Principais alterações introduzidas na legislação de preços de transferência pela medida provisória 563/2012

por Cristiane M. S. Magalhães
Advogada e administradora de empresas, formada pela Universidade de São Paulo e pela Fundação Getúlio Vargas, respectivamente. E-mail:csm@machadoassociados.com.br

por Angélica T. P. Santos Torres
Advogada, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e especialista em Direito Material Tributário, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: aps@machadoassociados.com.br

 

RESUMO

Este trabalho aborda os principais aspectos das regras de preços de transferência e apresenta, de forma objetiva, as mais relevantes alterações relativas a estas normas que foram introduzidas no ordenamento jurídico pela Medida Provisória n. 563, publicada em 4 de abril de 2012.

Palavras-chave: Preços de Transferência. Medida Provisória n. 563.

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A Medida Provisória n. 563 (“MP 563”), publicada no Diário Oficial da União no dia 4 de abril de 2012, trouxe profundas mudanças na legislação de preços de transferência, modificando o método mais utilizado na importação, introduzindo novos métodos para bens e direitos cotados em bolsas de valores internacionais e alterando as regras relativas a receitas e despesas financeiras em operações controladas.

Antes da análise objetiva e específica destas novas normas, cumpre, ainda que brevemente, comentar acerca dos aspectos gerais das regras de preços de transferência.

Estas normas foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 9.430/1996, dentro do contexto da globalização e em período no qual o Brasil iniciava seu processo de abertura econômica para as importações. Tais regras visam coibir a transferência de lucros de uma jurisdição (Brasil) a outra, por meio da manipulação de preços praticados entre empresas vinculadas ou residentes ou domiciliadas em países com tributação favorecida, como consta, inclusive, da exposição de motivos da lei[1].

Em linhas gerais, a manipulação de preços com finalidade de transferência de lucros para o exterior poderia se dar principalmente de duas formas: (i) pela aquisição de bens, serviços ou direitos por valor acima do preço de mercado, reduzindo o lucro brasileiro e aumentando o auferido no exterior; e (ii) pela venda de bens, serviços ou direitos por valor abaixo do preço de mercado, concentrando o lucro no país do importador. Tal manipulação também poderia ocorrer em operações financeiras, pela utilização de taxas de juros acima ou abaixo das normalmente praticadas no mercado.

Para coibir estas práticas foi instituído o controle de Preços de Transferência,  abrangendo operações realizadas entre sociedades consideradas legalmente como vinculadas, com sociedades domiciliadas ou constituídas em países com tributação favorecida e em transações realizadas sob regimes fiscais privilegiados[2].

A aplicação dessas regras é feita pela comparação entre os preços praticados e os preços resultantes da aplicação de um dos quatro métodos de importação ou dos três aplicáveis às exportações[3], os chamados preços parâmetro. Quando o preço efetivamente praticado na operação de importação é maior que o obtido pelo cálculo do preço parâmetro, a diferença é indedutível e deve ser adicionada às bases de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Por sua vez, quando o preço praticado em operação de exportação for inferior ao preço parâmetro, a diferença é tributável e também deve ser ajustada à base de cálculo dos referidos tributos.

A Instrução Normativa n. 243, de 11 de novembro de 2002 (“IN 243”), que regulamenta a aplicação das regras de preços de transferência, tem sido objeto de questionamento por parte dos contribuintes no que toca, especialmente, ao cálculo estabelecido para a apuração do preço parâmetro no PRL – Preço de Revenda menos Lucro de 60% (“PRL 60%”), método utilizado caso os bens, serviços ou direitos importados sejam aplicados à produção ou haja agregação de custos no Brasil. Com efeito, a aplicação deste método gerou, e ainda gera, grande discussão quanto à legalidade do cálculo previsto pela Instrução Normativa, que teria extrapolado os limites legais, na medida em que prevê critérios diferentes dos que estavam explicitados na lei  para seu cálculo.

Tais regras foram mantidas sem grandes alterações até 2009, quando foram editadas as Medidas Provisórias (“MP”) n. 472, 476 e 478 que modificaram, particularmente, a aplicação do método PRL 60%. Mesmo não sendo objeto do presente estudo a análise de cada uma destas Medidas Provisórias, vale destacar que (i) as normas da MP 472 foram revogadas pela MP 476 que, por sua vez, foram revogadas pela MP 478; (ii) a MP 478 não foi convertida em lei e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 1º de junho de 2010; e (iii) apenas recentemente, por meio Parecer Normativo n. 1/2012, a Receita Federal do Brasil divulgou seu entendimento sobre os efeitos produzidos pelas referidas Medidas Provisórias.    

Em apertadíssima síntese, este era o contexto relativo às regras de preços de transferência até a edição da MP 563. Vejamos agora as principais alterações por ela  introduzidas.

Sem dúvida, a principal mudança é a unificação dos dois métodos anteriormente aplicáveis às revendas (PRL 60% e PRL 20%) num único método, com a utilização de percentuais predeterminados de margens de lucro definidos pela legislação para diferentes setores da atividade econômica.

Com efeito, a existência de apenas duas margens predeterminadas de lucros (de 20% e 60%) era objeto de crítica pelos contribuintes eis que: (i) não consideravam que as margens de lucros variam de acordo com os vários setores da economia; e (ii) a margem utilizada nas operações de industrialização era excessivamente alta e incompatível com as práticas de mercado. Ainda que houvesse a possibilidade legal de solicitar a alteração dessa margem, devido às dificuldades de cumprir todos os requisitos da regulamentação (Portaria MF n. 222/08), não se tem conhecimento de que tenha sido concedida a algum contribuinte.

Nos termos da MP n. 563, o método do PRL passa a ser único, tanto para as operações de importação de bens, serviços ou direitos que serão apenas revendidos, quanto para os que serão objeto de transformação ou terão valor agregado no país. Quanto às margens de lucro, elas serão aplicadas de acordo com o setor da atividade econômica da pessoa jurídica brasileira, sendo previstos três margens preestabelecidas nos percentuais de: (i) 40%, para os setores de: a) fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos; b) fabricação de produtos do fumo; c) comércio de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso odonto-médico-hospitalar; e) extração de petróleo e gás natural; e f) fabricação de produtos derivados do petróleo; (ii)  30% para os setores de: a) fabricação de produtos químicos; b) fabricação de vidros e de produtos do vidro; c) fabricação de celulose, papel e produtos de papel; e d) metalurgia; e (iii) 20% para os demais setores. Nota-se, todavia, que muito embora as margens devessem ser definidas por “setor de atividade”, elas foram estabelecidas por “atividades”. Assim, por exemplo, se o contribuinte importar para simples revenda produtos farmoquímicos estaria, em princípio, sujeito à margem de 20%, muito embora esteja enquadrado no setor farmoquímico, uma vez que a margem de 40% se aplica à “fabricação” de produtos farmoquímicos.

Importante destacar que a metodologia de cálculo estabelecida pela MP 563 é praticamente a mesma da IN 243, pela qual há a proporcionalização dos preços de venda, de forma que o valor agregado passa a ser excluído tanto no cálculo da margem de lucro como no do preço parâmetro, diferentemente do que previa a Lei n. 9.430/1996.

Assim, a MP 563 visa reduzir a litigiosidade existente sobre a aplicação do cálculo de preço de revenda menos lucro, uma vez que o cálculo previsto na IN 243 estará em linha com o previsto na Lei (com as alterações da MP 563), como se ressalta na sua exposição de motivos[4].

Outro ponto de discussão que buscou ser dirimido pela MP 563 foi o relativo à consideração das despesas com frete e seguro no cálculo do PRL. Nos termos da nova Medida Provisória, não integram o custo, para efeito do cálculo do percentual de participação do insumo importado no custo total do bem os valores de frete e seguro cujo ônus tenha sido do importador e desde que tenham sido contratados com terceiros independentes, não residentes ou domiciliados em países ou dependências de tributação favorecida, ou que não estejam amparados por regimes fiscais privilegiados. Essa alteração, todavia, a nosso ver, não elimina as discussões sobre o assunto uma vez que ainda não restou claro se a exclusão deve ser feita tanto no preço parâmetro como no praticado, para que as bases sejam comparáveis. Os antigos Conselhos de Contribuintes e o atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais já se manifestaram sobre este tema[5]. É importante lembrar que como esses pagamentos geralmente são feitos a terceiros não relacionados à empresa importadora, não se prestam à transferência de lucros do exterior que visa ser eliminada pelas regras de preços de transferência.

Adicionalmente, foram introduzidos dois novos métodos para importação e exportação de bens ou direitos sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, quais sejam: o Método do Preço sob Cotação na Importação – PCI e o Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX.

De acordo com estes métodos, os preços praticados pelos contribuintes devem ser comparados com os preços de cotação desses bens em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, ajustados, para mais ou para menos, do prêmio médio de mercado, na data da transação, ou na data mais próxima.

A aplicação destes métodos ainda depende de regulamentação pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Quanto ao método dos Preços Independentes Comparados – PIC, a MP 563 requer que, caso o contribuinte utilize suas próprias operações com terceiros para determinação do parâmetro, tais operações devem representar, no mínimo, 5% do total das importações sujeitas às regras de preços de transferência.

Sobre a escolha do método, a MP 563 dispõe que, a partir do ano-calendário de 2012, a opção deverá ser efetuada para o ano-calendário e não poderá ser alterada pelo contribuinte uma vez iniciado o procedimento fiscal, salvo quando, em seu curso, o método ou algum de seus critérios de cálculo venha a ser motivadamente desqualificado pela fiscalização, quando o contribuinte será intimado para, no prazo de trinta dias, apresentar novo cálculo de acordo com qualquer outro método previsto na legislação.

A autoridade fiscal responsável pela verificação poderá determinar o preço parâmetro, com base nos documentos de que dispuser, e aplicar um dos métodos previstos na legislação, quando o sujeito passivo, após decorrido o prazo legal: (i) não apresentar os documentos que deem suporte à determinação do preço praticado nem às respectivas memórias de cálculo para apuração do preço parâmetro, segundo o método escolhido; (ii) apresentar documentos imprestáveis ou insuficientes para demonstrar a correção do cálculo do preço parâmetro pelo método escolhido; ou (iii) deixar de oferecer quaisquer elementos úteis à verificação dos cálculos para apuração do preço parâmetro, pelo método escolhido, quando solicitados pela autoridade fiscal.

A forma de demonstração do cálculo escolhido ainda será objeto de regulamentação pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Outra relevante alteração diz respeito à aplicação das regras de preços de transferência quanto aos juros auferidos ou incorridos em operações sujeitas ao controle.

Atualmente, caso os respectivos contratos estejam registrados perante o Banco Central do Brasil, tais regras não se aplicam, uma vez que se pressupõe que o Banco Central verifica se as taxas de juros estão adequadas ou não às práticas de mercado.

Contudo, conforme a MP 563, todas as operações financeiras entre partes relacionadas ou com países com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado estarão agora sujeitas ao controle, mesmo que os respectivos contratos estejam registrados no Banco Central. Assim, o parâmetro para os juros a serem pagos ou recebidos deverá ser calculado com base na taxa London Interbank Offered Rate – LIBOR, para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida de margem percentual a título de spread, a ser definida anualmente por ato do Ministro de Estado da Fazenda com base na média de mercado, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros. Até o momento, não se divulgou tal margem de “spread” nem os critérios para sua aplicação.

Interessante lembrar que a dedutibilidade das despesas com juros está sujeita a diferentes normas, quais sejam: (i) as regras gerais de dedutibilidade, consolidadas no art. 299 do Decreto n. 3.000/1999; (ii) as regras de preços de transferência; (iii) as normas de subcapitalização, previstas nos artigos 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010 e (iv) as normas de presunção de indedutibilidade no caso de pagamentos a beneficiários residentes em país com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado (artigo 26 da Lei n. 12.249/2010).  Referida diversidade de normas pode suscitar a dúvida, em certos casos, sobre a norma que deve prevalecer.

Por fim, importante destacar que as novas regras contidas na MP 563 poderão ser aplicadas, à opção do contribuinte, já no ano-calendário de 2012. Contudo, esta opção será considerada irretratável e acarretará a observância de todas as alterações trazidas pela Medida Provisória no que se refere às regras de preços de transferência, sendo certo que a Secretaria da Receita Federal do Brasil definirá a forma, o prazo e as condições desta opção.

Nos termos da Constituição Federal, esta Medida Provisória deverá ser analisada pelo Congresso Nacional e convertida em lei no prazo de sessenta dias, a contar da data de sua publicação, sendo prorrogável por igual prazo. Sabe-se que estão sendo discutidas melhorias no texto a respeito das despesas com fretes e seguro e quanto às margens de lucros a serem utilizadas.

De toda a forma, apesar das críticas que possam ser feitas a referida Medida Provisória, é certo que as normas de preços de transferência ganham relevância a cada dia em razão do papel que vem sendo assumido pelo Brazil na economia mundial e que avanços na legislação sobre essa matéria são sobremaneira importantes para a segurança jurídica das relações comerciais internacionais.

REFERÊNCIAS


[1]“12. As normas contidas nos arts. 18 a 24 representam significativo avanço da legislação nacional face ao ingente processo de globalização, experimentado pelas economias contemporâneas. No caso específico, em conformidade com as regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados ‘Preços de Transferência’, de forma a evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferências de resultados para o exterior, mediante a manipulação dos Preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior.”

[2] A inclusão dos regimes fiscais privilegiados foi feita pelo acréscimo do artigo 24-A à Lei n. 9.430/1996 pela Lei n. 11.727/2008 , resultante da conversão da Medida Provisória n. 413/2008.

[3] A saber, (i) PIC – Preços Independentes Comparados; (ii); CPL – Custo de Produção mais Lucro (20%); (iii) PRL – Preço de Revenda menos Lucro (20%); e PRL – Preço de Revenda menos Lucro (60%).  Para a exportação são aplicáveis: (i) PVEx – Preços de Venda nas Exportações; (ii) PVA – Preço de Venda por Atacado no país de destino, diminuído do lucro (15%), (iii) PVV – Preço de Venda a Varejo no país de destino, diminuído do lucro (30%); e (iv) CAP – Custo de Aquisição ou de Produção, mais tributos e lucro (15%). O contribuinte pode adotar o método que lhe seja mais favorável.

[4]“61. Como fruto de toda a experiência até então angariada no que concerne à aplicação de referidos controles, com o intuito de minimizar a litigiosidade Fisco-Contribuinte até então observada, e objetivando alcançar maior efetividade dos controles em questão, propõe-se alterações na legislação de regência.”

[5] Por exemplo: (i) Acórdão n. 1301-000.436, sessão de julgamento de 11 de novembro de 2010; (ii) Acórdão n. 1301-00.077, sessão de julgamento de 13 de maio de 2009; (iii) Acórdão n. 108-09.763, sessão de julgamento de 13 de novembro de 2008; e (iv) Acórdão n. 105-17.077, sessão de julgamento de 25 de junho de 2008.

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