A Declaração Obrigatória de Planejamentos Fiscais — O BEPS e o Direito Comparado

por Murillo Allevato
Bacharel em Direito pela Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro
Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro
Master of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional pela Universidade de Viena (Wirtschaftsuniversität Wien – WU)
Advogado no Rio de Janeiro

 

INTRODUÇÃO

A Medida Provisória 685 de 21.7.2015 (“MP 685/15”) estabelece em seu artigo 7º a obrigatoriedade de os contribuintes revelarem suas estratégias de planejamento tributário por meio de declaração a ser apresentada até o dia 30 de setembro de cada ano. Na exposição de motivos, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy esclarece que a referida norma legal segue a linha do Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Base Erosion and Profit Shifting – “BEPS”) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) e do G20, o qual reconheceu que as regras de divulgação obrigatória de planejamentos tributários (mandatory disclosure – “divulgação obrigatória)produzem benefícios tais como redução de litígios e oportunidade de responder rapidamente aos riscos de perda de arrecadação. O presente estudo tem por objetivo analisar o conteúdo disponibilizado pela OCDE a respeito das regras de divulgação obrigatória, bem como examinar a forma que este regime vem sendo regulamentado em outros Estados. Por fim, tais informações serão contrastadas com as regras de divulgação obrigatória introduzidas pela MP 685/15.

BEPS

Partindo da premissa de que os contribuintes têm adotado planejamentos internacionais abusivos que resultam na transferência de lucros de Estados com alta carga tributária para jurisdições com carga tributária reduzida ou nula, a OCDE e os membros do G/20 criaram o Projeto BEPS. Com vistas a combater a erosão da base tributária e transferência de lucros de contribuintes entre Estados, o Projeto BEPS estabeleceu um plano com quinze ações a serem adotadas pelos Estados[1]. Para cada uma das quinze ações, ficou determinada a elaboração de um relatório contendo instruções e detalhes a respeito de sua implementação. Os relatórios são elaborados pelo Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE (“CFA”), composto por representantes de todos os membros da OCDE e do G20, após discussões com os representantes de Estados em desenvolvimento, bem como depois da realização de audiências públicas com acadêmicos, associações de classe, empresas e firmas de auditoria e de advocacia[2]. Por essa razão, pode-se afirmar que todo o conteúdo produzido no âmbito do Projeto BEPS reflete a posição não só dos Estados da OCDE, como também dos membros do G-20, do qual o Brasil faz parte. Tal reconhecimento é relevante para afastar qualquer argumento no sentido de que as determinações do Projeto BEPS deveriam ser ignoradas pelas autoridades brasileiras, em virtude de refletir o posicionamento dos Estados desenvolvidos e exportadores de capital. Note-se que também fazem parte do projeto a África do Sul, a Argentina, a China, a Índia, a Indonésia e a Turquia.

Cabe ressaltar, na oportunidade, que as ações do Projeto BEPS preveem medidas a serem implementadas para combater tão somente estratégias de planejamento tributário internacional que envolvam a transferência de lucros entre jurisdições com carga tributária díspar. Nesse sentido, o combate a estratégias de planejamento na esfera doméstica que não envolvam remessa de lucros para outro Estado, tais como aquelas abrangidas pela MP 685/15, estão fora do escopo do BEPS.

O Projeto BEPS ressalta a necessidade de um regime de divulgação obrigatória para planejamentos internacionais, visto que as autoridades fiscais de um Estado normalmente enfrentam dificuldades na verificação do tratamento aplicado por outro Estado a determinado negócio jurídico. Como exemplo, pode-se mencionar a situação de uma sociedade que recebe dividendos, de acordo com a legislação de sua residência que, ao mesmo tempo, possam ser considerados como juros dedutíveis pela legislação do Estado da fonte pagadora. Tendo em vista que o Estado onde se encontra localizado o beneficiário não saberia, de antemão, que os rendimentos seriam dedutíveis da base de cálculo da fonte pagadora, poderia conceder isenção a tais rendimentos, em que pese a receita decorrente de juros ser de fato tributável. Ademais, um planejamento poderia ser considerado legítimo do ponto de vista de um Estado, mas abusivo se a análise abrangesse todos os Estados envolvidos na operação. Assim, o regime de divulgação obrigatória internacional garantiria que as autoridades fiscais de um Estado tivessem acesso ao planejamento como um todo, de modo que pudessem avaliar com precisão a sua licitude.

No que tange à Ação 12 do BEPS, que trata da divulgação obrigatória, o CFA ainda não publicou o relatório detalhando as medidas a serem implementadas por cada Estado, mas apenas a Minuta para a Audiência Pública foi publicada em 11.5.2015[3].

Diante desse cenário, vale uma breve consideração a respeito da conveniência de edição de uma Medida Provisória estabelecendo regras de divulgação obrigatória nesse momento. Isto porque, ainda que planejamentos tributários internos não façam parte do escopo do Projeto BEPS, nem de sua Ação 12, seria vantajoso aguardar a publicação do relatório final, o qual levaria em consideração todas as discussões a respeito do assunto e os comentários dos Estados que já preveem tais regras. Ademais, deve ser reconhecido que não há urgência que justifique a edição de uma Medida Provisória para tratar de um assunto de tamanha complexidade, especialmente no caso de previsão de multas extremamente elevadas por inadimplemento da divulgação, como no caso da MP 685/15. Com efeito, o seu artigo 12 determina a exigência de tributos acrescidos de multa de 150% para o descumprimento da obrigação de declarar planejamentos tributários. Nesse aspecto, seria recomendável que as autoridades brasileiras tivessem seguido o exemplo do Projeto BEPS e discutido a matéria com especialistas e partes interessadas para aperfeiçoar seu conteúdo.

MINUTA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA DA AÇÃO 12

A Minuta de Audiência Pública da Ação 12 (“Minuta”) ressalta a importância dos regimes de divulgação obrigatória para o aumento do fluxo de informação a respeito de estratégias de planejamento potencialmente agressivas e abusivas para as autoridades fiscais e para os formuladores de políticas fiscais. Sustenta-se que o acesso a tais informações em um estágio inicial garante a possibilidade de uma reação rápida, seja pelas autoridades fiscais, seja pelos formuladores de políticas tributárias, podendo, assim, evitar que tal prática se torne recorrente no futuro. Tendo em vista que as autoridades fiscais não conseguem auditar todas as empresas simultaneamente, o regime de divulgação obrigatória apresenta-se como uma solução para o combate a planejamentos tributários abusivos, antes que haja perda de arrecadação resultante de sua implementação[4]. Desta forma, a Ação 12 prevê a adoção de um regime de divulgação obrigatória para combater planejamentos tributários internacionais que resultem na erosão da base tributária e transferência de lucros.

Para tanto, a Minuta apresenta uma visão geral dos regimes de divulgação obrigatória, com base nas experiências de outros Estados. Em seguida, a Minuta elenca as principais características para um design modular de um regime de divulgação obrigatória. Por fim, a Minuta elenca estruturas de planejamentos internacionais que resultam em erosão da base tributária e pondera sobre as melhores formas de capturá-las por meio de um regime de divulgação obrigatória.

REGIME DE DIVULGAÇÃO OBRIGATÓRIA NO DIREITO COMPARADO 

A. Estados com Regras de Divulgação Obrigatória

Os regimes de divulgação obrigatória não são uma novidade no direito tributário comparado e antecedem o projeto BEPS. O primeiro Estado a introduzir regras de divulgação obrigatória foram os Estados Unidos, em 1984, seguido pelo Canadá, em 1989. Além desses dois, os seguintes Estados editaram normas de divulgação obrigatória: Reino Unido, em 2004, Portugal, em 2009 e África do Sul e Irlanda, em 2011. Desde que o projeto BEPS foi lançado, em Julho de 2012, Israel e Coreia do Sul também editaram normas de divulgação obrigatória. Percebe-se, assim, que, apesar de oito Estados dentre os 48 membros da OCDE ou do G20 terem estabelecido normas de divulgação obrigatória, tal fenômeno não deve ser supervalorizado como uma tendência mundial seguida por diversos Estados.

B. Pessoas Sujeitas à Divulgação Obrigatória

Os regimes de divulgação obrigatória podem ser direcionados: (i) aos próprios contribuintes, ou seja, às empresas que implementam o planejamento tributário divulgável; e (ii) aos autores dos planejamentos tributários, que seriam geralmente os escritórios de advocacia e firmas de auditoria[5].

África do Sul[6], Irlanda, Portugal e Reino Unido determinam que os planejamentos devem ser divulgados pelo autor do planejamento ou, em alguns casos específicos, pelo contribuinte. Caso a informação esteja protegida por sigilo profissional, por exemplo, a obrigação recai para o contribuinte. Se ele abrir mão do sigilo, a obrigação retornará para o autor do planejamento tributário. Por outro lado, nos Estados Unidos e no Canadá, a obrigação de divulgar os planejamentos é atribuída a ambos, contribuinte e autor do planejamento tributário.[7]

O Brasil, neste aspecto, parece ter adotado a via mais prática que é exigir a obrigação de divulgar o planejamento tributário exclusivamente dos contribuintes que optarem pela sua implementação.

C. Requisitos (“Thresholds”) e Critérios Objetivos (“Hallmarks”)

Os regimes de divulgação obrigatória do Canadá, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido preveem determinados requisitos para o planejamento ser considerado divulgável. Esses requisitos têm por objetivo filtrar os planejamentos tributários de interesse das autoridades fiscais para não sobrecarregá-las com a divulgação de planejamentos irrelevantes cuja aceitação é pacífica. O objetivo, portanto, é fazer com que cheguem ao crivo das autoridades fiscais apenas planejamentos com legitimidade questionável ou duvidosa[8].

Os requisitos estabelecidos pelos Estados supramencionados levam em consideração o propósito do planejamento e o benefício almejado. Nesse sentido, o planejamento deve ser divulgado caso tenha sido adotado com o exclusivo ou principal objetivo de reduzir a carga tributária do contribuinte. Por outro lado, planejamentos com propósito negocial relevante estão dispensados de divulgação.

Em que pese ser legítimo o benefício almejado de não sobrecarregar a administração fiscal desnecessariamente com planejamentos incontroversos, dada a limitação de recursos que tais órgãos normalmente possuem, a Minuta questiona a conveniência da previsão dos referidos requisitos[9].Em primeiro lugar, a Minuta indica ser difícil selecionar requisitos capazes de filtrar apenas os planejamentos relevantes para fins de divulgação. A complexidade reside na quantificação do ganho tributário vis-à-vis o valor total estimado da operação. Ademais, requisitos podem gerar insegurança e litígios entre os autores de planejamentos ou os contribuintes e as autoridades fiscais. Os contribuintes poderiam entender que o objetivo principal do negócio seria extratributário, enquanto as autoridades fiscais poderiam entender o contrário. A existência de razões extratributárias também poderia ser utilizada como justificativa para não divulgar planejamentos que seriam de interesse do Fisco. Em virtude dessas ponderações, a OCDE recomenda que não sejam estipulados requisitos para se determinar a obrigatoriedade ou não de divulgação de planejamentos tributários internacionais.

Por outro lado, a Minuta enfatiza a necessidade de previsão de critérios objetivos, que os planejamentos devam preencher, para se tornarem divulgáveis: “É impraticável um regime de divulgação obrigatória abranger todas as operações que possam levantar dúvidas acerca da existência de planejamento tributário abusivo e a identificação de determinadas particularidades é um fator chave para determinar o escopo das regras.”[10] (Tradução livre)

Assinale-se que a maioria dos Estados que possuem regras de divulgação obrigatória tem procurado estabelecer critérios objetivos, de modo que os planejamentos tributários que atendam a tais critérios passam a ser considerados divulgáveis.

O Reino Unido, por exemplo, estabelece que os autores ou contribuintes devem divulgar o planejamentos tributário às autoridades fiscais quando as partes que os tiverem contratado tenham celebrado cláusula de confidencialidade ou estipulado honorários de êxito. Planejamentos padronizados oferecidos a vários clientes também devem ser divulgados às autoridades fiscais por seus respectivos autores. Planejamentos fiscais que envolvam a utilização de prejuízos fiscais ou celebração de contrato de leasing também devem ser divulgados. Adicionalmente, há determinados planejamentos fiscais que reduzem a tributação sobre a propriedade e que envolvem a remuneração de empregados que devem ser divulgados[11].

A Irlanda também estabelece a obrigatoriedade da divulgação de planejamentos tributários padronizados oferecidos a diversas empresas, assim como aqueles em que as partes que os tiverem contratado tenham celebrado cláusula de confidencialidade ou estipulado honorários de êxito. Planejamentos fiscais que envolvam a utilização de prejuízos fiscais, remuneração de empregados, conversão de renda em capital ou os que utilizem trusts também devem ser divulgados[12].

O Canadá, por outro lado, determina como divulgáveis os planejamentos tributários que sejam contratados com, ao menos, duas das três cláusulas a seguir: (i) confidencialidade; (ii) honorários de êxito; ou (iii) reembolso de honorários em caso de perda de benefícios fiscais[13].

Já os Estados Unidos determinam que devem ser divulgados os planejamentos enquadrados em, ao menos, uma das categorias a seguir: (i) confidenciais; (ii) protegidos contratualmente; (iii) com honorários superiores a USD 250.000 para empresas; (iv) os que constarem em lista divulgada pelas autoridades fiscais; (v) os que utilizem prejuízos fiscais; ou (vi) aqueles cuja operação seja idêntica ou substancialmente similar àquelas definidas pelas autoridades fiscais como operações de interesse (transactions of interest).[14]

Portugal determina a divulgação dos planejamentos no caso de envolverem: (i) jurisdições com tributação favorecida; (ii) entidades isentas; (iii) utilização de prejuízos fiscais; (iv) operações financeiras que sejam suscetíveis de determinar a requalificação do rendimento ou a alteração do beneficiário; ou (v) contratação com exclusão ou limitação de responsabilidade pelo autor[15]

A DIVULGAÇÃO OBRIGATÓRIA NO BRASIL

Da análise do seu teor, é possível constatar que a MP 685/15 distancia-se das recomendações da Minuta e das regras de divulgação obrigatória editadas pelos demais Estados, tendo em vista que determina a divulgação de planejamentos tributários: (i) que não possuam razões extratributárias relevantes; (ii) cuja forma adotada não seja usual; ou (iii) que estejam previstos em ato da Receita Federal do Brasil (“RFB”). Com exceção do último item, os critérios para divulgação dos planejamentos tributários trazidos pela MP 685/15 são demasiadamente subjetivos. Nesse aspecto, deve ser reconhecido que a MP 685/15 agiu na contramão da tendência internacional, tendo em vista que previu requisitos subjetivos (thresholds) para determinar os planejamentos divulgáveis, tais como “razões extratributárias relevantes” e “forma adotada não usual”, deixando de prever critérios objetivos (hallmarks).

Deve ser mencionado que a MP 685/15 foi editada com o intuito de promover segurança jurídica e reduzir os litígios e autuações, conforme se pode constatar das declarações do Ministro Levy: “A segunda medida proposta (“declaração de planejamentos fiscais”) estabelece a necessidade de revelação de estratégias de planejamento tributário, que visa aumentar a segurança jurídica no ambiente de negócios do país e a gerar economia de recursos públicos em litígios desnecessários e demorados[16].

Contudo, a expressão “razões extratributárias relevantes” pode gerar mais insegurança e litígios do que os já existentes, tendo em vista que ela é dotada de alto grau de subjetivismo. Um contribuinte pode considerar a incorporação de uma subsidiária no exterior como estratégia essencial para expandir o seu mercado e decidir por não divulgar a sua estrutura, ao mesmo tempo em que as autoridades fiscais federais podem considerá-la como um mecanismo para evitar a incidência de tributos no Brasil, ou seja, sem razão extratributária relevante. O antagonismo nos posicionamentos provavelmente resultaria na instauração de um novo litígio para que fosse determinado se a reestruturação deveria ser divulgada ou não.

A mesma conclusão decorreria da tentativa de interpretar o termo “forma adotada não usual”. Os critérios para se definir se uma estrutura é ou não é usual não foram definidos pela legislação. Não foram determinadas quantas operações idênticas praticadas por contribuintes distintos seriam necessárias para se determinar o que seria usual. No mais, tampouco foi determinado o universo de contribuintes a ser analisado. No exemplo acima, o contribuinte poderia comparar a sua estrutura com a estrutura adotada pelos demais contribuintes do mesmo segmento de atividade para defendê-la como algo usual. Por outro lado, as autoridades fiscais poderiam utilizar como comparativo todas as sociedades que possuíssem estruturas no exterior. Em suma, a possibilidade de existência de inúmeras interpretações para se defender que determinada estrutura é usual prejudicaria a sua utilização como instrumento de promoção de segurança jurídica.

Como se não bastasse, os contribuintes seriam forçados a antever o entendimento da Receita Federal do Brasil a respeito de uma estrutura de planejamento, para fins de fazer a escolha de divulgá-la ou não. É imperioso que um regime de divulgação obrigatória confira segurança jurídica aos contribuintes mediante a indicação de quais estruturas seriam consideradas não usuais ou carentes de razões extratributárias. Tal lista deveria ser exaustiva, de modo que os planejamentos que não constassem na listagem deveriam ter obrigatoriedade de divulgação excluída.

Por essa razão, a Minuta sugere a adoção de critérios objetivos para se determinar os planejamentos que devam ser divulgados pelos contribuintes. Mantendo o exemplo da incorporação de sociedades no exterior, Portugal determina a divulgação na hipótese de os planejamentos envolverem jurisdições com tributação favorecida. Tendo em vista que Portugal, assim como o Brasil, elabora lista com os Estados que contêm regime de tributação favorecida, basta o contribuinte possuir uma subsidiária em algum desses destinos para estar ciente de que o planejamento deve ser divulgado. Tal critério é claro e não depende da interpretação de cada uma das partes. Para garantir a redução de litigiosidade entre os contribuintes e a Administração Pública de forma efetiva, portanto, seria recomendável que a MP 685/15 fosse alterada de modo que a prever critérios claros e objetivos.

O último aspecto que merece destaque é a penalidade decorrente do descumprimento da obrigação de divulgação do planejamento tributário no Brasil. O artigo 12 da MP 685/15 caracteriza a não divulgação do planejamento tributário como omissão dolosa com intuito de sonegação ou fraude punível com a exigência dos tributos correspondentes, acrescidos de multa de 150%.

A Minuta destaca que “o fato de a operação ser divulgável não necessariamente significa que ela deva ser considerada abusiva”[17]. Ao impor a cobrança de tributos, acrescidos da multa de 150%, as autoridades fiscais presumem que, caso não tenham sido declarados, os planejamentos tributários divulgáveis seriam abusivos, violando o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988.

Cabe observar, na oportunidade, que a Minuta recomenda a imposição de penalidades para desestimular os contribuintes a se quedarem inertes em face de suas obrigações, o que é distinto de exigir os tributos relacionados ao planejamento acrescidos de multa de 150%, a qual, repita-se, é prevista para casos de prática de crimes de fraude, sonegação, ou conluio.

Destaque-se que Portugal preve multa de EUR5.000 a EUR100.000; o Reino Unido prevê multa diária de GBP100 a GBP1.000, limitada a GBP1 milhão; a Irlanda prevê multa diária de até EUR1.000; os Estados Unidos preveem multa de até 75% do benefício fiscal decorrente do planejamento, limitado à USD200.000; e o Canadá prevê multa no valor dos honorários atribuíveis ao autor pela elaboração e/ou implementação do planejamento.

A África do Sul representa uma exceção à regra, no sentido de prever uma multa extremamente elevada, no montante de até ZAR300.000 (equivalentes a BRL82.035 em 31.8.2015) para os planejamentos tributários cujo benefício tributário seja superior a ZAR 10 milhões (equivalentes a BRL2,734,500.00 em 31.8.2015). Todavia, a penalidade ainda é inferior à prevista no artigo 12 da MP 685/15.

Adicionalmente, é importante destacar que os Estados acima destacados preveem uma multa por descumprimento de obrigação acessória, que não se confunde com os tributos decorrentes da implementação de planejamento tributário. Em que pese os Estados Unidos utilizarem o valor do benefício tributário decorrente da implementação do planejamento como parâmetro, a multa é limitada a USD 200.000 e não se confunde com a obrigação principal.

Por outro lado, a MP 685/15, novamente em sentido contrário aos demais Estados e ignorando as recomendações da Minuta, considera o planejamento não divulgado como sonegação ou fraude à lei fiscal, exigindo o próprio tributo decorrente do planejamento tributário adotado pelo contribuinte, além de multa de 150%.

CONCLUSÃO

Em virtude de todo o exposto, é possível concluir que, apesar de a MP 685/15, dizer-se em linha com o Projeto BEPS, o regime de divulgação obrigatória previsto no artigo 7 destoa das recomendações da Minuta, bem como das regras de divulgação obrigatória dos demais países nos seguintes aspectos:

(i) a Ação 12 do Projeto BEPS tem por escopo a divulgação de planejamentos tributários internacionais que implicam a transferência de lucros de um Estado com alta tributação para uma jurisdição com tributação favorecida, enquanto o regime de divulgação obrigatória introduzido pela MP 685/15 busca capturar não só os planejamentos internacionais, mas especialmente os domésticos;

(ii) a MP 685/15 utiliza requisitos subjetivos, tais como “razões extratributárias relevantes” e “forma adotada não usual”, para qualificar o planejamento como divulgável, em que pese a recomendação da Minuta estar no sentido de que não devem ser estipulados requisitos subjetivos, em virtude da insegurança que podem causar.

(iii) a Minuta recomenda – com a adoção pelos Estados com regime de divulgação obrigatória – que os planejamentos tributários devam preencher critérios objetivos para serem considerados como divulgáveis, o que não foi seguido pela MP 685/15;

(iv) o artigo 12 da MP 685/15 caracteriza a não divulgação do planejamento tributário como omissão dolosa com intuito de sonegação ou fraude punível com a exigência dos tributos correspondentes, acrescidos de multa de 150%, enquanto a Minuta ressalta que o fato de uma informação ser divulgável não necessariamente deve significar que ela é abusiva. Além disso, nenhum outro Estado prevê a exigência dos tributos decorrentes do planejamento tributário acrescidos de semelhante multa.

Ademais, cabe alertar para o fato de que a publicação da MP 685/15 foi prematura, tendo em vista que não foi aguardada a publicação do relatório final, o qual levará em consideração todas as discussões a respeito dos regimes de divulgação obrigatória, especialmente no caso de previsão de multas extremamente elevadas, em virtude de inadimplemento.

É imperioso, portanto, que a MP 685/15 seja revisada no que tange ao regime de divulgação obrigatória, de modo que os requisitos subjetivos (thresholds) sejam substituídos por critérios objetivos (hallmarks). Ademais, a exigência dos tributos em caso de descumprimento da obrigação de divulgar o planejamento tributário, acrescidos da multa de 150%, deveria ser eliminada. Em seu lugar, caberia uma multa por descumprimento de obrigação acessória proporcional à gravidade da conduta, de forma similar à legislação dos demais Estados. Por fim, seria fundamental a realização de audiência pública com especialistas, contribuintes e demais partes interessadas, assim como vem sendo realizado no âmbito da OCDE. Caso contrário, é muito provável que a MP 685/15 seja causadora de um número de litígios maior do que aquele que visa reduzir.



[1] OECD. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing, Paris, 2013. Disponível em:

http://dx.doi.org/10.1787/9789264202719-en. Acesso em: 21 ago. 2015.

[2] OECD. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing, Paris, 2013. Disponível em:

http://dx.doi.org/10.1787/9789264202719-en. Acesso em: 21 ago. 2015. p. 26

 

[3] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015.

[4] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015. p.10.

[5] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015. p.26.

[6] SOUTH AFRICA. Tax Administration Act. Cape Town, 2011 disponível em:   <http://www.sars.gov.za/AllDocs/LegalDoclib/AABC/LAPD-LPrim-Act-2012-01%20-%20Tax%20Administration%20Act%202011.pdf> p.47.Acesso em: 21 ago. 2015.

[7] HM REVENE & CUSTMOS OF GREAT BRITAIN. Tax avoidance disclosure regimes. Meeting of OECD Working Party 11. 22 out. 2013. Disponível em: < http://www.ifa-cr.cz/sites/default/files/events/documents/ii_mandatorydisclosure_tuma.pdf> Acesso em: 21 ago. 2015

[8] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015. p.29.

[9] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015.p.31.

[10] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015. p.15.

[11] HM REVENE & CUSTMOS OF GREAT BRITAIN. Tax avoidance disclosure regimes. Meeting of OECD Working Party 11. 22 out. 2013. Disponível em: < http://www.ifa-cr.cz/sites/default/files/events/documents/ii_mandatorydisclosure_tuma.pdf> Acesso em: 21 ago. 2015 p.21

[12] REVENUE COMISSIONERS OF IRELAND. Guidance Notes on Mandatory Disclosure Regime, Jan. 2015. Disponível em: <http://www.revenue.ie/en/practitioner/law/notes-for-guidance/mandatory-disclosure>. Acesso em: 22 ago. 2015. p.5

[14] IRS OF THE UNITED STATES OF AMERICA. Electronic Code of Federal Regulations, Titile 26: Internal Revenue, § 1.6011-4 Requirement of Statement Disclosing Participation in Certain Transactions by Taxpayers. Disponível em: <http://www.irs.gov/pub/irs-utl/regulation_1_6011_4.pdf>. Acesso em 22.8.2015.

[15] PORTUGAL, Decreto-Lei 29 de 25.2.2008. Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/229553/#text>. Acesso em 22.8.2015.

 

 

[17] OECD. Public Discussion Draft BEPS Action 12: Mandatory Disclosure Rules, OECD Publishing. Paris, 2015. Disponível em <http://www.oecd.org/tax/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2015. p.8.

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