A Questão do Prazo para Repetição, nas Hipóteses dos Tributos sujeitos ao Lançamento por Homologação
por Barbara C. Prado
Pós-Graduada em Direito Fiscal pela PUC-RJ e Advogada da Petrobras Distribuidora
A questão da contagem do prazo para repetição de indébito de tributos sujeitos ao lançamento por homologação já foi objeto de grande controvérsia na jurisprudência durante algum tempo. Hoje, parece que o assunto já está pacificado, tendo em vista o advento da Lei Complementar nº 118/2005.
Isto porque, nos lançamentos por homologação, a Fazenda possui o prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, para homologar o pagamento antecipado realizado pelo sujeito passivo.
Imaginemos então que determinado contribuinte de tributo, sujeito ao lançamento por homologação, venha a proceder indevidamente ao pagamento antecipado do mesmo e, posteriormente, tal pagamento, não sendo homologado expressamente, venha a sê-lo de forma tácita, ou seja, cinco anos após a ocorrência do fato gerador, na forma prevista pelo art. 150, §4º, do CTN.
O prazo para pleitear a repetição de tributos indevidamente pagos, inclusive aqueles sujeitos ao lançamento por homologação, é de cinco anos, contados da extinção do crédito tributário, de acordo com os termos do art. 168, I. Ocorre que o art. 156, do CTN, que dispõe sobre as causas extintivas do crédito tributário, ao tratar da extinção dos créditos constituídos por lançamento por homologação fala em “pagamento antecipado e homologação do lançamento”.
Dessa forma, questionava-se: os cinco anos previstos pelo art. 168 deveriam ser contados do pagamento antecipado ou da homologação de referido pagamento que, na prática, se dá sempre de forma tácita, após cinco anos contados da ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação tributária?
A “tese dos cinco mais cinco”, consagrada pela Primeira Seção do STJ -ERESP nº 435.835/SC, de 24/03/2004 -, fundou-se justamente nessa questão controversa.
Insta salientar que referida tese vigorou no STJ por quase uma década e veio a ser abandonada somente com o advento do art. 3º, da Lei Complementar nº 118, de 09/02/2005[1].
Assim, com referida lei que entrou em vigor após cento e vinte dias da data de sua publicação (mais precisamente em 09/06/2005), o prazo de cinco anos para repetição passou a ser contado a partir do pagamento antecipado, tido por indevido.
A controvérsia, contudo, não foi totalmente dirimida. Restaram dúvidas ainda quanto aos pagamentos realizados anteriormente à vigência da lei complementar, já que o art.4º[2] tentou conferir natureza interpretativa à norma contida no art. 3º, objetivando que sua aplicação se desse a fatos e atos pretéritos.
De acordo com os termos do art. 4º, portanto, o art. 3º deveria aplicar-se retroativamente, de modo que os pagamentos antecipados tidos por indevidos, realizados antes de 09/06/2005, constituiriam termo inicial para a contagem do prazo prescricional de repetição de indébito.
Contudo, o STJ, em Argüição de Inconstitucionalidade[3] suscitada em virtude da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 482.090[4], declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º, da LC nº 118/2005, entendendo que a norma do art. 3º, na pretensão de “interpretar” o enunciado do art. 168, I, c/c art. 156, VII, do Código Tributário Nacional, além de ter conferido sentido e alcance diversos do atribuído pelo Tribunal que detém a atribuição constitucional de interpretação das leis federais, também inovou no plano normativo. Assim, ao dispor o art. 4º, da LC nº 118, que a norma do art. 3º possuiria natureza interpretativa e, portanto, se aplicaria a situações pretéritas, violou os princípios da autonomia e independência dos poderes e da garantia ao direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. [5]
Pois bem, a consequência da declaração da inconstitucionalidade de parte da norma contida no art. 4º, da LC n 118/2005, foi a seguinte: como referido diploma legal entrou em vigor em cento e vinte dias, contados da data de sua publicação que se deu em 09/02/2005, somente a partir de 09/06/2005, a data dos recolhimentos realizados a título de pagamento de tributos, sujeitos ao lançamento por homologação, passaram a constituir o termo a quo do prazo quinquenal para o pedido de repetição de indébito.
Antes de 09/06/2005, o termo a quo para a contagem do prazo prescricional de dez anos (cinco mais cinco), para repetição de valores recolhidos a título de pagamento de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, continuaria a ser o momento da ocorrência do fato gerador.
Todavia, o acórdão do STJ que julgou a argüição de inconstitucionalidade, ao dispor sobre a forma de contagem do prazo prescricional, antes e depois da vigência da LC nº118/2005, sugere a adoção de uma regra de transição, segundo a qual a observância da interpretação anterior (contagem do prazo de dez anos, a partir do fato gerador do tributo) estaria limitada ao prazo máximo de cinco anos, contados da lei nova. Assim, por essa tese, os dez anos (“cinco mais cinco”) contados do fato gerador teriam a data de 09/06/2010 como termo ad quem para a propositura da ação repetitória.[6]
De fato, a regra clássica de direito intertemporal, ao mesmo tempo que resguarda o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, também prestigia a vontade do legislador contemporâneo. Tal regra encontra amparo perante o ordenamento jurídico, bem como na jurisprudência[7].
Ocorre que recentemente a questão da constitucionalidade da segunda parte do art. 4º, da LC nº 118/2005, veio a ser novamente analisada pelo STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS, interposto pela União Federal.
No referido julgamento, o STF, por maioria, embora negando provimento ao recurso da União e confirmando a inconstitucionalidade da norma supra citada, considerou válida a aplicação do prazo de cinco anos contados do pagamento indevido para o ajuizamento das ações repetitórias após 09/06/2005, data em que a LC nº 118/2005 entrou em vigor.
É dizer: após 09/06/2005, qualquer ação proposta pelo contribuinte para repetir indébitos referentes aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação passou a observar o prazo prescricional de cinco anos, contados do pagamento indevido.
A questão é que ao adotar esse entendimento, o STF acabou por, de certa forma, conferir efeitos retroativos à lei complementar. Isto porque, as ações propostas a partir de 09/06/2005 somente podem ser objeto de cobrança de indébitos ocorridos nos cinco anos anteriores.
Explica-se: imaginemos que um suposto fato gerador tenha ocorrido em janeiro de 2000 e o pagamento do respectivo crédito indevido tenha se dado em março do mesmo ano. De acordo com a regra de transição adotada pelo STJ, o contribuinte disporia de dez anos (contados do suposto fato gerador) para a cobrança do indébito, desde que não ultrapassados cinco anos contados da vigência da nova lei. Desta forma, a ação poderia ser proposta até janeiro de 2010.
Já conforme o recente entendimento do STF, caso a ação de repetição fosse proposta nessa data estaria prescrita, posto que para valer-se do prazo de dez anos haveria necessidade de o contribuinte ajuizar ação repetitória até 08/06/2005, último dia antes da Lei Complementar nº 118 entrar em vigor.
Questão delicada a ser considerada é que o atual entendimento do STF somente veio a ser proferido em agosto de 2011. É dizer: um contribuinte de boa-fé que tenha pautado sua conduta na jurisprudência do STJ (Tribunal que detém a atribuição constitucional de interpretação das leis federais) para ajuizar sua ação em janeiro de 2010, poderá ter declarada a prescrição de seu direito, na medida em que o STF entende que a partir de 09/06/2005 somente podem ser repetidos indébitos dos cinco anos anteriores.
Ora, considerando que a perspectiva subjetiva da segurança jurídica volta-se à idéia da proteção à confiança legítima do jurisdicionado, no que diz respeito aos atos do Estado, tudo leva a crer, em nome de tal princípio, que as grandes rupturas jurisprudenciais, tal como a vivenciada na presente situação, só devam produzir efeitos para o futuro.[8]
Por essa razão, irretocável é o entendimento consignado pelo Professor Ricardo Lodi Ribeiro[9], para quem “(…) se for correto o entendimento de que a segurança jurídica exige que a nova interpretação só seja válida a partir da entrada em vigor da lei, afastando-se os seus efeitos retroativos, deve-se reconhecer que todos aqueles que já tinham direito a pleitear a repetição até aquela data não são por ela atingidos. (…) Quem, até a véspera efetuou pagamento de tributo e pretender repeti-lo judicialmente, terá direito, em nome da proteção da segurança jurídica, a se beneficiar da ‘tese dos cinco mais cinco’”.
Ante todo o exposto, considerando que a segurança jurídica e a justiça são valores supremos do ordenamento, não constituindo exagero afirmar que o respeito à segurança constitui meio para alcance da justiça, causa espécie imaginar que um jurisdicionado de boa-fé, que pauta sua atuação na jurisprudência pacífica de um Tribunal Superior competente para interpretação da legislação federal, possa ser prejudicado por decisão do Supremo Tribunal Federal, órgão competente para proteção da ordem constitucional brasileira.
[1] Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.”
[2]Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
[3] Arguição de Inconstitucionalidade nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 – PE (2005/0055112-1).
[4] (RE 482.090, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento e m 18-6-08, DJE de 13-3-09)”Acórdão que afasta a incidência de norma federal. Causa decidida sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição. Reserva de Plenário. Art. 97 da Constituição. Tributário. Prescrição. Lei Complementar 118/05, Arts. 3º e 4º. Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), Art. 106, I. Retroação de norma auto-intitulada interpretativa. „Reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição‟ (RE 240.096, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 21-5-99). Viola a reserva de Plenário (…) acórdão prolatado por órgão fracionário em que há declaração parcial de inconstitucionalidade, sem amparo em anterior decisão proferida por Órgão Especial ou Plenário. Recurso extraordinário conhecido e provido, para devolver a matéria ao exame do Órgão Fracionário do Superior Tribunal de Justiça.” (RE 482.090, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 18-6-08, DJE de 13-3-09)
[5] Arguição de Inconstitucionalidade nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 – PE (2005/0055112-1
[6] “(…) com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.”
[7] Por todos, o vide histórico precedente do STF (RE 37.223/ES, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10/07/1958), assim ementado: “Prescrição Extintiva. Lei nova que reduz o prazo. Aplica-se às prescrições em curso, contando-se o novo prazo, a partir da nova lei. Sóse aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo menor da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse ao resultado oposto, de ampliá-lo.”
[8] Nesse sentido, RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade: Não-surpresa e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.240.
[9] RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte, p.199.