Lei n.º 12.402/11 e IN RFB n.º 1.199/ 2011: Obrigações tributárias dos consórcios, responsabilidades, créditos, desafios e cautelas

por Igor Ribeiro de Oliveira
Advogado no Rio de Janeiro, Pós-graduando em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense

 

I. Breve Introdução acerca dos Consórcios de Empresas

Sem intenção de esgotar o tema, pretende-se aqui abordar os principais aspectos tributários concernentes às operações desenvolvidas pelos consórcios, especialmente após o advento da Lei n.º 12.402/2011. Contudo, antes de adentrar nessa temática, faz-se necessária uma introdução contextualizada, ainda que breve, acerca do contrato de consórcio.

Como se sabe, o fenômeno da concentração empresarial é realidade no mercado internacional e nacional, usualmente, como consequência da busca por redução de custos, competitividade e aumento de lucratividade. No entanto, exigências mercadológicas também impostas pelo próprio capitalismo exigiram e ainda demandam dos empresários a união de esforços de duas ou mais empresas com vistas a atender adequadamente à grandiosidade dos mais variados empreendimentos.

É certo que a constituição de consórcios insere-se no contexto de concentração empresarial, mas, em geral, não naquele que se tenta evitar a todo custo, pernicioso ao desenvolvimento econômico, com a formação de monopólios. Ao revés, via de regra, a formação de consórcios é concentração da mais salutar que possibilita a consecução de grandes projetos, os quais restariam inviabilizados pela inaptidão de apenas uma única empresa em realizá-los.[1]

No Brasil, somente com a edição da Lei n.º 6.404/1976 (Lei das S.A), o consórcio de empresas passou a ser disciplinado. Em realidade, conforme se depreende da exposição de motivos da Lei das S.A, pretendeu-se convalidar uma realidade já existente na execução de obras públicas e de grandes projetos. Nos termos do artigo 278 e 279 do mencionado diploma legal, as companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento. A mencionada legislação estabeleceu também que ao consórcio não é atribuída personalidade jurídica, sendo as empresas consorciadas obrigadas às condições previstas nos respectivos contratos, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

Importante ressaltar, ainda, que usualmente ocorre a designação de uma empresa líder dentre o grupo de consorciadas, a qual “nos termos do contrato, passa a agir em nome dos vários consorciados, até mesmo para o recebimento de receitas à conta dos consortes. Essas receitas não pertencem ao consórcio, posto que não é sujeito de direito, mas a cada um dos consortes, nos termos e nas condições estabelecidas no respectivo contrato.”[2]

Portanto, em síntese, tem-se que a natureza dos consórcios é de contrato típico associativo, desprovido de personalidade jurídica.[3] No entanto, cumpre destacar que, no passado, o Conselho de Contribuintes, ao apreciar estruturas consorciais, as requalificava como sociedades de fato quando não houvesse previsão de “um determinado e específico empreendimento” e de prazo determinado para a sua existência.

Em que pese ser conceito basilar, em nosso ordenamento jurídico, não deter personalidade jurídica o consórcio, sendo incapaz de ser titular de direitos e assumir obrigações, inclusive tributárias, nos termos do artigo 215 do Regulamento do Imposto de Renda e do artigo 5º, III, da Instrução Normativa RFB n.º 1.183/2011, exige-se a sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ sob a justificativa de permitir o cumprimento de obrigações no interesse do fisco federal.

Entretanto, anteriormente a 29.10.2010, não havia que se falar em obrigações tributárias para os consórcios, sendo as empresas obrigadas apenas às condições contratuais, cada qual assumindo suas obrigações, sem qualquer presunção de solidariedade. Este, inclusive, era o entendimento da Secretaria da Receita Federal, conforme se depreende das soluções de consulta n.º 70/05 e 523/07, ambas da Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF/ 8ª RF. Nesse período, as obrigações tributárias decorrentes das atividades do consórcio eram atendidas pelas empresas consorciadas na proporção de suas participações.

Por outro lado, a partir de 29.10.2010, com a publicação da Medida Provisória n.º 510/2010, convertida na Lei n.º 12.402/2011, passou-se a exigir dos consórcios obrigações tributárias federais, as quais passaremos a minudenciar a seguir.

II. Inovações trazidas pela Lei n.º 12.402/2011 e Instrução Normativa RFB n.º 1.199/ 2011

Em linhas gerais, manteve-se o entendimento[4] de que as empresas integrantes de consórcio constituído nos termos da Lei das S.A respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento. Afinal, como visto acima, é pacífico que o consórcio é ente despersonalizado, incapaz de ser titular de direitos e obrigações.

No entanto, com o advento desta lei (parágrafos 1º e 2º do artigo 1º da Lei n.º 12.402/2011), o consórcio que contratar, em nome próprio ou por intermédio de sua empresa líder, pessoa jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis.

Neste particular, note-se que se trata de faculdade conferida à empresa líder ou ao próprio consórcio, por seu administrador, na retenção dos tributos federais incidentes no pagamento a terceiro e atendimento das obrigações acessórias correlatas. Além disso, sobreleva destacar que este diploma legal inovou ao estabelecer hipótese específica de responsabilidade solidária às empresas integrantes de consórcio. Quanto a este aspecto, Hermano Notarroberto Barbosa[5] argutamente aponta que esta solidariedade deve observar limites objetivo e quantitativo. Isto é, restringe-se às hipóteses previstas no artigo 1º, § 1º e 2º da Lei n.º 12.402/2011 e quantitativamente proporcional a cada uma das participações das empresas no consórcio.

Essa disciplina, nos termos do artigo 1º, § 3º, da Lei n.º 12.402/2011, abrange também o recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, inclusive a incidente sobre a remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas a outras entidades e fundos, além da multa por atraso no cumprimento das obrigações acessórias.

Regulamentando a Lei n.º 12.402/2011, foi editada a Instrução Normativa RFB n.º 1.199, de 14 de outubro de 2011, a qual contém procedimentos fiscais importantes dispensados aos consórcios e que devem ser seguidos à risca. Destacam-se, dentre outros, os seguintes pontos: (i) a empresa líder do consórcio deve manter registro contábil das operações do consórcio por meio de escrituração segregada na sua contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a escrituração de livros contábeis próprios, devidamente registrados para esse fim (artigo 3º, § 2º da IN RFB n.º 1.199/2011); (ii) Inexistindo empresa líder, uma das empresas consorciadas deve ficar encarregada da escrituração contábil nos moldes antes expostos (artigo 3º, § 3º da IN RFB n.º 1.199/2011); (iii) Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal utilizados para registro das operações do consórcio e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados deverão ser conservados pela empresa líder ou a eleita até que ocorra a prescrição dos débitos tributários decorrentes das operações (artigo 3º, § 6º da IN RFB n.º 1.199/2011); (iv) No que tange à apuração das contribuições para o PIS e COFINS, esta será realizada de forma proporcional à participação de cada empresa no empreendimento (artigo 5º da IN RFB n.º 1.199/2011); Os créditos de PIS e COFINS não cumulativas relativos aos custos, despesas e encargos vinculados às receitas das operações do consórcio, serão computados nas pessoas jurídicas consorciadas à proporção da participação de cada uma no empreendimento (artigo 5º, parágrafo único, da IN RFB n.º 1.199/2011); (v) Na hipótese prevista no artigo 1º, § 1º da Lei n.º 12.402/2011 (consórcio que contrata em nome próprio), a responsabilidade pela retenção dos tributos e cumprimento das obrigações acessórias caberá às consorciadas mediante a utilização do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) próprio de cada pessoa jurídica, se o consórcio apenas efetuar as contratações, ficando a responsabilidade pelos pagamentos à conta das consorciadas beneficiárias das contratações; ou ao consórcio, mediante a utilização do CNPJ próprio do consórcio, se este também efetuar os pagamentos relativos às contratações. (artigo 6º, § 1º, da IN RFB n.º 1.199/2011); (vi) Já no caso do artigo 1º, § 2º da Lei n.º 12.402/2011 (empresa líder assume a responsabilidade pela contratação e pagamento em nome do consórcio), a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias deverão ser efetuados pela empresa líder, mediante seu CNPJ próprio. Além disso, as obrigações acessórias deverão ser cumpridas em conjunto com as demais da empresa líder (artigo 6º, § 2º e 3º, da IN RFB n.º 1.199/2011); e (vii) A opção escolhida, consórcio que contrata em nome próprio ou empresa líder que assume a responsabilidade pela contratação e pagamento em nome do consórcio, deve prevalecer para todo o ano-calendário e é manifestada de forma irretratável pelo primeiro recolhimento (artigo 6º, § 5º e 6º, da IN RFB n.º 1.199/2011).

III. Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que a Lei n.º 12.402/2011 não alterou o entendimento de que as empresas integrantes de consórcio respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio, proporcionalmente a sua participação no empreendimento. Ademais, tal como verificado anteriormente, mencionada lei trouxe ainda exigência de obrigações tributárias federais e hipótese nova de responsabilidade solidária caso o consórcio contrate em nome próprio ou a empresa líder assuma a responsabilidade pela contratação e pagamento de terceiros em nome do consórcio. No que tange a esta responsabilidade, deve-se relembrar que a mesma é restrita aos casos previstos no artigo 1º, § 1º e 2º da Lei n.º 12.402/2011 e quantitativamente proporcional a cada uma das participações das empresas no consórcio.

Em vista deste novo cenário, em que são exigidas obrigações tributárias principais e acessórias dos consórcios que se insiram na disciplina versada pela Lei n.º 12.402/2011, é ideal que as empresas integrantes desses consórcios realizem controle continuado das empresas líderes ou dos administradores no tocante à retenção de tributos, cumprimento das obrigações acessórias correlatas e zelo pelos documentos contábeis e tributários. Adicionalmente, devem também as empresas consorciadas exigir das empresas líderes ou administrador todas a documentação fiscal necessária ao atendimento de suas obrigações tributárias próprias, especialmente às relacionadas aos créditos de PIS e COFINS não cumulativos. O recomendado é que essa sistemática esteja prevista textualmente no contrato de constituição de consórcio, bem como que haja cláusula de regresso caso as demais consorciadas sejam solidariamente responsabilizadas pelo descumprimento da legislação tributárias pela empresa líder ou administrador.

Bibliografia

BARBOSA, Hermano Notaroberto. “Tributação de Consórcios: Novas Regras da Lei nº 12.402/2011”. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 193. São Paulo: Dialética, out./2011.

BARRETO, Aires F. “ISS – Consórcio para Execução de Obras de Construção Civil – Solidariedade Passiva das Empresas Consorciadas”. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 43. São Paulo: Dialética, Abril/1999.

BORBA, José Edwaldo Tavares. “ Direito Societário”. 11 ed. Rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

MARTINS, Fran, “Comentários À lei das sociedades anônimas: revista e atualizada por Roberto Papini. 4. Ed., ver. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

ROCHA, João Luiz Coelho da, “Os Consórcios de Empresas e seu Trato Tributário” Revista Dialética de Direito Tributário n.º 83. São Paulo: Dialética, Agosto/2002.

XAVIER, Alberto. “consórcio: Natureza Jurídica e Regime Tributário”, Revista Dialética de Direito Tributário n.º 64. São Paulo: Dialética, jan./2001.



[1] Exemplo disso é a exceção prevista no artigo 90, parágrafo único, da Lei n. 12.529/11, a qual dispensa de apreciação pelo CADE dos atos de concentração consubstanciados nos consórcios destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

[2] BORBA, José Edwaldo Tavares. “ Direito Societário”. 11 ed. Rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[3] BARBOSA, Hermano Notaroberto. “Tributação de Consórcios: Novas Regras da Lei nº 12.402/2011” Revista Dialética de Direito Tributário n.º 193. São Paulo: Dialética, out./2011.

 

[4] Em realidade, o caput do artigo 1º da Lei n.º 12.402/2011 deu assento legal ao entendimento já esposado pela Instrução Normativa n.º 834/2008.

[5] BARBOSA, Hermano Notaroberto. “Tributação de Consórcios: Novas Regras da Lei nº 12.402/2011” Revista Dialética de Direito Tributário n.º 193. São Paulo: Dialética, out./2011.

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