Coluna do Dr. Gustavo Brigagão no CONJUR

Por Gustavo Brigagão

Receita restringe conceito de insumo firmado em repetitivo

Parecem infindáveis os passos que terão que ser dados para que possamos considerar pacificado o conceito de “insumo” para fins de apuração de créditos do PIS e da Cofins.

Novo capítulo dessa controvérsia surge com o recém-editado Parecer Normativo 5, de 17/12/2018, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, publicado com o alegado objetivo de estabelecer os exatos contornos desse conceito, em face do que foi decidido pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Recapitulando.

Em um primeiro momento, três correntes prevaleceram em fases distintas na jurisprudência administrativa e judicial sobre essa questão:

  • em uma primeira fase, prevaleceram os mesmos parâmetros previstos na legislação do IPI, pelos quais seriam insumos somente os bens e serviços que fossem diretamente aplicados ou consumidos na produção ou prestação;
  • em uma segunda fase, a jurisprudência se encaminhou para o lado oposto, e os parâmetros aplicáveis passaram a ser os previstos na legislação do IRPJ, pelos quais seriam considerados insumos todos aqueles cuja aquisição configurasse despesa dedutível; e
  • na terceira e última fase, adotou-se entendimento intermediário para se considerar insumos os bens e serviços que fossem essenciais ao processo produtivo ou à prestação de serviços, assim entendidos todos aqueles sem os quais essas atividades seriam inviáveis ou substancialmente prejudicadas, ainda que não fossem efetivamente consumidos ou aplicados na produção ou prestação.

Em fevereiro de 2018, a 1ª Seção do STJ julgou, sob o rito dos recursos repetitivos, o REsp 1.221.170 (“Caso Anhambi”), do qual foi relator o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, e pacificou o entendimento da corte no sentido de que seria aplicável a tese intermediária, não tão restritiva quanto a do IPI nem tão ampliativa quanto a do IRPJ. Estabeleceu-se que seriam considerados “insumos” os bens e serviços que fossem essenciais ou relevantes à atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

As premissas adotadas nesse julgamento foram basicamente as seguintes:

  • a definição restritiva de “insumo” contida nas INs 247/02 e 404/04, semelhante à adotada na legislação do IPI, é ilegal por desrespeitar o comando contido no artigo 3º, II, das leis 10.637/02 e 10.833/03;
  • o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte;
  • essa “essencialidade” ou “relevância” se verifica a partir do “teste de subtração”, sendo necessário perquirir se a supressão do dispêndio obstaria a atividade empresarial, isto é, impossibilitaria a prestação do serviço ou da produção ou, ao menos, ocasionaria substancial perda de qualidade do produto ou serviço;
  • a avaliação do atendimento a esses critérios deve ocorrer de forma casuística, sempre a partir do cotejo com o objeto social da empresa.

Sob a alegação de que a aplicação concreta dos critérios definidos pelo STJ no precedente acima referido “demanda um processo de análise que muitas vezes pode ser complexo e em alguns casos pode gerar conclusões divergentes”, o PN 5/18 procurou esclarecer o entendimento da Fazenda sobre como essa aplicação deveria se dar em relação às principais categorias de itens que costumam ser analisadas administrativamente. Isso com vistas à obtenção de “segurança jurídica para agentes internos e externos” e “eficiência nas inúmeras análises acerca desta matéria realizadas pelos Auditores Fiscais”.

Na verdade, na Nota Explicativa 63/18, editada pela PGFN para dispensar a contestação e interposição de recursos nos processos judiciais que versassem sobre essa matéria, já se afirmava que, “conquanto o STJ tenha entendido pela ilegalidade da interpretação restritiva do conceito de insumo, não proibiu toda e qualquer regulamentação feita em âmbito administrativo”.

A PGFN chega a recomendar, nessa nota, a edição de novo ato normativo pela Receita, com base nos seguintes fundamentos:

“uma regulamentação calcada nas balizas do julgado, considerando os critérios de relevância e essencialidade (…), para definição dos itens que ensejarão créditos dentro da sistemática das contribuições do PIS e da COFINS não-cumulativos, revela-se, em verdade, salutar, na medida em que pode conferir uniformidade no tratamento de contribuintes que desenvolvem a mesma atividade produtiva, evitando-se distorções concorrenciais e garantindo-se maior segurança jurídica. Outrossim, uma nova disciplina que contemple as diretrizes traçadas no julgado do STJ é também desejável do ponto de vista da redução da litigiosidade, já que a ausência de um critério objetivo por parte da Administração pode resultar em um excesso de questionamentos judiciais — sobretudo nas instâncias ordinárias — para que se determine quais elementos poderiam ser considerados insumos ou não dentro da sistemática da não-cumulatividade”.

Correto o posicionamento da PGFN. Redução de litigiosidade e uniformidade no tratamento de contribuintes que desenvolvem a mesma atividade produtiva, de forma a evitar distorções concorrenciais e garantir maior segurança jurídica, são realmente objetivos que devem ser perseguidos por todos, principalmente pela administração pública.

Porém, essas metas jamais serão alcançadas se, dessa regulamentação, resultar afastamento das “balizas do julgado” do STJ e daí decorrer restrição ao aproveitamento de créditos para além do que se poderia extrair da tese firmada no precedente. Foi o que fez o PN 5/18.

Apesar de o PN ter feito algumas interpretações favoráveis aos contribuintes (como a possibilidade de creditamento na aquisição dos denominados “insumos sobre insumos”, dos bens e serviços utilizados no processo produtivo por imposição legal, dos serviços terceirizados e dos testes de qualidade, entre outros), há outras que promovem estreitamento dos limites e parâmetros estabelecidos pelo precedente do STJ.

Exemplo disso foi a conclusão de que somente estariam inseridos no conceito de insumos aqueles bens ou serviços que fossem inseridos em processo do qual efetivamente resultasse bem destinado à venda ou à prestação de serviços a terceiros (esforço bem-sucedido).

Por esse entendimento, atividades que não gerassem tais resultados, “como pesquisas, projetos abandonados, projetos infrutíferos, etc.” não ensejariam direito a crédito.

O fundamento seria a norma contida no artigo 3º, parágrafo 13º, da Lei 10.833/03, segundo a qual “deverá ser estornado o crédito (…) relativo a bens (…) utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, que tenham sido furtados ou roubados, inutilizados ou deteriorados, destruídos em sinistro ou, ainda, empregados em outros produtos que tenham tido a mesma destinação”.

Além de a norma acima tratar de situação que nada tem a ver com a que ora se examina, não há no precedente do STJ qualquer premissa que permita a interpretação de que o creditamento só se admite em relação a insumos utilizados em operações que sejam bem-sucedidas. Tanto assim que o próprio PN reconhece que se trata de “um ponto não abordado pelos ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça”, mas que supostamente decorreria da legislação do PIS e da Cofins.

Há diversos segmentos econômicos em que a frustração de expectativas é inerente às atividades que constituem o seu objeto empresarial, como o de óleo e gás, mineração etc. E o PN parece desconsiderar essa realidade quando afirma que “não são considerados insumos para fins de apuração de créditos das contribuições os dispêndios da pessoa jurídica com pesquisa e prospecção de minas, jazidas, poços, etc., de recursos minerais ou energéticos que não chegam efetivamente a produzir bens destinados à venda ou insumos para produção de tais bens”.

Como já tive oportunidade de examinar neste espaço, no caso da indústria do petróleo e gás natural, as fases que a compõem (exploração, desenvolvimento e produção) fazem parte de um todo indissociável que, em conjunto, viabiliza a extração da commodity correspondente.

De fato, não seria possível o início da fase de produção sem que, em momento anterior, o contribuinte incorresse nos necessários custos e despesas que permitem a “descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural” (fase de pesquisa ou exploração, conforme o artigo 6º, XV, da Lei 9.478/97).

A própria Lei 9.478/97 define “Indústria do Petróleo” como representativa do “conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvolvimento, produção (…) de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluídos e seus derivados” (artigo 6º, XIX), o que demonstra a absoluta conexão existente entre essas diferentes fases.

Já no que se refere à mineração, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vem reiteradamente reconhecendo que as atividades de pesquisa mineral (fase em que ainda não há certeza quanto ao atingimento do resultado esperado) dão direito ao aproveitamento de créditos, com base no critério da essencialidade (acórdãos 3403-003.492, 3402-002.669 e 3403-003.378).

Trata-se, portanto, de atividades que atendem às premissas estabelecidas pelo STJ para que o creditamento seja admissível, na medida em que, sem elas, os resultados almejados pela indústria jamais seriam alcançados.

Outra interpretação do PN que, a nosso ver, restringe o âmbito de aplicação das premissas estabelecidas pelo precedente do STJ é a relativa à possibilidade de creditamento em gastos posteriores à finalização do processo de produção ou à prestação de serviços em si.

Segundo o PN, não seriam passíveis de creditamento os gastos com transporte (frete) de produtos acabados de produção própria entre estabelecimentos da pessoa jurídica, para centros de distribuição ou para entrega direta ao adquirente, tais como: (a) combustíveis utilizados em frota própria de veículos; (b) embalagens para transporte de mercadorias acabadas; e (c) contratação de transportadoras.

Alega-se que esses gastos não seriam creditáveis porque se refeririam a itens não aplicados no processo produtivo ou na prestação de serviços propriamente ditos, já que incorridos em fase posterior à conclusão dessas atividades.

O PN afirma que a expressão genérica “para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, contida na ementa do acórdão do REsp 1.221.170, deve ser interpretada como circunscrita ao processo produtivo e à prestação de serviços, não alcançando, portanto, as etapas de comercialização das mercadorias produzidas.

Destaque-se o seguinte trecho do parecer que ilustra esse entendimento:

“conquanto essa expressão, por sua generalidade, possa fazer parecer que haveria insumos geradores de crédito da não cumulatividade das contribuições em qualquer atividade desenvolvida pela pessoa jurídica (administrativa, jurídica, contábil, etc.). a verdade é que todas as discussões e conclusões buriladas pelos Ministros circunscreveram-se ao processo de produção de bens ou de prestação de serviços desenvolvidos pela pessoa jurídica”.

Ora, esse critério temporal não foi o estabelecido pelo precedente do STJ. Como visto, os parâmetros adotados para a verificação da possibilidade de creditamento consistem na relevância ou essencialidade que os insumos venham a ter na atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. Essas características estarão presentes independentemente do momento em que eles forem utilizados nas atividades realizadas pela empresa, mesmo que posterior à produção, fabricação ou prestação de serviços em si. O que importa é que o item seja relevante ou essencial a essas atividades.

Por exemplo, o frete das mercadorias acabadas é claramente essencial ao escoamento da produção por parte do estabelecimento que as industrializou. A ausência desses insumos inviabilizaria o próprio processo produtivo. Logo, o respectivo creditamento é mandatório.

Tanto assim, que há vários precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais nesse sentido:

“PIS/PASEP. CRÉDITO. FRETES NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS ACABADOS ENTRE ESTABELECIMENTOS. (…) Afinando-se ao conceito exposto pela Nota SEI PGFN MF 63/18 e aplicando-se o Teste de Subtração, é de se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre os fretes de produtos acabados entre estabelecimentos (…) eis que essenciais e pertinentes à atividade do contribuinte” (Acórdão 9303­007.562, 3ª Turma, Sessão de 20/11/2018).

“PIS E COFINS. CRÉDITO. FRETE NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS ACABADOS ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA EMPRESA. POSSIBILIDADE. Cabe a constituição de crédito de PIS/Pasep e da Cofins sobre os valores relativos a fretes de produtos acabados realizados entre estabelecimentos da mesma empresa, considerando sua essencialidade à atividade do sujeito passivo” (Acórdão 9303-007.250, 3ª Turma, Sessão de 11/7/2018).

E vou além! Como já disse em oportunidades anteriores, para que se atenda às finalidades que foram almejadas pelo STJ ao julgar o repetitivo (de preservação do princípio da não cumulatividade, de forma a evitar as consequências danosas decorrentes da multiplicidade de incidências sobre a mesma base), deverá ser propiciado o aproveitamento dos créditos relativos aos insumos adquiridos mesmo às empresas que sejam dedicadas exclusivamente ao comércio. A isso, sim, leva a interpretação da abrangente expressão “atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, utilizada na ementa do julgado.

Essa linha de raciocínio é corroborada por precedentes posteriores da 2ª Turma do STJ, que, embora não tenham enfrentado o tema diretamente, se referiram à essencialidade ou relevância do dispêndio em relação à “atividade fim da empresa”, que também é expressão mais ampla que “processo produtivo/prestação de serviços” (REsp 1.734.574/SP, 2ª Turma, relator ministro Herman Benjamin, DJe 28/11/2018, e AgInt no REsp 1.632.007/RS, 2ª Turma, rel. min. Francisco Falcão, DJe 12/3/2018).

Como ponderei há pouco, são bem-vindas todas as iniciativas da Fazenda de que resulte redução de litigiosidade, das distorções concorrenciais e da insegurança jurídica. Mas é necessário que se tenha cuidado, para que, dessas iniciativas, não decorra exatamente o que se pretende evitar.

MATÉRIA ORIGINAL AQUI


 é sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada, Emery – Advogados; presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); membro do Comitê Executivo da International Fiscal Association (IFA); presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro (BRITCHAM-RJ); conselheiro da OAB-RJ; diretor de Relações Internacionais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa); diretor da Federação das Câmaras de Comércio do Exterior (FCCE); e professor em cursos de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas.

Compartilhe