Lucro de controladas e coligadas no exterior, segundo nova orientação do STF – tributação antes da distribuição de lucros por sociedades localizadas em paraísos fiscais – distinção válida?

por Vinícius Branco
Sócio do Escritório Levy & Salomão Advogados
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado em São Paulo

por Edgar Santos Gomes
Associado sênior do Escritório Levy & Salomão Advogados
Mestre (LLM) em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda
Especialista em Direito Tributário pelo IBET
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Advogado no Rio de Janeiro
Membro da ABDF e da IFA

 

O Julgamento no Supremo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) concluiu no último mês de abril o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.588 (“ADI 2.588”), protocolada naquele Tribunal em 2001, cujo julgamento estava suspenso por pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa.

A ADI 2.588 foi ajuizada em face dos artigos 43, § 2º, do Código Tributário Nacional, e 74, caput e parágrafo único, da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001 (“MP 2.138-35/01”).

Questionava-se naqueles autos se para fim de exigência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior podem ser considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, independentemente de sua efetiva distribuição, pagamento ou crédito ao sócio no Brasil.

Após voto pendente do Ministro Joaquim Barbosa, que julgou constitucional a aplicação do art. 74 da MP 2.138-35/01 no que tange à tributação das pessoas jurídicas sediadas no Brasil cujas coligadas ou controladas no exterior estejam localizadas nos chamados paraísos fiscais, o resultado final da ADI 2.588, com efeitos vinculantes e erga omnes, restou assim consignado:

“Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada, pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, contra o § 2º do art. 43 do CTN, acrescentado pela LC 104/2001, que delega à lei ordinária a fixação das condições e do momento em que se dará a disponibilidade econômica de receitas ou de rendimentos oriundos do exterior para fins de incidência do imposto de renda, e o art. 74, caput e parágrafo único, da Medida Provisória 2.158-35/2001, que, com o objetivo de determinar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, considera disponibilizados, para a controladora ou coligada no Brasil, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior, na data do balanço no qual tiverem sido apurados — v. Informativos 296, 373, 442, 485, 636 e 700. Estabeleceu-se que, ao art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, seria dada interpretação conforme a Constituição, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de que não se aplicaria às empresas coligadas localizadas em países sem tributação favorecida (não “paraísos fiscais”), e que se aplicaria às empresas controladas localizadas em países de tributação favorecida ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados (“paraísos fiscais”, assim definidos em lei). Deliberou-se, ainda, pela inaplicabilidade retroativa do parágrafo único do aludido dispositivo”[1]

Em suma, o Tribunal decidiu pela tributação das sociedades controladas localizadas em paraísos fiscais, e pela não tributação das sociedades coligadas localizadas fora de paraísos fiscais.

Após julgar a ADI 2.588 o STF ainda julgou os Recursos Extraordinários n.º 611.586 (“RE 611.586”), interposto pelo contribuinte e com repercussão geral; e n.º 541.090 (“RE 541.090”), interposto pela União Federal e sem repercussão geral.

No RE 611.586 o STF aplicou o decidido na ADI 2.588 e negou-se a afastar a tributação dos lucros de controlada em paraíso fiscal. 

Já no julgamento do RE 541.090, o Supremo decidiu que a tributação dos lucros auferidos por controlada fora de paraísos fiscais é constitucional[2] e determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para análise de eventual violação a tratados celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação, que não havia sido apreciada naquele caso concreto.  

Embora sinalizem a posição do STF sobre o tema, as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário são aplicáveis apenas àqueles que figuram como parte nas respectivas ações.

Portanto, continuaram pendentes de posicionamento definitivo do STF as questões versando sobre (i) a tributação de sociedades controladas localizadas fora de paraísos fiscais; (ii) a tributação de sociedades coligadas situadas em paraísos fiscais; e (iii) a tributação de lucros auferidos por sociedades  localizadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratados para evitar a dupla tributação da renda. 

Distinção em Função da Localização – Impossibilidade – Inconstitucionalidades não se compensam

De acordo com o entendimento do Fisco, corroborado por parte da doutrina, a simples presunção de controle sobre o lucro apurado pela sociedade controlada seria suficiente para configurar o critério da disponibilidade previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

Todavia, as decisões do STF não são claras quanto ao pressuposto de que o mero controle da sociedade no exterior seria suficiente para considerar tais lucros disponíveis, e portanto tributáveis, independentemente de sua localização.

O voto do Ministro Joaquim Barbosa, combinado ao resultado proclamado na ADI 2.588, apontam na direção oposta, ou seja, seria permitida a tributação dos lucros auferidos pelas empresas estrangeiras desde que situadas em países com tributação favorecida. 

A adoção dessa modalidade de incidência com base na alegada dificuldade em fiscalizar sociedades sediadas no exterior mostra que o Brasil caminha na contramão do recomendado pela OCDE e adota regime de tributação automática de lucros de controladas e coligadas, independentemente do país de domicílio da empresa estrangeira e da natureza dos lucros produzidos.  Esta tributação ampla e imotivada evidencia que no Brasil o contribuinte é sempre tratado com muitas reservas e enorme desconfiança pelo Fisco.

Contudo, se nem o Fisco nem a legislação em vigor fazem qualquer distinção quanto ao local em que se encontra localizada a empresa estrangeira para fins de tributação da investidora no Brasil, não pode o Poder Judiciário desempenhar o papel do Poder Executivo e atuar como legislador positivo, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.

De fato, este é o entendimento pacífico do STF, conforme se infere da seguinte ementa:

“(…) O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. – A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. – Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740 – RTJ 175/1137, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. DIREITO ADQUIRIDO E CICLO DE FORMAÇÃO. – A questão pertinente ao reconhecimento, ou não, da consolidação de situações jurídicas definitivas há de ser examinada em face dos ciclos de formação a que esteja eventualmente sujeito o processo de aquisição de determinado direito. Isso significa que a superveniência de ato legislativo, em tempo oportuno – vale dizer, enquanto ainda não concluído o ciclo de formação e constituição do direito vindicado – constitui fator capaz de impedir que se complete, legitimamente, o próprio processo de aquisição do direito (RTJ 134/1112 – RTJ 153/82 – RTJ 155/621 – RTJ 162/442, v.g.), inviabilizando, desse modo, ante a existência de mera “spes juris”, a possibilidade de útil invocação da cláusula pertinente ao direito adquirido.”[3] (grifamos)

 Nessas condições, por mais nobres que sejam seus propósitos, não nos parece aceitável que a ausência de lei que estabeleça distinção de tributação da sociedade investidora no Brasil, em função da localização de sua controlada ou coligada no exterior, justificaria a invasão da competência do Congresso Nacional pelo Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, se a norma nasceu inconstitucional ela é e sempre será inconstitucional, devendo o E. STF aplicar sua própria jurisprudência ao caso, pois inconstitucionalidades não se compensam.  

Logo, quer nos parecer que merece pronta revisão o critério de jurisdição preconizado pelas recentes decisões do STF, por absoluta falta de previsão legal.

Aguarda-se da Suprema Corte uma manifestação quanto à possibilidade de tributação automática dos lucros registrados pelas sociedades controladas e coligadas no exterior, independentemente do regime tributário aplicável no país em que estejam localizadas. 



[1] Informativo STF n.º 701.

[2] Por se tratar de decisão tomada por maioria de cinco votos em um total de nove, esse entendimento ainda pode ser alterado pelo Plenário do STF com sua composição completa.

[3] STF. E-AgR 322.348. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 6.12.2002. No mesmo sentido: ADI 896. Rel. Min. Moreira Alves. DJ. 16.2.1996; REAgR 485.280. Rel. Min. Ellen Gracie. DJ. 20.8.2010; dentre outros.

Compartilhe