Conselho Julga Prazo para Receita Federal Cobrar Contribuintes
por Valeria Garcia Cardezo Ferreiro
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fiscal de Atividades Econômicas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
A jurisprudência tributária relativa às atividades de controle tende a ser reavaliada com o avanço das tecnologias aplicadas pelos órgãos fiscalizadores e seus agentes. Exemplo disso é a análise sobre o prazo decadencial de cinco anos estipulado em 1966 pelo Código Tributário Nacional – CTN, considerando os valores que comporta: era necessário que o legislador ponderasse o tempo de obediência à máxima de que “o direito não protege os que dormem”, sem retirar do Estado a capacidade real de exercício da atividade fiscalizadora.
O que se verifica é que o prazo de cinco anos é mais longo nos dias atuais que à época da edição da Lei nº 5.172, quando o prazo quinquenal era muito consumido pelo tempo de pesquisa, transporte, organização, ciência e resposta para apresentação de documentos; hoje este prazo se encontra fundamentalmente consumido pela insuficiência de investimentos que viabilizem o exercício da atividade fiscalizadora em tempo mais próximo do fato gerador que da extinção da obrigação tributária; isto se dá pelo avanço da informatização e redução dos custos de armazenagem da informação, além do avanço dos meios de comunicação fisco/contribuinte, que reduziu substancialmente todos os prazos de execução da atividade fiscalizadora ao longo das últimas décadas.
Analisando a posição adotada pelo legislador acerca da proteção ao exercício da atividade fiscal, observa-se a intenção de garantir ao fisco a oportunidade de programar as ações de fiscalização em momento próximo à ocorrência do fato gerador, garantindo o acesso às informações que permitam apurar eventual obrigação tributária principal; isto se pode depreender do rigor estabelecido no inciso I do artigo 88 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, que impõe multa ao atraso no cumprimento da obrigação acessória de apresentação de declaração de rendimentos em valor proporcional ao imposto devido, ainda que integralmente pago.
Também quanto ao avanço da legislação relativa aos controles fiscais, diante da facilitação do acesso à informação, da melhoria do nivel educacional, da informatização domiciliar, da evolução do conhecimento, dos já existentes pressupostos de inocência e de responsabilidade do contribuinte, o legislador pátrio retratou todo este avanço tecnológico e social através da convocação deste contribuinte a participar ativamente do controle fiscal; este movimento se verifica quando é atribuído cada vez mais a cada sujeito passivo, ao responsável ou ao substituto tributário o papel de verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, praticada a obrigação a destempo, calcular e recolher os acréscimos moratórios devidos. Todo este movimento acarretou alteração também na leitura do artigo 142 do CTN quanto à competência privativa da autoridade administrativa; agora esta competência se encontra compartilhada através das obrigações impostas ao sujeito passivo, ao responsável ou ao substituto tributário.
Quanto ao início da ação fiscal, ainda que o mesmo seja possível a qualquer tempo, às vezes antes mesmo de ocorrido o fato gerador, como nos casos previstos pela Emenda Constitucional nº 03, de 17 de março de 1993, há que se ponderar que a ação fiscal deverá também observar os ditames prescritos no artigo 37 da lei maior, ressaltando que a eficiência inserta pela Emenda Constitucional 19, de 04 de junho de 1998, também comporta a avaliação custo/benefício para determinar a oportunidade da ação. Neste sentido, iniciar ação fiscal sobre contribuinte que já se encontra obrigado por lei a encaminhar informações, antes mesmo de esgotado o prazo de apresentação de tais informações, consistiria em desperdício de mão-de-obra qualificada, necessitando justificação do ato para atender o citado artigo 37. Disto se conclui que o termo inicial para contagem da extinção preconizada no artigo 150 do CTN mereceria ser deslocado do fato gerador para o primeiro dia após encerrado o prazo de apresentação voluntária das informações pelo responsável tributário.
O quadro que se apresenta é do legislador oferecendo à Administração meios de constituir os créditos tributários com celeridade, enquanto a mesma Administração, ainda em muitos casos, encontra-se operando no limite do prazo decadencial de apuração e constituição destes mesmos créditos. Neste sentido, também lógica a conduta da Administração ao preferir obrigações em vias de extinção, diante do inexorável falecimento de eventuais créditos tributários a serem exigidos.
Neste cenário, cabe ao julgador, verificando a realidade do movimento, estabelecer a justa medida de entendimento dos dispositivos legais na evolução histórica. De fato, com o avanço tecnológico reduzindo em muito o tempo necessário à apuração de créditos tributários e com o avanço legislativo no sentido de impor ao contribuinte maior agilidade na prestação de informações, resta intuitivo o caminho por convocar a Administração a também aperfeiçoar seus procedimentos, participando do esforço conjunto pela eficiência na relação tributária Estado-Contribuinte.
Considerando que a participação compulsória no esforço conjunto está subordinada a existência de dispositivo de lei que imponha à Administração novos parâmetros de atuação e considerando ainda que qualquer dispositivo de lei que estipule prazos restritivos à tributação deverá ser de iniciativa do Poder Executivo, a interpretação jurisprudencial assume especial importância à adoção de novos paradigmas, amparada tanto na doutrina quanto nos atos concretos que circuscrevem a atividade fiscalizadora. Desta forma, a autoridade julgadora espelha o movimento social pela alteração do status quo, movimento competente e legítimo a promover as alterações legislativas de qualquer tipo de iniciativa.
Necessário avaliar, entretanto, que este chamamento compulsório importaria em antecipar o prazo ainda atualmente utilizado pelo Fisco na sua estratégia de atuação; esta antecipação teria como consequencia a perda de arrecadação dos valores relativos à diferença temporal implantada. No caso de alteração em processo legislativo, a estimativa do montante seria o valor arrecadado relativo a um ano de fiscalização direta, em cálculo de extrapolação matemática. Por outro lado, sendo a transformação imposta no campo da jurisprudência, a estimativa seria reduzida à arrecadação apenas sobre o total dos valores recorridos relativos a um ano de fiscalização direta.
Não podemos esquecer, entretanto, que a jurisprudência tem seu papel limitado em medida diretamente proporcional à clareza com a qual se revista o direito positivo, sob pena de avançar a autoridade julgadora na competência do legislador. Neste sentido, quanto à aplicação das regras apontadas pelos artigos 150 e 173 do CTN, diversas possibilidades se apresentam para análise, no que diz respeito aos tributos subordinados ao lançamento por homologação.
A hipótese de resposta mais clara é quando o contribuinte efetuou pagamento; neste caso o parágrafo quarto do artigo 150 do CTN é expresso em afirmar que restará extinto definitivamente o crédito e a contagem do prazo se dará a partir da ocorrência do fato gerador. A clareza da norma não dá espaço à aplicação do disposto no artigo 173 do mesmo Código.
Em seguida, pode ser considerada a hipótese do contribuinte que não apresentou declaração nem efetuou pagamento; neste caso, a ausência de previsão no artigo específico remete o analista ao genérico artigo 173 do CTN, que estabelece como termo inicial o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Tranquila também esta conclusão, em especial quando se percebe o aumento da dificuldade na constatação do ilícito, exigindo que o fisco adote postura investigatória, onerando todo o trabalho, inclusive no aspecto temporal da solução (o papel do agente fiscalizador possui, entre outras, duas vertentes específicas: a investigativa, incidente sobre os contribuintes que não se apresentam espontaneamente, e a de conferência sobre as informações apresentadas previamente à fiscalização).
Finalmente, apresenta-se a grande controvérsia na hipótese do contribuinte que, tendo apresentado a declaração de rendimentos, deixa de recolher o tributo devido. Há que se estabelecer, preliminarmente, que os casos de ajuste anual, quando o empregador já recolheu mensalmente as parcelas incidentes sobre salário, configuram a primeira hipótese, ou seja, extingue-se o crédito com base no artigo 150. A hipótese ora levantada diz respeito aos lançamentos por homologação para os quais não se efetuou nenhum recolhimento, ainda que devido. Neste sentido, o artigo 150 do Código Tributário Nacional, ao referir-se ora a pagamento, ora a lançamento sem estabelecer expressamente a pretensão, abre espaço para a análise e ponderação jurisprudencial.
De fato, o argumento de que o artigo 150 do CTN faz referência somente ao pagamento efetuado pelo contribuinte e, portanto, inexistindo pagamento seria aplicável o disposto no artigo 173 do referido código, amparou-se na leitura do artigo 142 daquele diploma que estabelece que o lançamento é atividade privativa da autoridade fiscalizadora; acompanha ainda como conseqüência o aumento do prazo para a efetividade da ação fiscal em até um ano.
O que se infere, diante da evolução apontada, é se existiriam novos e diversos caminhos a percorrer na interpretação do dispositivo, possibilitando assim a inovação no estudo dos casos, amparando a leitura do artigo 150 na forma preconizada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF em diversos acórdãos, entre os quais o nº 9101-00.136, de 12 de maio de 2009.
Preliminarmente já se observa a dificuldade em manter o entendimento acerca da competência privativa incidente sobre a integralidade dos elementos relacionados no artigo 142 do CTN, diante da expressa disposição do artigo 7º da Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995.
A comparação entre o lançamento definido no citado artigo 142 e o que seria o ato do contribuinte relatado no artigo 150 nos mostra que cabe à autoridade administrativa, privativamente, a imposição de não todas as penalidades, posto que os acréscimos moratórios são calculados e recolhidos pelo contribuinte junto com o principal. Resta principalmente a competência com a prerrogativa de inibir a possibilidade de outorga, pela Administração, da capacidade de imposição de sanções e exercício de outras funções de Estado a terceiros não revestidos dos elementos necessários ao uso deste poder.
O que se coloca ao julgador, no papel de avaliação e imposição da norma frente às evoluções legislativas, doutrinárias e sociais que regularmente se apresentam, é a decisão acerca do momento histórico que vivemos. Caso entenda que é chegada a hora de convocar a Administração a participar mais ativamente do esforço conjunto para a evolução do Sistema Tributário, reduzindo os prazos de apuração dos resultados tributários, optará pelo entendimento de participação do sujeito passivo no lançamento e consequente aplicabilidade do disposto no artigo 150 do CTN aos tributos para os quais o contribuinte não tenha recolhido qualquer valor devido nem apresentado a devida declaração de rendimentos. Alternativamente, cabe a análise sob o enfoque da perda de arrecadação e se esta, ainda que relativamente pequena e razoavelmente mensurável, representa sacrifício tolerável para o resultado na eficiência administrativa.
Ademais, a conclusão pela possibilidade de lançamento efetuado pelo sujeito passivo traz novas questões, igualmente merecedoras de atenção e extensas no desenvolvimento, tais como a leitura do parágrafo quarto do artigo 150 do CTN combinada ao parágrafo único do artigo 142 do mesmo diploma, nos casos de perda de arrecadação; outro desafio se percebe em traçar a leitura do citado artigo 150 combinada com as regras estabelecidas no artigo 174 do mesmo CTN.