Conceito de insumos para fins de créditos de PIS e de COFINS

Por Leonardo Pinto Homsy
Sócio do Escritório Campos Mello Advogados

Por Ana Carolina Gandra Piá de Andrade
Associada do Escritório Campos Mello Advogados

 

I. INTRODUÇÃO

 Com o objetivo de acabar com a incidência em cascata da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), foram editadas normas a partir de agosto de 2002 dispondo sobre a não-cumulatividade dessas contribuições.[1]

 Em que pese a discussão sobre a sua inconstitucionalidade, que não será analisada no presente artigo, há que se ressaltar que a almejada não-cumulatividade das contribuições foi alcançada através do desconto de créditos sobre gastos específicos da pessoa jurídica[2], que compreendem os bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda[3], cuja análise é tema do presente artigo.

 II – CONCEITO DE INSUMOS PARA FINS DE PIS E DE COFINS

 Apesar da relevância para as pessoas jurídicas sujeitas à não-cumulatividade do PIS e da COFINS, o conceito de insumo para fins dessas contribuições não foi corretamente definido pela legislação tributária, tendo a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) conceituado como insumos apenas os bens e serviços efetivamente consumidos ou desgastados durante a fabricação de produtos ou prestação de serviços[4].

 A SRFB, que em suas Soluções de Consulta vem se manifestando nessa linha restritiva, apenas tomou por empréstimo a definição de insumos na fabricação de produtos já existente para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), segundo a qual somente os insumos efetivamente consumidos ou desgastados em razão do contato direto com o produto em fabricação conferem crédito do referido imposto.

 Contudo, em relação ao IPI tal conceito está relacionado à própria materialidade desse tributo, cujo fato gerador corresponde à industrialização de produtos. Já em relação ao PIS e à COFINS, a materialidade dessas contribuições vai além da atividade meramente mercantil, fabril ou de serviços, alcançando todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, motivo pelo qual o conceito de insumos não pode simplesmente ser tomado por empréstimo da legislação do IPI.

 Atualmente há corrente doutrinária e jurisprudencial de que o conceito de insumo deve ser aquele de despesa necessária previsto na legislação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), que define como dedutíveis para fins deste imposto os custos e despesas necessários à atividade da empresa. Ricardo Mariz de Oliveira é um dos maiores defensores dessa tese, de que são insumos todos os custos de produção e despesas que contribuam para a produção.

 O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e os tribunais judiciais também já se manifestaram favoráveis à tese[5], cuja aplicação garantiria a neutralidade da incidência das contribuições de forma a afastar a sua incidência em cascata.

 Também há o entendimento mais restritivo, manifestado em decisões recentemente publicadas de Tribunais Administrativos e Judiciais[6], de que não deve prevalecer o critério aplicado pela legislação do IRPJ, pois nem sempre as despesas necessárias são essenciais, ou seja, aquelas cuja ausência importa na impossibilidade da produção ou da prestação do serviço.

 Em linha com tal entendimento, recente liminar da Justiça Federal de São Paulo possibilitou à empresa prestadora de serviços o cálculo de créditos sobre os seus dispêndios com folha de salários[7].

 Apesar de a legislação vedar expressamente tal creditamento, a liminar foi concedida em face de entendimento pela inconstitucionalidade da vedação aos créditos e porque no caso das empresas prestadoras de serviços a mão de obra paga à pessoa física tem papel essencial na formação dos custos empresariais. Trata-se de posicionamento bem fundamentado e inovador, que poderá ser seguido em outras decisões.

 Note-se que as correntes acima expostas têm em comum a interpretação de que o conceito de insumos para fins de PIS e de COFINS é mais abrangente do que o conceito utilizado pela legislação do IPI, restando pendente de definição se basta os gastos serem necessários ou se devem ser essenciais ao processo produtivo.

 Outro ponto em comum das correntes acima mencionadas é o fato de nenhuma das duas tratar expressamente da possibilidade de tomada de créditos relativos a insumos pelas empresas comerciais, tema sobre o qual ainda não há posicionamentos jurisprudenciais e ainda são tímidos os posicionamentos doutrinários, conforme será visto a seguir. 

 III –  INSUMOS NA COMERCIALIZAÇÃO DE MERCADORIAS

 Especificamente na atividade de revenda a legislação de PIS e de COFINS prevê o creditamento apenas em relação aos bens adquiridos para a revenda[8], nada dispondo sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos sobre insumos. Assim, a questão que se coloca é a possibilidade de tomada de crédito de PIS e de COFINS por empresas comerciais, além dos relativos à aquisição das mercadorias revendidas.

 Adotando-se qualquer das teses expostas no item anterior, haveria argumentos para se defender a sua aplicabilidade no caso de empresas comerciais, já que a cadeia produtiva da empresa comercial compreende insumos, tanto bens como serviços, necessários ou essenciais à comercialização de mercadorias.

 Para a comercialização de mercadorias são necessários (ou essenciais) gastos para se concretizar a sua oferta ao mercado, tais como despesas de divulgação do produto, representantes comerciais, despesas de marketing, despesas com viagens, etc. 

 A não-cumulatividade do PIS e da COFINS não visa eliminar o ônus das contribuições apenas no processo industrial, pois tais contribuições não são devidas apenas pelas pessoas jurídicas do setor industrial, mas por todas as pessoas jurídicas que aufiram receitas.

 Os insumos no contexto do regime de apuração da contribuição ao PIS e da COFINS devem ser considerados como todos os fatores necessários ao desempenho das atividades empresariais, seja na, produção, comercialização de bens ou prestação de serviços.

 Dessa forma, poderiam ser considerados como insumos para fins de PIS e de COFINS não apenas o consumo relativo à produção ou execução de bens, mas também os demais fatores necessários à obtenção de receitas, seja na prestação de serviços, na fabricação ou na comercialização de mercadorias, afastando-se o conceito delineado pela legislação do IPI.

 Outro argumento favorável à tese decorre da leitura atenta do art. 3º, II das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, que menciona o crédito de insumos na venda de bens e faz referência expressa à vedação de crédito em relação a uma modalidade de comissão de venda prevista no art. 2º da Lei nº 10.485/02 paga pelo fabricante ou importador aos concessionários na venda direta de determinados tipos de automóveis.

 Em face dessa exclusão expressa de insumos de venda, poder-se-ia concluir a contrariosensuque os demais insumos de venda geram direito a crédito de PIS e de COFINS.

 IV –  CONCLUSÃO

 Conforme visto acima, em razão da má-técnica legislativa que se absteve de definir corretamente o conceito de insumos para fins de apuração de créditos de PIS e de COFINS, depois de quase nove anos da mudança na sistemática do PIS e de oito anos da sistemática da COFINS, a RFB, os tribunais administrativos e judiciais e os estudiosos do tema ainda não chegaram a um consenso sobre o assunto.

 Embora o entendimento de que os gastos necessários se caracterizam como insumos seja aquele que efetivamente afastaria a incidência em cascata das contribuições, ainda é incerto se este prevalecerá sob o entendimento de que os gastos devem ser essenciais ou sob o entendimento restritivo da SRFB. Mais incerta ainda é a questão dos insumos para as empresas comerciantes de mercadorias.

 De toda a forma, embora a questão ainda esteja longe de ser pacificada, nota-se uma evolução na correta conceituação de insumos para fins das referidas contribuições, visto que a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais Administrativos e Judiciais vem avançando positivamente na amplitude do conceito.

 REFERENCIAS

  •  LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Não-cumulatividade da contribuição ao PIS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 95, p. 123,  2003.
  •  OLIVEIRA, Ricardo Mariz de.Aspectos Relacionados à Não-Cumulativade da COF1NS e da Contribuição ao PIS. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FISHER, Octavio Campos (Coord.) PIS — COFINS: questões atuais e polêmicas. Sao Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 47-48.
  •  SEHN, Solon, PIS-COFINS: Não cumulatividade e regimes de incidência. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 283.
  •  TOMÉ,  Fabiana Del Padre. PIS-COFINS: Questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 554.


[1] Medida Provisória nº 66, de 29.08.2002, convertida na Lei nº 10.637, de 30.12.2002, e Medida Provisória nº 135, de 30.10.2003, convertida na Lei nº 10.833, de 29.12.2003.

[2] Art. 3º das leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

[3] Art. 3º, II das leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

[4] Art. 66, § 5º, I e II à Instrução Normativa nº 247, de 21.11.2002 (PIS), dispositivo correspondente ao art. 8º, § 5º, I e II da Instrução Normativa SRFB nº 404, de 12.03.2004 (COFINS).

[5] Como exemplo as decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível  n° 0029040-40.2008.404.7100/RS, publicados em 21.07.2011 e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, 2ª Câmara, Terceira Seção de Julgamento, Acórdão n° 3202-00.226, sessão de 08.12.2010

[6] Como exemplo o resultado parcial de julgamento do Recurso Especial n° 1.246.317/MG, Rel. Min. Mauro Campbell, e a decisão do Segundo Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Acórdão n° 201-81.726, sessão de 04.02.2009.

[7] Mandado de Segurança nº 0013313-96.2011.403.6119, Juiz Guilherme Roman Borges, Seção Judiciária de São Paulo, 5ª Vara de Guarulhos, Julgado em 12.01.2011.

[8] Art. 3º, I, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

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