Ofício ao Congresso

Ofício ao Congresso

Na última segunda-feira, dia 20, a ABDF e outras instituições enviaram um ofício ao Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, com informações técnicas da Organização para Cooperação ao Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo é pedir que não seja aprovado o PLP 34/2020, que pretende instituir empréstimo compulsório para atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública relacionada ao coronavírus (COVID-19).

Leia abaixo a íntegra do documento

São Paulo, 20 de abril de 2020.

Exmo. Sr. DEPUTADO RODRIGO MAIA

Presidente da Câmara dos Deputados

REF: PLP 34/2020 – Empréstimo compulsório | Posição Divergente

Relatório da OCDE 15.04.2020

Tax and Fiscal Policy in Response to the Coronavirus Crisis: Strengthening Confidence and Resilience Politicas Tributária e Fiscal em Resposta à Crise do Corona Vírus: fortalecimento da confiança e da Resiliência https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=128_128575-o6raktc0aa&title=Tax-and-Fiscal-Policy-in-Response-to- the-Coronavirus-Crisis

 

Excelentíssimo Presidente,

Em razão da pandemia do COVID-19, as entidades abaixo, em sua função de exercício da cidadania, passaram a acompanhar os diversos projetos e iniciativas para o enfrentamento dessa grave situação sanitária e econômica que assola o Brasil. Nesse sentido, chamou-nos a atenção o PLP 34/2020, de autoria do Deputado Wellington Roberto (PL-PB), que pretende instituir em empréstimo compulsório para atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública relacionada ao coronavírus (COVID-19).

Contudo, em que pese a nobre intenção da citada proposta legislativa, entendemos que o projeto não deve prosperar pois vai gerar mais litigiosidade, por estar em desacordo com a Constituição Federal de 1988 e contrariar decisão do Supremo Tribunal Federal em relevante precedente em matéria idêntica (Recurso Extraordinário nº 111.954, Min. Rel. Oscar Corrêa, DJ 24.06.1988, Ementário nº 1507-3).

Além disto, a medida contraria frontalmente as recomendações da Organização para Cooperação ao Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), em seu relatório publicado em 15.04.2020, sintetizado na Nota Técnica anexa. Contraria, ainda, o que todos os países do mundo têm feito em resposta à crise do COVID-19, conforme reportado na ampla base de dados anexa ao referido documento.

Assim, a pretensa imposição de mais uma obrigação tributária se mostra extremamente danosa e muito inoportuna, diante da grave crise, em que os agentes econômicos buscam renegociar contratos e o diferimento do pagamento de tributos, justamente para possibilitar a continuidade de sua atividade produtiva e, notadamente, a manutenção dos postos de trabalho.

 

NOTA TÉCNICA

Síntese do relatório da OCDE publicado em 15.04.2020 e a posição do Brasil

https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=128_128575-o6raktc0aa&title=Tax-and-Fiscal-Policy-in-Response-to-the-Coronavirus-Crisis 

No dia 15/04/2020, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) publicou importante documento intitulado Tax and Fiscal Policy in Response to the Coronavirus Crisis: Strengthening Confidence and Resilience (Politicas Tributária e Fiscal em Resposta à Crise do Corona Vírus: fortalecimento da confiança e da Resiliência).

Entre as grandes virtudes do trabalho publicado, está a visão da crise em perspectiva, sistematizando-a em fases, alertando os países para os objetivos de cada fase e as medidas que podem ter à sua disposição para o enfrentamento da crise, a criação de confiança e o fortalecimento da resiliência.

Com este trabalho, a OCDE contribuiu para que os países tenham um norte para planejamento de suas ações, evitando respostas improvisadas, decorrentes do imediatismo, e que terão por consequência um custo maior ainda do que aquele gerado pela própria crise.

A OCDE descreve a crise causada pelo do COVID-19 em quatro momentos tendo por critério as medidas de contenção da pandemia: surto do vírus, medidas de contenção do surto, transição pelo levantamento gradual e intermitente das medidas e a pós-pandemia.

As medidas de contenção da pandemia vêm tendo profundo impacto na atividade econômica de todas as nações e exigem respostas adequadas segundo os seus efeitos para cada economia.

A OCDE sistematiza os efeitos econômicos da crise, dividindo-os em quatro fases e associando, a cada uma delas, os objetivos recomendados e as respostas a serem dadas pelas políticas fiscais e tributárias, segundo as peculiaridades de cada economia.

Fase 1 – Queda abrupta da atividade econômica – resposta imediata

Foco: liquidez e suporte à renda das empresas e das famílias

Nesta fase os instrumentos são (i) tributários, como diferimento de tributos, redução de tributos fixos, parcelamentos, redução de multas e juros e pacotes de pagamento (ii) não tributárias, como transferência de rendas a famílias menos favorecidas, redução de juros de empréstimos e incentivos à manutenção de empregos.

Fase 2 – Continuidade na inatividade econômica – resposta visando o amortecimento dos impactos

Foco: liquidez, suporte à renda das empresas e das famílias e solvência

Essa fase, segundo a OCDE, é crítica, pois muitos países terão tomado medidas de curto prazo e tenderão a suspender as medidas de apoio concedidas na Fase 1. A recomendação do documento é que os países não só não suspendam como refinem e aprofundem as medidas, buscando suportar alvos mais necessitados de ajuda. Esta fase é crucial, pois as empresas deverão ter resiliência econômica para não entrarem em insolvência. E os países devem fazer o esforço de apoiá-las.

Fase 3 – Recuperação da atividade econômica – resposta visando a retomada

Foco: estímulos fiscais e tributários para o investimento e consumo

Nessa fase os países devem estar preparados para dar estímulos para o retorno da atividade econômica.

Os estímulos deverão ser direcionados a setores que sofreram mais com a crise, e aos negócios pequenos e médios, com vistas ao retorno da confiança para os investimentos e o consumo. Ainda não é o momento de se pensar em recuperação da receita púbica, alerta a OCDE, pois a forma mais sustentável de retomada da receita púbica é pela retomada da atividade econômica. Os países devem entender que o retorno aos patamares de arrecadação anteriores à pandemia envolverá muitos esforços prévios e poderá tomar muito tempo, dependendo do estágio de desenvolvimento de cada economia.

Fase 4 – Resiliência e recuperação das finanças públicas – resposta visando a recuperação dos países

Foco: receita pública

Essa é a fase em que os países devem planejar a reorganização das finanças públicas. Aqui, a OCDE alerta que as medidas que os países tiverem adotado nas fases anteriores, de apoio às empresas e às famílias, serão críticas para os resultados serem melhor colhidos nessa etapa.

Somente nesse momento os países deverão cogitar a recuperação de receita por aumento cuidadoso de impostos, em setores que possam ter sido bem sucedidos na crise ou lucrado com ela. A OCDE chama a atenção para a necessidade de se antecipar a criação dos impostos sobre a digitalização da economia, em especial a implementação do Pilar 2, com pagamento de valores mínimos em países de atuação das multinacionais que atuam na economia digital.

Na fase 4 a OCDE recomenda ampla cooperação entre as nações, inclusive para o fortalecimento dos sistemas de saúde. A crise do COVID-19 expõe a vulnerabilidade coletiva, ao mesmo tempo em que une as nações nos esforços de conter esta pandemia e evitar futuras.

Muitos países estão na fase 1, em que sofreram abrupto declínio da atividade econômica, como decorrência de medidas impostas pelos governos para a contenção do vírus. As respostas, observa a OCDE, têm sido de suporte à liquidez e à renda, como ela reconhece ser o adequado. Ela anexa ao documento extensa base de dados coletada em mais de 100 países, em todos os estágios de desenvolvimento.

Em todos os países, as medidas têm sido de suporte à renda e à liquidez. Desde países em menor estágio de desenvolvimento, tais como Kenya, Cambojda, Guatemala, Equador, passando por países em desenvolvimento, tais como os BRICS, até os países desenvolvidos, tais como a Alemanha, o Canadá, os Estados Unidos, em maior ou menor proporção, as ações envolvem medidas tributárias e não tributárias, para prover a liquidez e a renda.

As medidas variam pela sua natureza. De forma geral, os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento têm optado por medidas de diferimento de impostos, em maior ou menor grau, transferências de renda para famílias e medidas de estímulo ao emprego, como redução ou eliminação de contribuições sobre folha de salários.

Não há registro, na ampla base de dados da OCDE, de qualquer país que neste momento tenha aprovado medidas de aumento de impostos.

 O Brasil vem seguindo os demais países no combate à pandemia, com medidas restritivas da atividade econômica para controle da pandemia.

Igualmente tem se comportado como os seus pares no apoio à liquidez e à renda com as medidas de diferimento no pagamento de contribuições, isenção de imposto de importação em itens de saúde e redução a zero na alíquota do IOF sobre crédito.

As medidas de diferimento poderiam alcançar outros tributos como o imposto de renda e o imposto estadual, ICMS. No entanto, na medida de sua possibilidade, o Brasil está ajustado ao contexto internacional.

Não há que se cogitar, neste momento, sobrecarregar os agentes econômicos, mesmo aqueles mais saudáveis, com tributos adicionais. Muitos são os desafios mesmo para as empresas mais equilibradas, tais  como preservar seus recursos humanos, manter suas cadeias de suprimento, saldar suas obrigações evitando-se maior extensão das insolvências.

Impor novos tributos é inoportuno e pode causar danos que certamente serão sentidos pelo Brasil na fase de recuperação.

Como bem ressaltou a OCDE o que se fizer agora, que é a fase de apoio, será colhido no momento da recuperação.

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