ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE RATEIO DE DESPESAS
por Heitor Cesar Ribeiro
Supervisor da Consultoria Tributária em Gaia, Silva, Gaede & Associados em São Paulo
Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – GVLaw
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA
Os aspectos tributários acerca dos contratos de rateio de despesas sempre foram um tema controvertido no Brasil, principalmente, por se tratar de um contrato atípico, ou seja, não previsto na legislação comercial, cujos efeitos fiscais nunca foram regulamentados pela legislação tributária local.
Tal forma de contratação é uma prática corporativa largamente adotada por conglomerados econômicos, em escala internacional, objetivando-se a minimização de custos através da concentração de atividades comuns e secundárias em uma determinada empresa do grupo, a fim de simplificar a sua estrutura empresarial, facilitando-se, por conseguinte, o controle de suas atividades administrativas.
Com efeito, a divisão desses gastos, concentrados em uma empresa (“centralizadora”), é formalizada através da celebração de contratos de rateio de despesas firmados com as demais empresas do grupo (“participantes”). Pactua-se nestes acordos a comunhão na utilização de determinadas utilidades e serviços, estipulando-se que a divisão das despesas dar-se-á na medida exata de sua utilização por cada empresa.
Posto isto, o que se pretende tratar no presente estudo são os aspectos tributários dos contratos internacionais de rateio de despesas, nos quais as empresas brasileiras figuram como participantes e determinada empresa do grupo, domiciliada no exterior, figura como centralizadora. Nestes casos, as empresas brasileiras reconhecem a despesa referente à sua parte no rateio e efetuam a remessa à centralizadora para pagamento do reembolso.
2. PONTOS CONTROVERTIDOS
Inicialmente, a Receita Federal do Brasil[1] mantinha entendimento no sentido de que as despesas pagas pelas empresas brasileiras a empresas estrangeiras, no âmbito de contratos internacionais de rateios de despesas, não geravam despesas dedutíveis nas apurações do IRPJ e da CSLL, porque, supostamente, tais despesas não competiriam à empresa brasileira, mas sim à empresa centralizadora dos gastos no exterior, não podendo gerar efeitos no Brasil.
Contraditoriamente, os mesmos pronunciamentos da Receita Federal do Brasil, que diziam que as despesas não competiam à empresa brasileira, diziam que sobre as remessas dos reembolsos ao exterior haveria a incidência dos tributos usualmente cobrados sobre os pagamentos pela prestação de serviços.
Em que pese este entendimento, a Receita Federal do Brasil recentemente emitiu novo posicionamento acerca do tema no Processo de Consulta Cosit nº 8/2012, acatando a dedutibilidade das despesas, bem como tratando da aplicação das regras de preços de transferência e das incidências tributárias nas remessas dos reembolsos. É este o assunto que será tratado nos itens seguintes.
2.1. DEDUTIBILIDADE DAS DESPESAS OBJETO DE CONTRATO DE RATEIO DE DESPESAS INTERNACIONAL
O Processo de Consulta Cosit nº 8/2012 foi a primeira manifestação da Receita Federal do Brasil a aceitar a dedutibilidade dos reembolsos de despesas, no âmbito do rateio de despesas internacional, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.
Para fins de dedutibilidade, foram estabelecidos requisitos semelhantes àqueles estabelecidos aos contratos de rateio de despesas firmados entre empresas brasileiras. Assim, para fins de dedutibilidade, as despesas administrativas rateadas, devem preencher os seguintes requisitos: (i) comprovação de correspondência a bens e serviços efetivamente pagos e recebidos; (ii) enquadramento como despesas necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas; (iii) o rateio deve se dar mediante critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados, devidamente formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; (iv) o critério de rateio deve ser consistente com o efetivo gasto de cada empresa e com o preço global pago pelos bens e serviços, em observância aos princípios gerais de Contabilidade; (v) a empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços deve apropriar como despesa tão-somente a parcela que lhe couber segundo o critério de rateio.
Observa-se que, através do Processo de Consulta em questão, a Receita Federal do Brasil finalmente reconheceu que os pagamentos dos reembolsos se referem a despesas que competem à empresa brasileira. Desta forma, para fins de dedutibilidade das despesas, foram adotados os mesmos critérios de dedutibilidade, tanto para os contratos internacionais quanto para os contratos firmados entre empresas domiciliadas no País. Portanto, o fato de o rateio das despesas se dar em âmbito internacional não é mais considerado motivo suficiente para desconsiderar a dedutibilidade das despesas rateadas.
2.2. INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NAS REMESSAS AO EXTERIOR
Conforme já mencionado anteriormente, os primeiros pronunciamentos da Receita Federal do Brasil sobre os contratos internacionais de rateio de despesas diziam que as remessas para pagamento dos reembolsos deveriam ser equiparadas a pagamentos pela prestação de serviços. Tal entendimento foi revisado pelo Processo de Consulta Cosit nº 8/2012, de tal maneira que foi reconhecida a real natureza dos contratos de rateio de despesas.
Posto isto, vale observar que as despesas objeto do rateio podem se referir a serviços e utilidades subcontratados de terceiros (locação e energia elétrica, por exemplo) ou podem ser decorrentes de atividades administrativas desenvolvidas pela centralizadora (serviços de back office, como contabilidade e recursos humanos).
Para o primeiro caso, o Processo de Consulta Cosit nº 8/2012 esclarece que a subcontratação de atividades identificada num contrato de rateio de custos submete-se ao tratamento tributário de remessas de valores em decorrência de prestação de serviços. Tal entendimento está em linha com outras manifestações do Fisco[2] no sentido de que as remessas ao exterior, para reembolso à empresa controladora, de serviços tomados de terceiros devem ser tributados como se tivessem sido contratados diretamente. Nestes casos, a centralizadora está atuando como mandatária das participantes para a contratação de serviços e utilidades, motivo pelo qual o Fisco entende que a tributação da remessa para pagamento destas despesas deve ser a mesma que seria, se o pagamento fosse feito diretamente ao fornecedor.
Ademais, o pronunciamento em estudo foi silente quanto às remessas para reembolso das despesas decorrentes de atividades administrativas desenvolvidas pela centralizadora.
Ocorre que, em 18.03.2015, foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 43/2015, que analisou a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”) sobre os reembolsos em contratos de rateio de despesas interacionais. Em resumo, referida decisão não reconheceu a existência do cost-sharing agreement como um instituto jurídico autônomo e o equiparou a um contrato de prestação de serviços, motivo pelo qual supostamente haveria a incidência da CIDE sobre os reembolsos de despesas incorridas em atividades desenvolvidas pela empresa centralizadora, no âmbito de um contrato de rateio de despesas internacional. Embora tal consulta tenha analisado somente a incidência da CIDE, as conclusões alcançadas também se aplicariam aos demais tributos incidentes sobre as importações de serviços, levando-se a crer que os ressarcimentos deveriam ser tributados como se serviços fossem.
Em que pese o posicionamento acima mencionado, a Solução de Consulta COSIT nº 43/2015 não analisou adequadamente a natureza dos contratos de rateio de despesas, não lhe atribuindo uma natureza própria, mas equiparando-o a uma prestação de serviço. Vale observar que tais institutos possuem natureza jurídica distinta, de tal modo que não há que se falar em tributação nas remessas dos reembolsos referentes a atividades desenvolvidas pela empresa centralizadora dos custos, haja vista não se tratarem de remuneração pela prestação de serviços, mas sim de um mero ressarcimento de custos.
2.3. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
Como nos contratos de rateio de despesas a empresa centralizadora não pode cobrar margem de lucro sobre as despesas rateadas, mas apenas repassar o custo efetivamente incorrido a cada empresa participante, em tais operações não há que se falar em aplicação de controles de Preços de Transferência, visto que, neste caso, não há alocação de lucros em empresas estrangeiras.
Em que pese o exposto, o Processo de Consulta Cosit nº 8/2012 esclarece que, caso o contrato em questão contenha disposições inconsistentes com as características do compartilhamento de custos e despesas, tal operação deve ser imputada como uma prestação de serviços e, neste caso, aplicar-se-á a obrigatoriedade de elaboração de tais controles através dos métodos Método dos Preços Independentes Comparados (“PIC”) ou Método do Custo de Produção Mais Lucro (“CPL”).
Vale esclarecer, por fim, que as regras de Preços de Transferência não se aplicam aos contratos internacionais de rateio de despesas, mas somente aos contratos que, por não atenderem aos requisitos básicos de dedutibilidade, comentados no item “2.1”, são descaracterizados como tal e imputados como uma prestação de serviços.
3. CONCLUSÕES
Diante do todo exposto, conclui-se que:
i – A Receita Federal do Brasil finalmente reconheceu a dedutibilidade, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, dos reembolsos pagos por empresas brasileiras a empresas estrangeiras, pertencentes ao mesmo grupo econômico, no âmbito de contratos internacionais de rateio de despesas, desde que observados os mesmos requisitos de dedutibilidade dos contratos domésticos de mesma natureza;
ii – Conforme o disposto no Processo de Consulta Cosit nº 8/2012, a subcontratação de atividades identificada em um contrato de rateio de custos submete-se ao tratamento tributário de remessas de valores em decorrência de prestação de serviços. Quanto às remessas para reembolso das despesas decorrentes de atividades administrativas desenvolvidas pela centralizadora, em que pese o posicionamento contrário ao contribuinte na Solução de Consulta COSIT nº 43/2015, não há que se falar em tributação nestas remessas, visto não se tratar de uma prestação de serviços, mas um mero rateio de despesas administrativas; e
iii – Por fim, como nos contratos de rateio de despesas a empresa centralizadora não pode cobrar margem de lucro sobre as despesas rateadas, mas apenas repassar o custo efetivamente incorrido a cada empresa participante, em tais operações não há que se falar em aplicação de controles de Preços de Transferência, a não ser que o contrato em questão contenha disposições inconsistentes com as características do compartilhamento de custos e despesas.
Verifica-se, diante do todo exposto, que, com o Processo de Consulta Cosit nº 8/2012, a Receita Federal do Brasil finalmente reconheceu a existência de contratos internacionais de rateio de despesas, analisando-se, de maneira mais adequada, os efeitos tributários acerca de tais operações.