Como acertar errando: PIS/CONFINS, frete na operação de venda e a solução de consulta interna nº 07/11

por Alexandre Siciliano Borges
Professor do GVLaw e sócio de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.

por Matheus Cherulli Alcantara Viana
Associado de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados

 

I. Introdução

 No último mês de fevereiro foi disponibilizada no endereço eletrônico da Receita Federal do Brasil[1] a solução de consulta interna nº 07, de 06 de outubro de 2011 (SCI 07/11 – DISIT 03). A SCI 07/11 gerou grande alvoroço nos meios de comunicação especializados, e também nos dedicados ao público empresarial, por tratar de problema recorrente no dia a dia das empresas: a escrituração de créditos das contribuições sociais ao PIS/PASEP e à COFINS, em se tratando de receitas sujeitas ao regime não cumulativo.

 As notícias sobre a SCI 07/11 deram conta de retrocesso em relação aos recentes entendimentos manifestados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e Tribunais Judiciais, onde se debate os critérios para a apuração de créditos das contribuições sobre despesas com insumos. Desde já pedindo licença àqueles que se posicionaram naquele sentido, entendemos que a questão não guarda relação direta com o conceito de insumos, o que não afasta a discussão sobre a correição da resposta formulada pela Superintendência da Regional da Receita Federal do Brasil da 3ª Região Fiscal (SRRF 03).

 Sem a pretensão de oferecer, em limitadíssimo espaço, solução definitiva ao problema, temos aqui a intenção de efetuar algumas provocações sobre o tema. Antes, contudo, tratemos de entender a questão colocada à Delegacia da Receita Federal do Brasil em Sobral e as razões da resposta formulada pela SRRF 03. 

 II. A questão de fundo e os argumentos constantes da SCI 07/11

De acordo com o relatório constante da SCI 07/11, a questão formulada pelo contribuinte teve como pano de fundo a possibilidade de escrituração de créditos sobre despesas/custos com a remessa expressa de documentos de exportação (fatura comercial, conhecimento de transporte etc.). Tendo se obrigado a empresa exportadora a remeter tais documentos ao cliente estrangeiro, é inegável que tal operação guarda, em maior ou menor grau, relação com a própria operação de exportação.

Considerando que a Lei nº 10.833/03, em seus artigos 3º, IX, e 15, II, permite o cálculo de créditos sobre as despesas com frete na operação de venda, quando o ônus for suportado pelo vendedor, entende o contribuinte pela possibilidade de creditamento sobre as despesas com a remessa expressa dos referidos documentos, sob o fundamento de que o texto legal trata do frente na operação, e não somente do frete da mercadoria em si. Desta forma, enquanto a remessa expressa esteja relacionada com a operação de venda, deveria o frete de tais documentos também dar guarida à geração de créditos das contribuições.

A resposta formulada pela SRRF 03, contudo, foi negativa. E as razões para tal entendimento foram: (a) a taxatividade das despesas aptas ao cálculo de créditos, constantes do artigo 3º da Lei nº 10.833/03; (b) a necessidade de interpretação literal do texto legal por força dos artigos 110 e 111 do Código Tributário Nacional, uma vez que a possibilidade de creditamento implica renúncia de receitas; (c) a definição contida no artigo 730 do Código Civil, que implicaria considerar como frete apenas o transporte de mercadorias, quando aplicado ao caso.

Assim delimitada a questão, a nosso ver podemos afirmar sem erro que o cerne da decisão (e da própria consulta) não foi o enquadramento da despesa com remessa expressa no conceito de insumos[2]. A discussão foi circunscrita, em verdade, ao significado da expressão “frete na operação de venda”, mais especificamente ao conteúdo do termo “operação”. De um lado, o argumento do contribuinte no sentido de que a operação de venda engloba vários atos diversos da transferência da mercadoria em si. De outro, a Receita Federal do Brasil ligando o termo frete exclusivamente ao transporte de mercadoria.

Pois bem. Feita a adequada contextualização do problema (nos termos da SCI 07/11), entendemos poder contribuir com a discussão trazendo alguns comentários a respeito.

III. Não Cumulatividade, renúncia de receitas e o artigo 111 do CTN

Chama bastante atenção na decisão da SCI 07/11 o raciocínio formulado pela Receita Federal do Brasil no sentido de que os créditos do regime não cumulativo do PIS/PASEP e da COFINS constituem renúncia de receita, em tese impondo o método de interpretação literal estabelecido no artigo 111 do Código Tributário Nacional.

A nosso ver, a não cumulatividade do PIS/COFINS não pode ser interpretada como renúncia de receitas, especialmente no sentido do argumento formulado pelas autoridades fiscais. A regra da não cumulatividade, positivada no artigo 195 da Constituição Federal, faz parte do método de cálculo atribuído pelo legislador aos tributos em questão. Basta a leitura do artigo 2º e do artigo 3º da Lei nº 10.833/03 para que se vislumbre, sem demora, que a apuração do quantum debeatur é efetivado pela concretização de três etapas: (i) aplicação das alíquotas sobre a base de cálculo; (ii) aplicação das alíquotas sobre as despesas “creditáveis”, e, finalmente, (iii) subtração do montante de créditos apurados em “ii” do montante de “débitos” calculados em “i”. Longe de se tratar de alguma espécie de incentivo fiscal, portanto, estamos diante da sistemática de cálculo dos tributos propriamente dita.

E não é demais repisar o disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional, suposto fundamento legal da resposta formulada pela Receita Federal. Ora, a única possibilidade de conexão que conseguimos vislumbrar entre o regime não cumulativo das contribuições e o artigo 111 do Código Tributário Nacional seria, absurdamente, considerar que o próprio regime não cumulativo (e aí não só o das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS, mas também o do ICMS e do IPI) consistiria outorga de isenção. E isso revelaria completa falta de sincronia com o regime estatuído às isenções pelo sistema tributário brasileiro.

Gostaríamos de frisar, por oportuno, que não se está aqui a discutir ser o rol de despesas constante do artigo 3º da Lei nº 10.833/03 taxativo ou exemplificativo, e sim de afastar de plano o argumento de que a interpretação dos diversos termos ali contidos deva ser literal por conta do artigo 111 do Código Tributário Nacional.

IV. Algumas observações sobre a expressão “frete na operação de venda”

Outro ponto bastante interessante na SCI 07/11 é a discussão em torno da expressão “frete na operação de venda”. Verdade seja dita, a permissão ou não para o cálculo de créditos sobre as despesas efetuadas com remessas expressas, no caso em questão, dependeu exclusivamente de seu conteúdo. Mas, antes, gostaríamos apenas de lembrar o disposto no artigo 3º, IX, da Lei nº 10.833/03:

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
IX – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.

A Receita Federal do Brasil houve por bem fundamentar sua resposta no artigo 730 do Código Civil, que dispõe em sua literalidade que pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Tendo descrito o teor deste dispositivo, o raciocínio da autoridade fiscal salta, sem aviso, para a conclusão de que o frete, no sentido da Lei nº 10.833/03, é unicamente o do transporte de mercadorias. E vai além, invoca o artigo 110 do Código Tributário Nacional[3] de modo a justificar a imediata correlação realizada entre o Código Civil e essa conclusão.

De acordo com o dicionário Houaiss[4], o verbete “frete” é utilizado para designar todo pagamento realizado em contrapartida do transporte de mercadorias ou cargas. Esse é o sentido usual do termo, que provavelmente é o “elo perdido” entre o artigo 730 do Código Civil e a conclusão exposta na SCI 07/11. No entanto, tal correlação não é fixada em lei, e sequer é intuitiva. Aliás, o artigo 730 do Código Civil serviria, a nosso ver, como argumento em sentido oposto, e explicamos: se o termo frete não é vinculado pelo direito privado somente ao transporte de mercadorias, nada impediria em considerar a remessa expressa como frete.

Mas essa discussão sobre o termo “frete”, de forma isolada, nos parece despropositada. Aliás, os termos “frete” e “venda”, contidos no artigo 3º, IX, da Lei nº 10.833/03, não nos parecem ser a pedra roseta da discussão. Já o termo “operação”, mereceria mais cautela. Embora não seja usualmente objeto de debates tratando de PIS/PASEP e COFINS, o termo “operação” é velho conhecido da doutrina de outro tributo: o ICMS. Em geral, ao termo é atribuído o sentido de “ato de impulso”[5], cujo teor seria compreendido à luz da expressão “circulação de mercadorias”.

Sem embargo, não nos pareceria absolutamente descabida afirmação no sentido de que, a rigor, o termo “operação” foi utilizado no referido artigo 3º, IX, em conjunto com o termo “venda”, ou seja, como prática do ato jurídico de venda, daquilo que se quer vender. Essa percepção é fortalecida quando se verifica que as despesas com frete na operação de venda somente gerariam créditos nos casos dos incisos I e II do artigo 3º, que tratam, respectivamente, das mercadorias produzidas e das adquiridas para revenda. Portanto, as operações em questão seriam simplesmente os negócios jurídicos de frete de mercadorias (incisos I e II).

É bastante difícil, nesse contexto, interpretar o termo operações de forma ampla. Uma operação de venda (agora em sentido amplo) pode contemplar praticamente todos os atos praticados no exercício do comércio. Em se tratando de frete, teríamos de considerar também integrantes de uma operação de venda, por exemplo, a escolta armada que acompanha carreta contendo bem de alto valor, a passagem aérea de executivo que viaje até a sede do cliente para concretizar o negócio, e assim por diante.

Por fim, a redação do artigo 3º, IX, trata de “armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda”, que por si só permitiria a seguinte ilação: ao dispor de forma conjunta sobre a armazenagem de mercadoria e frete, terá sido intenção do legislador tratar dos dois tipos de despesa sempre em relação à mercadoria, ou tal palavra somente faria referência à armazenagem, de forma a afastar os créditos relativos à armazenagem de ferramentas, por exemplo? Como se vê, a questão ainda parece estar bem longe de ser resolvida.

V. Conclusão

A matéria discutida na SCI 07/11 não foi o conceito de insumos para fins do cálculo de créditos do PIS/PASEP e da COFINS. Mas nem por isso deixou de ser controvertida. Mais uma vez, a falta de lógica interna na legislação atinente às contribuições coloca contribuintes e Receita Federal do Brasil em discussão ingrata. A ausência de definições claras torna a interpretação de suas disposições uma tarefa árdua, que somente será resolvida após mudança legislativa, ou pacificação da jurisprudência, duas soluções que ainda sequer aparecem no horizonte.

Em nossa opinião, tanto os argumentos trazidos pela Receita Federal do Brasil, quanto pelo contribuinte (de acordo com o relatório, já que não tivemos acesso ao pedido de consulta formulado) admitem posição em sentido contrário. Embora discordemos das razões expostas na SCI 07/11, tendemos a considerar a decisão em si acertada.

Não que a expressão não possa ter grande amplitude, mas a interpretação sistemática das disposições da Lei nº 10.833/03 parece realmente fazer referência ao frete das mercadorias mencionadas nos incisos I e II do artigo 3º, ou seja, mercadorias adquiridas para revenda ou produzidas pelo contribuinte. Em ambos os casos, contudo, estaríamos tratando do frete das mercadorias propriamente ditas.

No entanto, a discussão permanece aberta e, a nosso ver, novamente será reservada ao Poder Judiciário a resolução do problema, tarefa esta que, infelizmente, em se tratando das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS, tem sido cada vez mais recorrente.



[1] www.receita.fazenda.gov.br

[2] Vide SCHOUERI, Luis Eduardo / ALCANTARA VIANA, Matheus Cherulli, in “O termo insumos na legislação das contribuições sociais ao PIS/PASEP e à COFINS: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais sobre o tema”, in Pis e Cofins à Luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais / Marcelo Magalhães Peixoto, Gilberto de Castro Moreira Junior (coordenadores). – São Paulo: MP Editora, 2011.

[3] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

[4] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

[5] “’Operações’ configuram o verdadeiro sentido do fato juridicizado, a prática de ato jurídico como a transmissão de um direito (posse ou propriedade). (…) Os conceitos de ‘circulação’, ‘operação’ e ‘mercadoria’ permanecem umbilicalmente ligados, devendo os intérpretes e os destinatários do ICMS tomá-los na sua concepção jurídica para efeito de caracterização de sua incidência.”. JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, ICMS – Teoria e Prática, 10ª edição, São Paulo, Dialética, 2008, pp. 11/19.

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