Ajuste SINIEF nº 19/12: Importação – ICMS – Obrigatoriedade de informação do valor da importação na Nota Fiscal de venda do produto importado e seus efeitos nas relações comerciais. Problemas legais?

por Luiz Roberto Peroba
Advogado em São Paulo

por Fabio Tarandach
Advogado em São Paulo

 

I.A Guerra Fiscal e a Resolução Nº 13, do Senado Federal

O tema da Guerra Fiscal está em destaque, figurando nas manchetes dos principais jornais e revistas do País. Atualmente, os 3 (três) poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) estão com o assunto na pauta do dia e buscam uma forma de acabar com esta disputa travada há tempos pelos Estados da Federação, e que tem no ICMS a principal arma utilizada para atrair investimentos e desenvolvimento.

Em que pese sua contribuição para a diminuição das diferenças regionais, a Guerra Fiscal foi alçada por muitos à condição de vilã do Sistema Tributário Nacional, uma vez que, em sua maioria, os incentivos fiscais concedidos de forma unilateral pelos Estados não têm fundamento na Constituição Federal.

Vale lembrar que, segundo o artigo 2º, §2º, da Lei Complementar nº 24/75, todo e qualquer benefício concedido pelos Estados deve ser aprovado, à unanimidade, por todos os Estados da Federação, hoje representados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”). Assim, como a aprovação unânime se mostra praticamente impossível, há tempos os Estados têm concedido incentivos fiscais sem a aprovação do CONFAZ, que, portanto, afrontam a Constituição Federal.

Diante da inconstitucionalidade desses incentivos, os Estados que se vêem prejudicados seguem dois caminhos: (i) questionam judicialmente, perante o Supremo Tribunal Federal, os benefícios concedidos sem amparo do CONFAZ; e (ii) punem os contribuintes localizados em seus Estados, por meio da glosa dos créditos de ICMS decorrentes de operações interestaduais praticadas com empresas incentivadas.

Essa situação gera um cenário de incertezas e insegurança jurídica, que certamente tende a afastar empresas interessadas em investir no País. Por um lado, determinados Estados oferecem condições vantajosas à abertura de novas plantas industriais e ao incremento das já existentes; por outro lado, esses benefícios fiscais são questionados judicialmente por outros Estados e julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Foi justamente nesse contexto que o Governo Federal passou a dar especial atenção à problemática da Guerra Fiscal. No que interessa a este artigo, a primeira medida de destaque foi provocar o início do debate do assunto junto aos Senadores da República, o que culminou na edição, em 25.4.2012, da Resolução nº 13, que reduziu a alíquota do ICMS a 4% nas operações interestaduais praticadas com bens e mercadorias importadas do exterior. Para o governo federal, tal medida é importante para se fazer uma equalização da tributação do produto importado ao produto nacional.

Nos termos do artigo 1º da Resolução nº 13/2012 a alíquota de 4% se aplica aos bens importados (i) objeto de simples revenda; e (ii) que, sujeitos à industrialização, resultem em um “Conteúdo de Importação” superior a 40%. Esse “Conteúdo de Importação” deve ser calculado pelo quociente entre o valor da parcela importada e o valor total de saída da mercadoria, nos termos do artigo 1º, §2º, da Resolução nº 13/2012.

No entanto, apesar de ter sido editada com o objetivo de acabar com a denominada “Guerra dos Portos” — mais um dos tantos capítulos da Guerra Fiscal –, a regulamentação da Resolução nº 13/2012 foi recebida com grande preocupação por parte dos contribuintes, uma vez que trouxe questionáveis obrigações acessórias necessárias à sua implementação.

II.O Ajuste SINIEF nº 19

Com o objetivo de regulamentar a Resolução nº 13/2012, foi editado o Ajuste SINIEF nº 19/2012, que estabeleceu uma série de obrigações acessórias para a aplicação da alíquota do ICMS de 4%. Dentre essas novas obrigações, encontra-se o ponto mais polêmico e questionável das regras criadas com o intuito de acabar com a Guerra Fiscal.

Ao regulamentar o preenchimento da Nota Fiscal eletrônica (“NF-e”) de saída interestadual da mercadoria importada, a Cláusula Sétima do referido Ajuste SINIEF nº 19/2012 determinou que o contribuinte informe na NF-e (i) o valor da importação, no caso de revenda; e (ii) no caso de bens industrializados, o valor da parcela importada do exterior, o número da Ficha de Conteúdo de Importação (“FCI”)[1] e o próprio Conteúdo de Importação.

Entretanto, tais exigências do Ajuste SINIEF nº 19/2012 nos parecem ilegais e inconstitucionais, uma vez que ferem princípios básicos de nossa ordem jurídica e econômica, bem como direitos fundamentais de qualquer empresa ou empresário.

III.A ilegalidade e a inconstitucionalidade da Cláusula Sétima do Ajuste SINIEF nº 19/2012

Como visto, a Cláusula Sétima do Ajuste SINIEF n° 19/2012 obriga os contribuintes a indicarem na NF-e de saída interestadual (i) o valor do produto importado (no caso de revenda); ou (ii)o valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o “conteúdo de importação” (no caso de venda de produto industrializado, mas com “conteúdo de importação” superior a 40%).

Ocorre que, ao ter que informar tais dados nas NF-e de saída interestadual, os contribuintes, indiretamente, estão revelando aos seus clientes e, mais ainda, ao mercado — haja vista que a NF-e passará ao seu cliente e, pois, ficará fora de seu controle –, segredos de sua atividade empresarial, tais como o custo de aquisição dos insumos ou dos produtos revendidos, bem como a própria margem de lucro auferida com sua atividade empresarial.

Na prática, ao exigir que o contribuinte indique, na NF-e de saída, informações relativas à operação de importação, o Fisco está exigindo que o contribuinte “escancare” aos seus clientes, concorrentes e, em última instância, ao mercado como um todo, informações confidenciais acerca de sua atividade empresarial.

Embora nem preciso fosse, não é demais lembrar que a publicidade de informações sigilosas a terceiros representa grande prejuízo à sociedade empresária. A divulgação a terceiros (clientes, concorrentes etc.) de informações relacionadas a operações praticadas com seus fornecedores prejudica o desenvolvimento de estratégias comerciais e, em última análise, pode até mesmo inviabilizar as atividades da empresa.

Ninguém pode ser obrigado a revelar, a terceiros, informações comerciais confidenciais. Em um mercado competitivo e livre, a divulgação de informações desse tipo pode, por exemplo, fazer com que concorrentes da empresa importadora, cientes da sua margem de lucro e/ou do custo de aquisição dos insumos, diminuam propositadamente seus preços, de modo a prejudicar a empresa, num clássico exemplo de concorrência desleal.

Ainda que seja admissível, sob determinadas circunstâncias, que o Estado intervenha na economia para corrigir alguma sazonalidade do mercado, os princípios norteadores da atividade econômica são os da livre iniciativa e da concorrência empresarial, nos termos dos artigos 145, §1º, e 170, caput e inciso IV, da Constituição Federal. Da mesma forma, o direito à privacidade é tratado como direito fundamental (cláusula pétrea) das pessoas físicas e jurídicas, conforme estabelece o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Em âmbito infraconstitucional, o ordenamento não trata a questão de maneira diferente. O Decreto n° 7.724/2012, que regulamentou a Lei n° 12.527/2011 (“Lei de Acesso à Informação”), estabelece em seu artigo 5° que: “não se sujeitam ao disposto neste Decreto as informações relativas à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado obtidas pelo Banco Central do Brasil, pelas agências reguladoras ou por outros órgãos ou entidades no exercício de atividade de controle, regulação e supervisão da atividade econômica cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos” (grifos nossos).

Além disso, de forma indireta, o próprio Código Tributário Nacional (“CTN”) preserva o direito do contribuinte à privacidade de suas informações. Se ao Fisco é vedado divulgar informações sobre a situação econômica ou financeira dos contribuintes (artigo 198 do CTN[2]), muito menos poderia um ato normativo infralegal obrigar o contribuinte a divulgá-las ao mercado. Em outras palavras, a regra é assegurar o direito fundamental do contribuinte à preservação de suas informações sigilosas.

Cabe ainda um esclarecimento importante: não se está questionando neste texto o direito de o Fisco exigir do contribuinte a prestação de informações relativas a qualquer operação comercial, até mesmo porque tais informações são prestadas no momento do desembaraço aduaneiro ou da operação interestadual. O que entendemos inadmissível é a exigência de que o contribuinte divulgue, ao mercado, por meio da NF-e, o custo de aquisição de seus insumos ou dos bens revendidos, a sua margem de lucro etc.

Afinal de contas, os preços praticados por determinada empresa (custo de aquisição) é uma informação comercialmente sensível e deve ser sigilosa para não desequilibrar a relação entre os agentes econômicos. Não é admissível que um ato normativo fragilize os maiores princípios de nossa ordem econômica, que são os da livre iniciativa e da livre concorrência.

Frise-se, ainda, que as operações de importação, pactuadas na esfera do direito internacional privado, têm muitas vezes no sigilo das informações comerciais a condição para a realização do negócio, estipulada no contrato firmado entre as empresas brasileira e estrangeira, de forma que a quebra do sigilo comercial pode culminar no pagamento de indenização pela empresa importadora e no próprio rompimento do contrato.

IV.Conclusão

Por tudo isso, não resta dúvida de que as obrigações acessórias estabelecidas pela Cláusula Sétima do Ajuste SINIEF nº 19/2012 estão revestidas de ilegalidade e de inconstitucionalidade insanáveis, na medida em que ferem princípios básicos da nossa ordem econômica, tal como prevista na Constituição Federal, bem como direitos fundamentais das pessoas jurídicas empresárias.

Dessa forma, aqueles contribuintes que se sentem prejudicados pela introdução de tais obrigações acessórias podem buscar a tutela do Poder Judiciário visando afastar a obrigatoriedade de indicação, na NF-e de saída interestadual, das informações relativas à operação de importação.



[1]    Em 24.12.2012, foi publicado o Ajuste SINIEF nº 27/2012 que prorrogou para 1º.5.2013 o início da obrigatoriedade de preenchimento e entrega da Ficha de Conteúdo de Importação (“FCI”).

[2]    “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.”

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