A Nociva Penhora de Dividendos de Débitos Tributários já garantidos
por Rodrigo Martone
Associado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo
Mestre em Direito Tributário pela Georgetown University, Washington, D.C. (Graduate Tax Scholarship)
Flávio Amorim
Assistente da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
I. INTRODUÇÃO
Em não raras vezes, as Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal solicitam nas execuções fiscais de sua titularidade a penhora de dividendos de companhias, que possuem débitos tributários sendo exigidos nestes processos, como forma de garantia do juízo. Essa prática vem sendo largamente adotada pelas procuradorias como forma de tentar resguardar a satisfação do crédito tributário.
No entanto, o que causa grande perplexidade nessas situações é que essa tentativa não fica restrita aos executivos fiscais em que os débitos estão em aberto, ou seja, sem a prestação de garantia por parte do contribuinte. Muito pelo contrário. Mesmo nos casos em que o contribuinte voluntariamente apresenta garantia idônea em juízo, –tal como fiança bancária– devidamente aceita pelas autoridades fiscais e homologada pelo juiz do caso, a tentativa de penhora de dividendos continua a ocorrer, sob o argumento de que o dinheiro teria preferência sobre outras formas de garantia.
O escopo do presente artigo é o de analisar a situação em que a Fazenda Pública solicita a penhora de dividendos de companhias, cujo débito tributário já foi regularmente garantido em juízo, especialmente levando em conta o fato de que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) iniciou o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial (“Eresp”) nº 1.163.553/RJ, no qual esse tema será uniformizado.
II. A ILEGALIDADE NA PENHORA DE DIVIDENDOS EM EXECUÇÕES FISCAIS JÁ GARANTIDAS
Primeiramente, cumpre ressaltar que a penhora de dividendos é uma medida extrema e excepcional, que apenas deveria ser solicitada pelas procuradorias das Fazendas Públicas e deferida pelo Poder Judiciário em situações específicas em que há o efetivo risco de o contribuinte não satisfazer seu débito ou em que há dúvidas quanto à idoneidade da garantia por ele apresentada. Nesses casos, de fato, as procuradorias das Fazendas Públicas teriam toda legitimidade para solicitar a penhora de dividendos, uma vez que estariam buscando via Poder Judiciário o reconhecimento do seu direito à satisfação do crédito tributário.
No entanto, ao adotar a prática de solicitar a penhora de dividendos indiscriminadamente, sob o mero argumento de que o dinheiro teria preferência sobre outras formas de garantia, as procuradorias acabam atuando de forma imprudente, causando enorme prejuízo ao contribuinte de boa-fé que discute seus débitos tributários de modo idôneo e legítimo.
Como a fiança bancária é a garantia mais comumente utilizada pelos contribuintes para garantir dívidas tributárias em executivos fiscais, em lugar do depósito judicial, cabe explicar melhor no que consiste essa forma de garantia.
A carta fiança bancária é um instrumento contratual pelo qual o banco garante, como fiador, o cumprimento de seu contratante. Essa espécie de fiança é largamente utilizada para garantia de débitos tributários em execuções fiscais promovidas pelas Fazendas Públicas, tendo em vista que, em termos práticos, não há qualquer diferença entre o dinheiro depositado e a carta de fiança bancária.
Considerando que basta a intimação da instituição financeira fiadora para depositar o valor atualizado do débito na conta do juízo, o que geralmente ocorre em um curto espaço de tempo (geralmente de 2 a 5 dias), não há que se dizer que a fiança bancária prestada por instituição financeira apresenta menor liquidez que o dinheiro.
Assim, a tentativa de desconstituição de fiança bancária, que atende plenamente a todos os requisitos previstos em lei, visando a sua substituição pela penhora de dividendos, viola não apenas o livre exercício de qualquer atividade econômica e a segurança das relações jurídicas, garantidos pela Constituição Federal de 1988, mas também o princípio da menor onerosidade do devedor, previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil (“CPC”).
Vale mencionar que a jurisprudência pátria possui decisões que se manifestam exatamente nesse sentido. Confira-se a seguir a ementa de alguns desses julgados:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – INDEFERIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA: IMPOSSIBILIDADE (NO CASO) – BEM SUFICIENTE À GARANTIA DA EF – NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO MONOCRATICAMENTE – AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Constatando-se que bem nomeado à penhora garante a EF, a substituição da constrição para que recaia sobre dividendos distribuídos aos acionistas, aparentemente mais confortável, conveniente e menos trabalhoso para a exequente, pode surgir como afronta ao princípio de menor onerosidade ao devedor.
2. A penhora deve harmonizar-se com o princípio do meio menos gravoso ao devedor, adequando-se com bom senso à realidade fática de cada hipótese (existência de outros bens nomeados à penhora).
3. Agravo interno não provido.
4. Peças liberadas pelo Relator, em 25/11/2008, para publicação do acórdão”. (TRF 1ª REGIÃO – PROCESSO Nº 200801000346177, RELATOR: JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO)
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“TRIBUTARIO E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE VALORES RELATIVOS AOS LUCROS E DIVIDENDOS RECEBIDOS POR POSSUIR COTAS EM EMPRESA. SUBSTITUIÇAO POR DIREITOS DE CRÉDITO EM CONTRATO DE ALIENAÇAO FIDUCIARIA SOBRE AUTOMOVEL. POSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA MENOR ONEROSIDADE.
1. A penhora sobre o lucro e dividendos recebidos – que se aproxima a salário – é medida excepcional e somente admitida, quando esgotados todos os esforços na localização de bens, livres e desembaraçados, ou seja, quando cabalmente comprovada a inexistência de qualquer outro bem que possa garantir a execução.
2. Passível de constrição judicial os direitos sobre alienação fiduciária de automóvel, deve a penhora ser substituída por estes, no caso concreto, em face do princípio da menor onerosidade, conforme dispõe o art. 620 do CPC.
3. Agravo de instrumento provido”. (TRF 4ª Região – AGRAVO DE INSTRUMENTO 200404010492890, Relator OTAVIO ROBERTO PAMPLONA)
Portanto, o bloqueio de dividendos deveria ser considerado uma medida excepcional, justificável apenas quando o contribuinte deliberadamente tenta se esquivar das cobranças e se nega a prestar garantia idônea aos débitos tributários em discussão nos processos de execução fiscal. Adotar essa prática como regra geral traz insegurança e prejudica a regular atividade econômica da companhia, além de tumultuar o bom andamento do processo.
III. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ EM CONSTRUÇÃO
Esse tema está atualmente sendo debatido no STJ. Quando do julgamento do Recurso Especial (“Resp”) nº 1.163.553/RJ, interposto por empresa do ramo das telecomunicações, a Segunda Turma do STJ analisou essa questão e manifestou-se desfavoravelmente aos interesses do contribuinte ao entender que “(…) embora a Fazenda credora tenha concordado com a garantia prestada (fiança bancária), a regra do art. 15, II, da LEF permite que a descoberta de outro bem (superveniente ou não), que, a seu juízo, melhor atenda às expectativas de satisfação de sua pretensão, fundamente o pleito de substituição da penhora (…)”.
Em vista da existência de decisão divergente da Seção de Direito Privado do STJ que, no julgamento do Resp nº 1.116.647/ES, se manifestou no sentido de que o juízo deverá agir com parcimônia ao analisar o pleito do credor para a penhora de aplicações financeiras da empresa devedora na hipótese em que foi oferecida fiança bancária como garantia da dívida –sob pena de se inviabilizar o exercício do direito de defesa ou o desempenho de atividade econômica–, foram opostos Embargos de Divergência para que a Primeira Seção do STJ uniformizasse a jurisprudência sobre essa questão.
No último dia 29 de maio de 2014, a Primeira Seção do STJ iniciou o julgamento dos referidos embargos de divergência para definir se seria legal ou não a medida tendente a bloquear/penhorar os dividendos que serão distribuídos aos acionistas da companhia, ainda que a empresa tenha oferecido fiança bancária devidamente aceita pelas autoridades fiscais no processo. Até o momento, votou apenas o relator do recurso, o ministro Arnaldo Esteves.
Para o relator, que votou de forma favorável ao contribuinte, uma vez homologada a fiança bancária pelas autoridades fiscais, a alteração na garantia só poderia ser feita caso fosse constatada alguma irregularidade na fiança ou caso a empresa executada solicitasse a alteração da garantia. Após o voto do relator, o ministro Herman Benjamin fez pedido de vista e o julgamento foi paralisado.
III. CONCLUSÃO
Apesar de não haver ainda previsão para o retorno do julgamento, espera-se que a Primeira Seção do STJ analise com cautela o assunto e pacifique o tema ainda esse ano, tendo em vista o grande número de contribuintes que possuem dividendos bloqueados/penhorados, mesmo tendo oferecido fiança bancária idônea, devidamente aceita pelas autoridades fiscais, como garantia de débito tributário em executivo fiscal.
Por mais que a garantia dos débitos tributários seja um tema de extrema relevância para o Estado, é necessário que haja uma ponderação cautelosa por parte das procuradorias das Fazendas Públicas e do Poder Judiciário para evitar que prejuízos irreparáveis sejam cometidos aos contribuintes.