As taxas de fiscalização sobre a exploração e produção de petróleo e gás

por Fabio Luiz Gomes Gaspar de Oliveira
Especialista em tributação de E&P, pós-graduado em Direito do Estado e da Economia pela FGV e MBA em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade pela UFF[1]

 

INTRODUÇÃO

Já há alguns anos o país vem discutindo a redistribuição dos Royalties da produção de petróleo e gás natural. Recentemente o Legislativo Federal votou, derrubando veto do Executivo Federal a respeito, pela redistribuição dos referidos Royalties entre estados produtores e não produtores.

Em razão das eminentes perdas, os estados produtores vêm adotando uma série de medidas para preveni-las, dentre elas iniciativas legislativas tendentes à criação de novas taxas de fiscalização sobre a atividade de produção de petróleo.

As casas legislativas do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo ora analisam os seguintes Projetos de Lei a respeito: (i) PL ALERJ nº 1.877/2012[2] (TFPG); (ii) PL ALES nº 1/2013 (TFIA); (iii) PL ALESP nº 4/2013 (TFPG).

O texto dos PLs em questão é em grande parte idêntico e traz como fundamento da taxa o exercício do poder de polícia sobre a atividade de exploração e produção de petróleo e gás, sendo o fato gerador a venda ou transferência do petróleo ou gás extraído e o contribuinte é a pessoa física ou jurídica autorizada a realizar as respectivas atividades. As alíquotas são calculadas por barril ou unidade equivalente de petróleo ou gás extraído: 4 UFIR/RJ, no caso do RJ; 2 VRTE, no caso do ES; 4 UFIR/SP, no caso de SP.

Assentadas as bases fáticas sobre as quais se coloca a novel taxa, impende investigar o contexto jurídico no qual a mesma se insere, notadamente a moldura constitucional aplicável e congruência com o Código Tributário Nacional.

(I) COMPETÊNCIA PARA O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA

No que toca à legitimidade estadual para exercer o poder de polícia anunciado, importante analisar a respectiva competência material por dois aspectos: ambiental e regulatório, calcados respectivamente nos incisos VI e XI do art. 23, da CF.

A competência para a fiscalização de polícia ambiental, conquanto pareça comum entre União, Estados e Municípios em razão do dispositivo citado atrás, é, na espécie, restrita pela conjugação do parágrafo único do art. 23, da CF, c/c o art. 7º, XIV, b, da LCP nº 140/11, que dispõe de maneira expressa que à União cabe promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva. Com efeito, cabendo o licenciamento somente ao ente federal, somente ao mesmo cabe a respectiva fiscalização, carecendo, por conseguinte, os Estados de competência material para fazê-lo.

No que tange à competência dos Estados para “fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”, na esteira do art. 23, XI, da CF, também neste ponto carecem tais entes de competência material. É que o dispositivo constitucional retro não abarca o setor de Petróleo e Gás, eis que estes têm matriz orgânica, não sendo recurso hídrico ou mineral. Além disso, o art. 177, I, dispõe que à União cabe o monopólio da pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos e, bem assim, a fiscalização de polícia que lhe é afeita, em plena sintonia com o art. 8º, da Lei nº 9.478/97.

Em sede doutrinária, interessante anotar a percuciência de Aliomar Baleeiro[3]:

“Taxa sob pretexto de exercício de atribuição de alheia competência incorre em inconstitucionalidade, porque a Carta Política extrema as áreas de ação de cada pessoa de Direito Público”.

Ainda que se admitisse legítima a fiscalização de polícia ambiental e regulatória acima discorrida, as atividades de pesquisa e a lavra de petróleo e gás executadas offshore se encontram fora da competência territorial dos Estados. Conquanto o mar territorial seja bem da União, a Plataforma Continental e Zona Econômica Exclusiva não se caracterizam como território nacional (quiçá dos Estados e Municípios confrontantes) tendo a União direito a tão-somente o gozo dos respectivos recursos naturais, na forma do art. 20, V, da CF. É o que se denomina soberania relativa, regulada pela Lei nº 8.617/93 e pela Convenção de Montego Bay, internalizada no direito nacional pelo Decreto nº 1.530/95.

  (II) REFERIBILIDADE ENTRE TAXA E ATIVIDADE ESTATAL

Partindo-se do ponto que a taxa exsurge de uma atividade estatal, a mesma demanda haja referibilidade entre o múnus e a pecúnia respectivamente exigida. Contudo, inexiste em relação à taxa em testilha contrapartida estatal a justificar o tributo. O grupo de contribuintes que deverão suportar a taxa não recebem atenção estatal em retorno, sendo certo que as atividades descritas nos PLs refletem meras aspirações hoje inexistentes para fundamentar a imposição desse tributo de natureza contraprestacional.

Com precisão cirúrgica a esse mister, preleciona Aires F. Barreto[4]:

“Atividades ou serviços futuros, ainda que programados, não podem dar origem ao tributo. Dá-se o mesmo se faltar a referibilidade direta em relação ao obrigado.”

Assim, ausente a juridicidade exigida para a modalidade de tributo em evidência, ilegítima a sua instituição por desconformidade com o preceito emanado pelo art. 145, II, da CF.

(III) RELAÇÃO DE RAZOÁVEL EQUIVALÊNCIA ENTRE TAXA E SEU CUSTO

A instituição de taxa decorre da necessidade de o Estado remunerar “o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”. No caso em análise, contudo, verifica-se que o contexto em que a taxa é instituída é arrecadatório e o volume total de arrecadação da taxa será absolutamente dissonante do custo do aparato estatal necessário para a fiscalização de polícia veiculada por meio da taxa de fiscalização.

É o que leciona Ives Gandra Martins[5]:

“Uma taxa cujo valor da imposição superasse de muito o custo do serviço público decorrente perderia sua característica fundamental de taxa para cobrir o poder de polícia e, por decorrência, seria ilegítima.”

A taxa deve ser proporcional ao custo do serviço, nos termos do art. 13, §3º, da LCP nº 140/11. Nesse sentido, corrobora a jurisprudência do STF[6]:

“A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte”

Dessa forma, faltando à taxa de fiscalização a “razoável equivalência” do elemento contraprestacional próprio dessa espécie de tributo verifica-se inconstitucional por ferir de morte o primado constitucional do não-confisco.

(IV) PROPORCIONALIDADE DA MOTIVAÇÃO LEGISLATIVA

Para um amplo juízo de proporcionalidade dos PLs dissecados, imprescindível investigar o contexto e motivação legiferante em que se insere. Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a justificativa trazida pelo Estado do Rio de Janeiro:

“Diante do risco de perda dos Royalties decorrentes da exploração do Petróleo, o Estado do Rio de Janeiro será o maior prejudicado com considerável redução da receita para o ano de 2013. (…) O presente projeto vem ao encontro das medidas adotadas para evitar lesão irreparável aos cofres públicos do Estado.”

Verifica-se que a motivação para a instituição da taxa de fiscalização não é a tutela ambiental ou regulatória das atividades petrolíferas desenvolvidas nos Estados. Ao revés, a indiscreta busca por recursos norteia a iniciativa legislativa e esclarece que a razão de ser da taxa é evitar perdas aos cofres públicos oriundas da minoração da receita dos Estados com a perda dos Royalties da exploração do petróleo.

Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho[7], o princípio da proporcionalidade constitui “um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador”.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[8] ressoa os conceitos acima traçados:

“O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. (…) O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.”

Assim, com espeque em tudo quanto exposto acima, verifica-se, da ponderação entre fins e meios, que a taxa de fiscalização revela franca contumácia ao princípio da proprcionalidade.

(V) BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTO

A taxa de fiscalização traz, como visto, base de cálculo correspondente a índices dos respectivos estados aplicados por barril ou unidade equivalente de petróleo ou gás extraído, materializada a sua exigência pelo advento da venda ou a transferência do petróleo ou gás extraído. Inobstante, prescreve o § 2º, do art. 145, da CF: “As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.

A proximidade das bases de cálculo da taxa de fiscalização e do ICMS salta às vistas, porquanto a taxa em testilha leva em conta a quantidade de mercadoria saída por venda ou transferência. E é justamente isso que a Constituição quer vedar com o dispositivo antes citado. Na esteira desse raciocínio Aires F. Barreto[9] disseca o tema à luz da jurisprudência:

“Este é o entendimento firmado pelo nosso Poder Judiciário, que(…) tem decidido, de forma reiterada e uniforme, que é inconstitucional a exigência de taxa em cuja base de cálculo seja adotado critério ou elemento que haja servido para compor a base de cálculo de impostos.”

Dessa feita, tendo em conta a Constituição, a Lei e a jurisprudência, inevitável a conclusão da inconstitucionalidade da taxa de fiscalização também por este aspecto, já que cristalinamente verifica-se identidade entre a base de cálculo desta com a do ICMS.

CONCLUSÃO

O tributo não passa, como se viu, de inadequado instrumento arrecadatório manejado como fruto da irresignação do Legislativo fluminense, paulista e capixaba quanto à redistribuição dos Royalties do Petróleo. Conquanto razoáveis e justos os anseios dos Estados em defender os seus direitos na participação dos Royalties, não pode fazê-lo à míngua da Constituição e do Estado Democrático de Direito insculpido no art. 1º, da Lei Maior.



[1]Este artigo espelha a opinião do autor, não refletindo a posição das instituições que o mesmo represente profissionalmente.

[2] Este PL foi vetado pelo Governador de Estado do Rio de Janeiro e atualmente o veto pende de análise pela ALERJ.

[3] Baleeiro, Aliomar apud Barreto, Aires F. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1 (arts. 1º a 95) / coordenador Ives Gandra da Silva Martins – 5 ed. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. P. 668.

[4]Barreto, Aires F. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1 (arts. 1º a 95) / coordenador Ives Gandra da Silva Martins – 5 ed. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. P. 668.

[5] Martins, Ives Gandra da Silva apud Barreto, Aires F. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1 (arts. 1º a 95) / coordenador Ives Gandra da Silva Martins – 5 ed. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. P. 650.

[6] Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. ADI nº 2551/MG, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de 20/04/2006.

[7] CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 617.

[8] Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. ADI nº 2551/MG, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de 20/04/2006.

[9]Barreto, Aires F. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1 (arts. 1º a 95) / coordenador Ives Gandra da Silva Martins – 5 ed. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. P. 655 / 659 / 660.

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