Regime Não Cumulativo das contribuições PIS/COFINS – Principais aspectos controvertidos quanto ao creditamento e o posicionamento atual do CARF

Frederico Pereira Rodrigues da Cunha
Advogado do Escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados em Curitiba
Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Álvaro Rotunno
Advogado do Escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados em Curitiba
Pós-Graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

 

 I – BREVE HISTÓRICO SOBRE A MATÉRIA

 O conceito de insumo para fins de aproveitamento de créditos calculados sob a sistemática da não cumulatividade para as contribuições ao PIS e a COFINS é objeto de relevante debate travado na doutrina e na jurisprudência pátrias desde a promulgação das Leis nº 10.367/2002 e 10.833/2003. Com a entrada em vigor desses diplomas, instituiu-se a sistemática de não cumulatividade para as referidas contribuições, que, em contrapartida, tiveram suas alíquotas majoradas, respectivamente, de 0.65% para 1,65% e de 3% para 7,6%.

A não cumulatividade para as contribuições ao PIS e a COFINS foi alçada ao patamar constitucional pela Emenda nº 42 de 2003, que inseriu esse princípio no artigo 195, §12, da Carta Magna.

No plano infralegal, a disciplina do tema se consubstancia nas Instruções Normativas SRF nº 247 de 2002 e 464 de 2004, que buscaram moldar o conceito de insumos para o PIS e a COFINS à semelhança do conceito empregado para o ICMS e o IPI. Referido conceito de insumo, que passou a ser adotado pela Receita Federal do Brasil, acabou por restringir as hipóteses legais de creditamento, gerando a insatisfação dos contribuintes e acendendo intensa discussão acerca de tal posicionamento.

Atualmente, a divergência acerca do conceito de insumo e as hipóteses de aproveitamentos dos créditos de PIS e da COFINS constituem uma das controvérsias mais acaloradas no âmbito do contencioso tributário administrativo, não tendo havido, até o presente momento, uma definição sobre o tema, como será demonstrado a seguir.

Doutrinariamente, a discussão em torno do conceito de insumo para o PIS e para a COFINS encontra-se já avançada, havendo certa uniformidade quanto à inviabilidade da aplicação do conceito de insumo esculpido para o ICMS e o IPI.

Para o PIS e a COFINS, assevera Marco Aurélio Greco que “não se pode olvidar que estamos perante contribuições cujo pressuposto de fato é a ‘receita’, portanto, a não cumulatividade em questão existe e deve ser vista como técnica voltada a viabilizar a determinação do montante a recolher em função da receita. Esta afirmação, até certo ponto óbvia, teraz em si o reconhecimento de que o referencial das regras legais que disciplinam a não cumulatividade do Pis/Cofins são eventos que dizem respeito ao processo formativo que culmina com a receita, e não apenas eventos que digam respeito ao processo formativo de um determinado produto[1].

Desse entendimento comunga Ives Gandra da Silva Martins[2], dentre outros, acrescentando à discussão outros fundamentos a corroborar a maior amplitude do conceito de insumos para o regime não cumulativo do PIS e da COFINS, em comparação com o mesmo conceito aplicável ao IPI e ao ICMS.

II – O CONCEITO DE INSUMO NA JURISPRUDÊNCIA DO CARF

 Após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 42/2003 e das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, a antiga Secretaria da Receita Federal promulgou as Instruções Normativas SRF nºs 247/02 e 404/04, de redação praticamente idêntica, que adotaram como conceito de insumo a mesma previsão contida na legislação do ICMS e do IPI (art. 226, inciso I, do RIPI – Decreto nº 7.212/10), como, por exemplo, “a matéria-prima, o produto intermediário, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado.

Diversamente do que ocorre no plano da doutrina – em que se observa um relativo consenso em torno da impossibilidade de adoção, para o PIS e para a COFINS, do conceito restrito de insumo para o IPI e para o ICMS (como previsto nas referidas Instruções Normativas) –, a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) revela-se bastante oscilante quanto a esse tema. De modo geral, observa-se a coexistência de três correntes conceituais nas recentes decisões do CARF, que passamos a expor.

A primeira dessas correntes é a que defende a utilização, para a sistemática da não cumulatividade dessas contribuições, do mesmo conceito de insumo utilizado para o ICMS e para o IPI. Na jurisprudência do CARF, com efeito, são historicamente mais numerosas as decisões pautadas nessa definição de insumo, até meados de 2009 e 2010 (em que se observou uma alteração no entendimento acerca do tema).

Para os defensores dessa linha hermenêutica, “a referência às expressões ‘na produção’ e ‘na fabricação’ contidas no art. 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 é indicativa da necessidade que os bens e serviços sejam aplicados diretamente nestas operações econômicas, donde o conceito veiculado nas INs. SRF 247/02 e 404/04 não é desarrazoado ou mesmo teratológico, ainda que possa parecer demasiadamente limitativo, senão que seu alcance é mera decorrência lógica da redação do texto legal[3]”.

A adoção desse conceito restritivo de insumo, tal como pretendeu a SRF com a edição das mencionadas Instruções Normativas, resulta na conclusão de que “os produtos que não se enquadram no conceito de matéria prima, produto intermediário e material de embalagem, nos termos da legislação do IPI, não geram créditos presumido desse imposto, a título de PIS e COFINS” (Acórdão nº 3301-00.859).

A esse entendimento, porém, impõem-se as censuras feitas pela doutrina. Tal conceito de insumo acaba por esvaziar o conteúdo semântico e finalístico do princípio da não cumulatividade para o PIS e a COFINS, desnaturando-o por completo e criando uma não cumulatividade capenga, na medida em que os contribuintes tiveram que arcar com uma pesada majoração da alíquota destes tributos (a partir da adoção da nova sistemática) e com a reduzida possibilidade de apropriação de créditos.

Em recentes decisões, porém, observa-se o florescimento de duas novas correntes hermenêuticas na jurisprudência do CARF, que, em consonância com os apontamentos doutrinários sobre o tema, emprestam maior amplitude ao conceito de insumo para os fins de apuração de crédito na sistemática não cumulativa do PIS e da COFINS.

A primeira delas agasalha o conceito mais amplo possível de insumo, defendendo a sua equiparação ao conceito de despesa aplicável ao IRPJ. Exemplo de filiação a essa corrente se tem no Acórdão nº 3202-00.226 do CARF, em cuja ementa já se consagra que “o conceito de insumo dentro da sistemática de apuração de créditos pela não cumulatividade de PIS e COFINS deve ser entendido como todo e qualquer custo ou despesa necessária à atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ”.

Trata-se, à evidência, do conceito de insumo mais abrangente que se pode conceber na apuração de créditos dentro do regime não cumulativo do PIS e da COFINS. Contudo, a adoção desse conceito de insumo não é imune a críticas. Isso porque a materialidade tributada por essas contribuições (receita) não se confunde com aquela tributada pelo IRPJ (lucro), distinção esta que não pode ser ignorada. Se a grandeza econômica sobre a qual recaem essas espécies tributárias é diversa, naturalmente isso inviabiliza a adoção do mesmo conceito de insumo para ambas – mesmo fundamento, aliás, que impede a utilização do conceito cunhado para o IPI e para o ICMS.

Passamos a analisar agora a terceira corrente hermenêutica mencionada no início, que desponta com extremo vigor na recente jurisprudência do CARF. Trata-se da vertente que adota, para o PIS e a COFINS, conceito de insumo mais abrangente que aquele aplicável ao IPI e ao ICMS, mas não tão amplo como o aplicável ao IRPJ.

Dentre as decisões representativas dessa orientação, destacamos de modo especial o Acórdão nº 3302-001.916, da 3ª Câmara do CARF, sob a relatoria da Conselheira Fabíola Cassiano Keramidas. Nesse julgado, ocorrido em 29/01/2013, a amplitude conceitual de insumo na sistemática não cumulativa do PIS e da COFINS foi exaustivamente analisada, de modo que passamos a extrair os principais apontamentos dessa decisão.

Afastando o conceito restritivo de insumo aplicada pela autoridade administrativa (semelhante ao aplicável ao IPI e ao ICMS), a relatora esclarece que “além da diversidade de fundamentação legal e constitucional, o principal fato diferenciador dos regimes deve ser observado em relação à regra matriz do tributo, especificamente em relação ao seu aspecto material”, ressaltando que o critério receita, ao contrário do critério produto, “não possui um ciclo econômico a ser considerado, posto ser fenômeno ligado a uma única pessoa. Inexiste imposto de etapa anterior a ser deduzido, uma vez que não há estágio prévio na apuração da receita da pessoa jurídica, e esta particularidade inviabiliza a aplicação da mesma interpretação, a respeito da geração dos créditos que visam evitar a cumulatividade, para ambos os regimes”.

Ao final de sua exposição, amparada em alicerces científicos de irrefutável solidez, a relatora conclui que “para gerar crédito de PIS e COFINS não cumulativo o insumo deve: ser UTILIZADO direta ou indiretamente pelo contribuinte na sua atividade (produção ou prestação de serviços); ser INDISPENSÁVEL para a formação daquele produto/serviço final; e estar RELACIONADO ao objeto social do contribuinte”.

Semelhante entendimento quanto ao conceito de insumo já havia sido consagrado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais no acórdão nº 9303-001.740, no qual se reconheceu ao contribuinte o direito de apropriação de crédito sobre despesas com a aquisição de uniformes a seus funcionários, obrigatórios por motivo de higiene, uma vez que essa despesa compõe o custo geral de fabricação e deve, portanto, ser considerada como insumo. Naquela oportunidade, os conselheiros sublinharam que o conceito de insumo para o PIS e a COFINS não deve ser tão amplo como o da legislação do IRPJ, nem tão restrito como o aplicável ao IPI e ao ICMS.

Nessa mesma linha de entendimento, e sob fundamentos de igual solidez, destacamos os recentes acórdãos nº 3201­000.958 e nº 3401-002.075 da Terceira Seção de Julgamento do CARF.

III – CONCLUSÃO

Do exposto, demonstramos que a jurisprudência do CARF ainda oscila bastante quanto à definição do conceito de insumo aplicável ao PIS e a COFINS. A tendência é que a consolidação desse conceito ainda exija amplo debate acerca do tema.

Sem embargo disso, “impende destacar que o conceito de insumo deve ser analisado caso a caso, para que se possa concluir pela essencialidade da despesa efetuada que irá refletir no faturamento auferido pela empresa e, consequentemente, tributado pelo Fisco[4].

Por fim, do estudo feito conclui-se que a definição do conceito de insumo demandará, imprescindivelmente, a identificação do conteúdo semântico e finalístico mínimo do princípio da não cumulatividade para o PIS e a COFINS, ponto de partida essencial para se talhar o conceito de insumo que melhor prestigie esse princípio, alçado ao patamar constitucional pelo legislador reformador.



[1]GRECO, Marco Aurélio. Não-cumulatividade do PIS/Pasep e da Cofins. . In: PAULSEN, Leandro (coord.). Não-Cumulatividade das contribuições PIS/PASEP e COFINS. Porto Alegre: IET e IOB/THOMSON, 2004. p. 110.

[2] Confira-se o posicionamento do autor no Parecer “MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Princípio da não Cumulatividade no Direito Brasileiro – A Técnica do Valor Agregado para o PIS e a COFINS exterioriza o Regime de Compensação Base sobre Base – Incentivos Fiscais da Zona Franca de Manaus não podem ser Eliminados por Legislação Infraconstitucional – Inteligência Possível de Compensação para a Hipótese Descrita. São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário, v. 188, maio 2011, p. 138/9”.

[3] Neste sentido os seguintes acórdãos do CARF: 340301.479, 3301-00.656 e 3801-00.487.

[4] FLAQUER SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi. O conceito de Insumo para fins de Não Cumulatividade do PIS e da Cofins. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, ed. 103, março-abril de 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 167.

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