Aproveitamento de créditos extemporâneos de PIS e COFINS não-cumulativos

Maurício Barros
Gerente da Consultoria Tributária de Gaia, Silva, Gaede & Associados em São Paulo
Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP
Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Especialista em Direito Tributário pelo IBET
Bacharel em Direito pela PUC/SP
Membro da ABDF e do IFA

Heitor Cesar Ribeiro
Advogado Senior de Gaia, Silva, Gaede & Associados em São Paulo
Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – GVLaw
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

1. Delimitação do Tema

Importante assunto sobre o qual se tem discutido recentemente é a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS referentes a encargos, custos e despesas incorridos em períodos anteriores. Tal assunto tomou relevância em vista de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do Poder Judiciário que alargaram o conceito de “insumos” utilizado pela Receita Federal do Brasil (RFB), de modo a garantir a alguns contribuintes a possibilidade de aproveitar créditos que não foram utilizados no passado.

 O assunto é controvertido, uma vez que existem duas possibilidades de aproveitamento desses créditos, quais sejam: (i) retificação das declarações (DACON e DCTF) dos períodos de competência, gerando-se pagamentos a maior compensáveis via PER/Dcomp, com incidência de juros SELIC; ou (ii) lançamento de créditos em período posterior ao período de competência, o que é denominado “aproveitamento extemporâneo”. A RFB, contudo, apenas reconhece um deles.

 Vale observar que o presente estudo não pretende fazer qualquer análise quanto ao conceito de insumos ou o enquadramento de determinados encargos, custos e despesas como passiveis ou não de créditos de PIS e COFINS, mas apenas quanto ao procedimento para aproveitamento dos créditos apurados fora do período de competência dos dispêndios que dão origem a tais créditos.

 2. Posicionamento do Fisco e Possibilidade de Aproveitamento Extemporâneo dos Créditos de PIS e COFINS Não-Cumulativos

 A RFB emitiu algumas soluções de consulta no sentido de que o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS não-cumulativos, apurados fora do período de competência, depende de retificações de DACON e DCTF dos períodos de apuração de tais créditos, de forma a gerar pagamentos a maior das contribuições, passíveis de atualização monetária pela SELIC e compensação via PER/Dcomp[1]. Além desses entendimentos, a 8ª Região Fiscal da Receita Federal do Brasil, que compreende o Estado de São Paulo, declarou que o tema não deve ser apreciado pela consultoria jurídica, mas sim pelo plantão fiscal, visto tratar-se de mera questão prática e operacional e não propriamente de interpretação da legislação tributária[2]. Já a Coordenação-Geral de Tributação (“COSIT”), órgão de unificação de entendimento das Regiões Fiscais da RFB, até o momento não se pronunciou sobre o assunto.

O grande inconveniente de se efetuar a retificação de DACONs e DCTFs de períodos passados é o fato de que as autoridades fiscais consideram que tal procedimento interrompe o prazo de decadência, fazendo com que o prazo para que a RFB cobre débitos de PIS/COFINS de períodos inferiores a 5 (cinco) anos comece a ser contado novamente após a retificação das declarações. Vale comentar que tal posicionamento vem sendo confirmado pelo CARF[3].

 Em que pese a posição da RFB sobre o tema, entendemos haver excelentes argumentos para defender a utilização do crédito de maneira extemporânea, sem a retificação de declarações de períodos anteriores.

 Primeiramente, as Leis 10.637/02 e 10.833/03, nos artigos 3º, § 4º, determinam expressamente que “o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes”, sem fazer qualquer restrição quanto ao prazo e formalidades para esse creditamento. Dessa forma, ante a ausência de dispositivo que proíba expressamente o crédito extemporâneo, entendemos que a legislação permite que o contribuinte recupere extemporaneamente créditos que não foram aproveitados no passado, desde que respeitado o prazo de decadência de cinco anos contados a partir do momento da aquisição das mercadorias e/ou serviços (fato gerador dos créditos). Por outro lado, tais créditos não podem ser atualizados pela SELIC, uma vez que se trata não de constituição de pagamento indevido no passado (como é o caso da retificação das declarações), mas de crédito não aproveitado pelo contribuinte no momento oportuno[4].

 Recentemente foi veiculada decisão do CARF favorável aos contribuintes nesse sentido, ao expressamente autorizar a utilização de créditos das contribuições de forma extemporânea:

 “NÃO-CUMULATIVIDADE. CRÉDITO. APROVEITAMENTO EXTEMPORÂNEO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO DO DACON. Desde que respeitado o prazo de cinco anos a contar da aquisição do insumo, o crédito apurado não-cumulatividade do PIS e Cofins pode ser aproveitado nos meses seguintes, sem necessidade prévia retificação do Dacon por parte do contribuinte.” (4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, relator Cons. Emanuel Carlos Dantas de Assis, acórdão 3401-001.577, )

 Na fundamentação do voto do relator constou expressamente a remissão ao artigo 3º, § 4º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, que indubitavelmente autorizam o creditamento extemporâneo sem impor ao contribuinte qualquer providência formal para tanto. Além disso, tendo em vista que o Fisco tem o poder-dever de fiscalizar os contribuintes, a decisão aponta que nada impediria que a própria RFB reprocessasse o DACON do contribuinte em caso de identificação de alguma declaração irregular, tanto favorável quanto contrariamente, o que já dispensaria qualquer ação prévia do contribuinte à fiscalização.

 Em que pese o exposto, não se descarta a possibilidade de o Fisco entender que o crédito extemporâneo, apropriado em um dado mês, é indevido naquele período, eis que o creditamento deveria ter sido efetuado quando o contribuinte incorreu com o custo ou a despesa. Entretanto, essa postura revelaria a exigência de um formalismo excessivo pelo Fisco, sem base em lei que determinasse as retificações. Além disso, eventuais irregularidades formais devem ser punidas com multas, não com o aumento do tributo a ser recolhido (além de juros e multa de ofício, evidentemente), como seria o caso de eventual glosa dos créditos extemporâneos de PIS/COFINS.

Frise-se que o tratamento normativo da DCTF e do DACON encontra fundamento legal no artigo 113 do Código Tributário Nacional (“CTN”), que trata das obrigações acessórias, definidas da seguinte maneira no § 2º: “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Nesse contexto, a eventual inobservância de obrigações acessórias não enseja a glosa de créditos e cobrança de tributo, mas sim a aplicação das multas fixadas no artigo 7º da Lei nº 10.426/02[5].

 Há que se notar que deixar de mencionar os créditos que seriam de direito do contribuinte em tais obrigações acessórias, de acordo com o período de competência, equivaleria, no máximo, à omissão fixada no caput do artigo 7º, cuja consequência é a aplicação das multas previstas no mesmo dispositivo. Dessa feita, não há fundamento legal para condicionar o direito de crédito à retificação de tais obrigações acessórias, haja vista que tal hipótese apenas e tão somente permitiria a aplicação das aludidas multas.

 3. Conclusões

 Tendo em vista o exposto, conclui-se que:

 a) O aproveitamento de créditos de PIS e COFINS não-cumulativos referentes a períodos anteriores, mediante retificação de DACON e DCTF, de forma a gerar pagamentos a maior das contribuições, apresenta os seguintes inconvenientes: (i) reabertura do prazo de decadência para revisão de todos os débitos declarados e (ii) elaboração de diversos formulários de compensação gerados pelo programa PER/Dcomp, o que demanda bastante trabalho. Contudo, nesse caso, o contribuinte poderá atualizar os créditos monetariamente.

 b) A tomada dos créditos de forma extemporânea apresenta as seguintes desvantagens: (i) risco de questionamento por parte das autoridades fiscais, haja vista precedentes desfavoráveis em processos de consulta, embora existam bons argumentos de defesa e um importante precedente do CARF para cancelar eventuais autuações, conforme dito; e (ii) impossibilidade de atualização monetária dos créditos levantados.

 Diante desse cenário, caso o contribuinte pretenda evitar a retificação de diversas obrigações acessórias e elaboração de pedidos de compensação, bem como evitar a reabertura do prazo decadencial para autuações de períodos pretéritos, entendemos ser viável o aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS extemporaneamente, sem a necessidade de retificar declarações, o que conta com importante precedente do CARF.



[1] A título de exemplo: Processo de Consulta nº 73/12, 10ª Região Fiscal, DOU 13.06.2012; Processo de Consulta nº 14/11, 6ª Região Fiscal, DOU 28/02/2011; Processo de Consulta nº 90/11, 9ª Região Fiscal, DOU 07/04/2011; Processo de Consulta nº 73/2012, 10ª Região Fiscal, DOU 13/06/2012.

[2] Processo de Consulta nº 235/11, 8ª Região Fiscal, DOU 26.10.2011.

[3] 1. “DECADÊNCIA – DECLARAÇÃO RETIFICADORA – A apresentação de declaração retificadora, contendo novos elementos que possam levar à autuação, desloca o inicio do prazo decadencial.” (1º Conselho de Contribuintes; 104-22.736; 17.10.2007) 2. “DECADÊNCIA — RENDIMENTOS SUJEITOS AO AJUSTE ANUAL — DECLARAÇÃO RETIFICADORA — No caso de Declaração de Ajuste Anual apresentada em consonância com o entendimento do Fisco, porém posteriormente retificada, de forma a subtrair rendimentos à tributação, o termo de início do prazo decadencial desloca-se da data do fato gerador para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, inciso I, do CTN)” (Câmara Superior de Recursos Fiscais; CSRF/04-00.360; 27.09.2006).

[4] Esse ponto é discutível. No entanto, como não é o foco deste artigo, não teceremos maiores considerações sobre o tema.

[5] “Art. 7º O sujeito passivo que deixar de apresentar Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica, Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRF e Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais – Dacon, nos prazos fixados, ou que as apresentar com incorreções ou omissões, será intimado a apresentar declaração original, no caso de não-apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela Secretaria da Receita Federal – SRF, e sujeitar-se-á às seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

(…)

IV – de R$ 20,00 (vinte reais) para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou omitidas. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)”

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