno do  Conselho de Contribuintes do  Estado do Rio de Janeiro, o qual prevê no artigo 105, I as hipóteses em que pode ser interposto o Recurso Especial ao Conselho Pleno, verbis:

Art. 105. Das decisões do Conselho cabe recurso:
I – para o conselho Pleno, quando a decisão de Câmara não for unânime ou divergir de decisão proferida por outra Câmara ou pelo Conselho Pleno relativamente ao direito em tese.
II – para o Secretário de Estado de Fazenda, quando a decisão de Câmara, ou a decisão acordada por menos de ¾ (três quartos) do Conselho Pleno, desfavorável à Fazenda, for contrária à legislação tributária ou à evidência da prova constante no processo, e não couber o recurso previsto no inciso anterior, mantido o princípio do contraditório.
§ 1.º Os recursos referidos neste artigo serão interpostos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da ciência do acórdão.
§ 2.º Para os fins do inciso I, não serão considerada divergente a decisão que tenha sido reformada em grau de recurso, ainda que especial, bem como aquela que contrariar orientação do Conselho consubstanciada em súmula.
§ 3.º A súmula a que se refere o parágrafo anterior deverá ser publicada depois de aprovada pelo Conselho Pleno e pelo Secretário de Estado de Fazenda.
III – Fundando-se o recurso em divergência de julgados, o recorrente indicará precisamente o verbete da Súmula da Jurisprudência do Conselho de Contribuintes ou o Acórdão divergente, mencionando seu número, o órgão prolator e transcrevendo a respectiva ementa.
{redação do Artigo 105, alterado pela Resolução SEF n.º 6.547/2002, vigente a partir de 27.12.2002}

Como fundamento legal principal, de admissibilidade ou não do Recurso Especial ao Pleno, ainda no Estado do Rio de Janeiro temos o artigo 266, inciso I do CTE.

 Art. 266. Das decisões do Conselho cabe recurso:
I – para o Conselho Pleno, quando a decisão de Câmara não for unânime ou divergir de decisão proferida por outra Câmara ou pelo Conselho Pleno, relativamente ao direito em tese.
II – para o Secretário de Estado de Fazenda, quando a decisão de Câmara, ou a decisão acordada por menos de ¾ (três quartos) do Conselho Pleno, desfavorável à Fazenda, for contrária à legislação tributária ou à evidência da prova constante no processo, e não couber o recurso previsto no inciso anterior, mantido o princípio do contraditório.
§ 1.º Os recursos referidos neste artigo serão interpostos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da ciência do acórdão.
§ 2.º Para os fins do inciso I, não serão considerada divergente a decisão que tenha sido reformada em grau de recurso, ainda que especial, bem como aquela que contrariar orientação do Conselho consubstanciada em súmula.
§ 3.º A súmula a que se refere o parágrafo anterior deverá ser publicada depois de aprovada pelo Conselho Pleno e pelo Secretário de Estado de Fazenda.
{Redação do Artigo 266, alterado pela Lei Estadual n.º 4.014/2002, vigente desde 26.11.2002}

 Diante dos dispositivos legais acima transcritos e em face das ementas de decisões mais adiante transcritas, o que ora se afirma é que o requisito para admissão do Recurso Especial no âmbito administrativo fiscal não é ligado ao bom direito, à violação da legalidade ou de qualquer relevante razão que o contribuinte tenha, mas sim, um requisito ligado à forma do recurso que termina por impedir a apreciação, pelo Conselho Pleno de uma controvérsia fundada ou de um bom direito que tenha sido até então vilipendiado.

Nesta hipótese, a ilegalidade ou violação ao bom direito cuja apreciação tenha sido rechaçada pela falta de apresentação de divergência, culminará em Execução Fiscal, baseada em lançamento que, caso apreciado em sede de Recurso Especial pela ótica do direito em si do contribuinte (e não de um requisito de forma) poderia até mesmo ser anulado.

Portanto, na sistemática atual temos que, um bom direito de determinado contribuinte que tenha sido mais debatido no Conselho, a ponto de que exista divergência configurada na forma de acórdão de Câmara não reformado, será apreciado em sede de Recurso Especial e possivelmente provido.

Por outro lado, o contribuinte detentor de um bom direito, mas cuja matéria não tenha sido debatida no Conselho a ponto de que exista a divergência configurada (por meio de acórdão não reformado) não terá seu recurso apreciado.

Neste sentido as recentíssimas decisões do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro:

 Sessão de 12 de janeiro de 2011-CONSELHO PLENO RECURSO Nº 30.114 ACORDÃO Nº 6.039 RECURSO AO CONSELHO PLENO. Não se pode olvidar da regra constante no artigo 266, I do CTE, segundo a qual, diante de decisão unânime, proferida por qualquer das Câmaras, cabe recurso ao Pleno, desde que haja divergência, relativamente ao direito em tese. Destarte, não havendo sido atendido, por parte da recorrente, o pressuposto de admissibilidade do presente recurso, não se conhece do mesmo. Recurso não conhecido por falta de pressuposto de admissibilidade.

Sessão de 02 de fevereiro de 2011-CONSELHO PLENO. RECURSO Nº 30.168 ACORDÃO Nº 6.060 ICMS – PROCESSO ADMINISTRATIVOTRIBUTÁRIO – DECISÃO UNÂNIME DE CÂMARA DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES – RECURSO AO CONSELHO PLENO – NÃO COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE ACÓRDÃO DIVERGENTE – INADMISSIBILIDADE DE PARTE DO RECURSO. O CONHECIMENTO DE RECURSO APRESENTADO AO CONSELHO PLENO, CONTRA DECISÃO UNÂNIME DE CÂMARA, PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE ACÓRDÃO DIVERGENTE PROFERIDO POR OUTRA CÂMARA OU PELO CONSELHO PLENO, RELATIVAMENTE AO DIREITO EM TESE, EX VI DO DISPOSTO PELO ARTIGO 266, INCISO I, DO DECRETO-LEI N.º 05/1975 – CTE. NO CASO DOS AUTOS, NÃO FICOU DEMONSTRADA A EXISTÊNCIA DA REFERIDA DIVERGÊNCIA, IMPOSSIBILITANDO O CONHECIMENTO DE PARTE DO RECURSO.

Sessão de 20 de abril de 2011-CONSELHO PLENO. RECURSO Nº 30.840 (23.966) ACORDÃO Nº 6.112. ICMS. Substituição Tributária. Imposto não retido. Adquirente responsável solidário. De decisão unânime proferida pela Câmara só cabe Recurso da decisão mediante apresentação de acórdão divergente, conforme dispõe o art. 266, I, do CTE. RECURSO NÃO CONHECIDO.

Como visto, ao longo do tempo essa divergência nunca se configurará, tendo em vista que não importam os votos vencidos divergentes (que podem ser em enorme quantidade), mas somente o acórdão divergente que, como indicado, é de difícil obtenção.

Assim, por se verificar que a exigência em questão está ferindo o princípio da igualdade e do acesso à justiça, seria de bom alvitre fomentar a discussão a fim de que, se possa obter, a exemplo da decisão que considerou ilegal a exigência de depósito para apreciação de Recurso na esfera administrativa, decisão semelhante que faça cair por terra a exigência da apresentação de Acórdão divergente não reformado e que se passe a admitir a apresentação do Voto divergente, como hábil a configurar a divergência necessária para admissão do referido Recurso.

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