Aspectos tributários em consórcios empresariais

por Bernardo Albanesi
Pós-graduado em direito tributário pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
Advogado na indústria do petróleo.

Introdução

A reunião de esforços entre sociedades empresárias voltada para a consecução de um objetivo comum pode ser materializada por intermédio de um consórcio; contudo, a adoção desta específica modalidade de contrato de associação implica a observância de determinadas regras atinentes à conceituação, responsabilidade e operacionalização tributárias.

1. Conceitos iniciais

Espécie do gênero contrato de associação caracteriza-se o consórcio por ser dotado de pluralidade (participação de sociedades empresárias), delimitação específica de direitos e deveres de cada partícipe (inclusive tributários), prazo de duração (determinado ou determinável) e estipulação do objeto a ser alcançado em conjunto (unicidade de empreendimento), produzindo seus efeitos após o arquivamento do contrato de constituição no registro de comércio competente.

            Ao ser celebrado entre sociedades regidas pela lei das sociedades por ações (Lei nº 6.404/76 – LSA), a associação consorcial apresentará as especificidades que lhe são peculiares. Dentre elas destacamos as principais:

  1. Ausência de personalidade jurídica própria, fato que acarreta a responsabilidade pessoal de cada consorciada na exata medida da sua participação, sem presunção de solidariedade entre elas (Art.278, §1º da LSA);
  2. Existência de personalidade negocial e judicial manifestada pela presença de uma administração e de uma representação com capacidade empresarial e processual ativa e passiva (Art.279 LSA)[1].

A operacionalização de um consórcio demanda cuidados semelhantes à existência de uma pessoa jurídica propriamente dita sem, contudo, com ela confundir-se. Neste sentido, a existência de autonomia administrativa, a necessidade de realização de uma escrituração contábil própria e a obtenção de CNPJ próprio[2] são exigências legais que devem ser observadas pelo consórcio da mesma forma com que uma típica e verdadeira sociedade empresária assim o faria[3].

2. Delimitação de responsabilidades tributárias

Requisito fundamental para a constituição válida e regular do consórcio, a delimitação contratual dos direitos e deveres de cada uma das consorciadas se afigura como ponto chave para a segregação dos ônus e riscos tributários fazendo, inclusive, prova documental para justificar a proporção das despesas e receitas despendidas e apropriadas entre elas dentro do consórcio.

Como visto, a ausência de personalidade jurídica consorcial traz consigo a manutenção da autonomia jurídico-tributária entre cada uma das consorciadas. Logo, independentemente da atividade conjunta ser desempenhada consorcialmente, cada consorte permanecerá com a sua individualidade fiscal, seja quanto à forma de apropriação de receitas e despesas ou mesmo quanto à sujeição ao regime de tributação adotado (lucro real, presumido ou arbitrado) para fins de IRPJ, por exemplo.

Neste sentido, a responsabilidade tributária das consorciadas encontra-se atualmente prevista na IN RFB nº 1199/2011 que, em seu artigo 2º[4], delimita a fronteira dos direitos e obrigações dos consortes na regra geral da exata proporção de sua participação no fato gerador praticado, sem qualquer comunicação de responsabilidade entre si.

Diferentemente do que ocorre nas obrigações trabalhistas (Art.2º, §2º da CLT) consumeiristas (Art. 28, §3º da Lei nº 8.078/90) e nas licitações e contratos firmados com a Administração Pública (Art. 33, V da Lei nº 8.666/93) em que a solidariedade é regra entre as consorciadas, não há previsão legal que a determine para as obrigações tributárias principais.

As hipóteses de responsabilidade tributária solidária admissíveis na seara consorcial referem-se, tão somente, aos casos de retenção e de cumprimento de obrigações acessórias em contratações realizadas em nome do próprio consórcio ou por intermédio de uma consorciada líder ou eleita como tal[5].

Outro caso de responsabilidade tributária decorre quando da desconsideração do consórcio para fins fiscais face à ausência de estipulação contratual quanto ao objeto e/ou prazo de duração consorcial[6].

Entende o Fisco que a associação de diferentes pessoas jurídicas sem um objetivo definido e limitado que justifique a sua constituição, bem como a ausência de um prazo máximo para a sua duração acarretariam na indefinição e na perpetuidade da relação consorcial, tornando-a incompatível com as características ínsitas de determinação do objeto contratual e da duração temporária para a sua consecução; assemelhando-se mais a um disfarçado e irregular contrato de sociedade (sociedade de fato) onde a responsabilização solidária por todas as espécies de obrigações contraídas recai sobre qualquer dos sócios.

Embora não exista ainda sensibilização fazendária quanto à eventual necessidade de complementação do objeto consorcial, quanto ao aspecto temporal, recentes decisões do CARF[7] vêm considerando como possíveis a realização de sucessivas prorrogações e/ou aceitando a estipulação de prazos de duração consorcial alongados desde que, evidentemente, as atividades a serem desempenhadas (por sua característica ou pelas dificuldades ou complexidades encontradas no caso concreto) demandem um lapso de tempo maior do que o originalmente esperado para a sua realização, sem que isto, por si só, implique em desconsideração do consórcio para fins fiscais e na imputação de responsabilidade solidária inerente à uma sociedade de fato.

3. Operacionalização do consórcio para fins fiscais

            O consórcio deverá manter escrituração contábil própria, registrando as operações por ele realizadas pelo seu valor integral, isto é, pelo somatório de todas as parcelas correspondentes a cada uma das consorciadas. Contudo, independentemente da escrituração consorcial, cada uma das consorciadaspermanece com o dever de contabilização individualizada em livros próprios, devendo demonstrar a exata proporção de suas respectivas participações nos fatos geradores praticados pelo consórcio , mediante utilização de CNPJ próprio[8].

            Os consórcios não estão sujeitos à apresentação de declarações fiscais cabendo, portanto, a cada consorciada, por ocasião da apresentação de suas respectivas DIPJ, DCTF e DACON, incluírem as informações relativas aos tributos e contribuições pertinentes aos resultados auferidos na proporção da participação de cada uma no empreendimento, bem como inserir nas suas respectivas DIRF’s as retenções efetuadas e recolhidas a que lhes forem correspondentes[9].

A emissão de notas fiscais ou faturas podem ser feitas por cada uma das consorciadas ou em nome do consórcio/empresa líder[10]. No primeiro caso, o faturamento correspondente às operações do consórcio será efetuado mediante a emissão de nota fiscal ou fatura próprios por cada uma das pessoas jurídicas consorciadas, adotando-se a regra geral da proporcionalidade de participações no empreendimento.

Na segunda hipótese, quando autorizado pela legislação do ICMS ou ISS, a nota fiscal ou fatura poderá ser emitida pelo consórcio em seu próprio nome/empresa líder, devendo ser remetida cópia do documento fiscal expedido para cada uma das consorciadas com a indicação das parcelas correspondentes a cada uma para efeito de validação a cerca da apropriação proporcional das receitas e de eventual crédito tributário apurados.[11]

            Eventuais créditos tributários apurados quando da execução das atividades consorciais (p. ex: IPI,  PIS/PASEP e COFINS) não se comunicam entre as consorciadas, devendo ser computados e escriturados, por estabelecimento de cada consorte, proporcionalmente à sua participação no empreendimento[12].

Da mesma forma, os créditos derivados de tributos cuja competência seja atribuída a outros entes tributantes (p.ex: ICMS) deverá seguir a mesma sistemática ora apresentada se inexistente norma específica regulando a matéria.

4. Conclusão

Por todo o exposto, pode-se perceber que os aspectos tributários dos consórcios empresariais encontram-se regulados pela regra geral da participação proporcional de cada consorciada no empreendimento que deve ser especificada junto ao contrato de constituição do consórcio.

A operacionalização do consórcio para fins fiscais é especifica e não exime cada consorciada quanto aos seus respectivos deveres fiscais que também deverão ser observados, dentre eles citamos os principais: Autonomia tributária e contabilidade própria, bem como outros na forma da legislação tributária federal, estadual ou mesmo municipal, estes últimos especificamente quanto à possibilidade de emissão de notas fiscais e faturas pelo próprio consórcio.

Bibliografia

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 2ª ed, 4º volume. Tomo II, Artigos 243 a 300. São Paulo: Saraiva, 2003.

FERREIRA, Antonio Airton. Regulamento do imposto de renda 1999 anotado e comentado. 11ª ed. São Paulo: Fiscosoft, 2008.

 XAVIER, Alberto. Consórcio: Natureza Jurídica e Regime Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário nº 64.


[1] CARVALHOSA, Modesto, (p. 385).

 

[2] A obrigatoriedade de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ – é extensiva, por força da legislação tributária, aos consórcios constituídos na forma dos artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76. (Artigo 215, inciso II do RIR/99 c/c Art.5º, inciso III da IN RFB nº 1183/2011).

 

[3] Artigo 2º caput e §§1º e2º c/c Artigo 3º caput e §§1º a 6º todos da IN RFB nº 1199/2011.

[4] IN RFB nº 1199/2011. Artigo 2º

[5] IN RFB nº 1199/2011 Artigo 2º, §§1º e 2º.

[6] Delegacia da Receita Federal de Julgamento, acórdãos n.ºs: 09-15479 (Juiz de Fora), de 06/02/2007; 09-14720 (Juiz de Fora), de 09/10/2006; 09-14721 (Juiz de Fora), de 09/10/2008; 05-10000 (Campinas), de 12/07/2005; 05-10001 (Campinas), de 12/07/2005; 05-10002 (Campinas), de 12/07/2005; 05-10003 (Campinas), de 12/07/2005; 05-10004 (Campinas), de 12/07/2005. Decisão n.º 272, de 20 de novembro de 1998, 6ª Região Fiscal. Acórdãos n.ºs 101-86540 e 101-86541, da 1ª Câmara do  Primeiro Conselho de Contribuintes.

[7] CARF: Acórdãos  nº 3101-000.904 e nº 3402-001.160 .

[8] IN RFB nº 1199/2011 Artigo 2º.

[9]Processo de Consulta nº 523/07 SRRF 8ª Região Fiscal. Publicada em 05.12.2007.

[10] IN RFB nº 1199/2011 Artigo 4º.

[11] FERREIRA, Antonio Airton. (p.416 -417)

[12] IN RFB nº 1.199/2011 Artigo 8ª

Compartilhe