Regime Não-Cumulativo das contribuições PIS/COFINS – Principais aspectos controvertidos quanto ao creditamento e o posicionamento atual do CARF

Fábio Capelletti
Advogado da Área Tributária do Escritório Barretto Ferreira e Brancher – Sociedade de Advogados
(BKBG)

Introdução

            Desde a sua instituição no ordenamento jurídico, as legislações das contribuições para o Programa de Integração Social e Formação do Patrimônio do Servidor Público (“PIS/PASEP”) e para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) – em conjunto PIS/COFINS – tem sido objeto de inúmeros questionamentos de legalidade ou correta aplicação.

            Nesse sentido, o presente artigo pretende analisar os preceitos constitucionais do regime não-cumulativo das contribuições PIS/COFINS, inseridos ou não nos entendimentos extraídos dos recentes julgados exarados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”).

As contribuições PIS/COFINS na Constituição Federal de 1988 e o regime não-cumulativo

            O artigo 149 da Constituição Federal de 1988[1] (“CF/1988”) confere à União Federal a competência exclusiva para instituir contribuições sociais, dentre as quais estão inseridas as contribuições PIS/COFINS. Adicionalmente, a CF/1998 prescreve os contornos da imposição tributária das contribuições PIS/COFINS no artigo 195, inciso I, alínea “b”, §§ 7º, 8º, 9º, 11, 12 e 13[2], sendo que focaremos nossa análise no §12 do referido artigo, adiante transcrito.

“§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas”.

            Embora não seja o escopo da presente análise, vale observar que a sistemática não-cumulativa das contribuições PIS/COFINS, conforme disposta no §12 do artigo 195 da CF/1988, foi incluída pela Emenda Constitucional nº 42/2003 (“EC 42/2003”), com vigência a partir de 31 de dezembro de 2003. Todavia, o regime não-cumulativo das contribuições PIS/COFINS foi primeiramente instituído pela Medida Provisória nº 66/2002 (“PIS”), convertida na Lei nº 10.637/2002 em 31 de dezembro de 2002, e pela Medida Provisória nº 135/2003 (“COFINS”), convertida na Lei nº 10.833/2003 em 30 de dezembro de 2003. Portanto, note-se que as normas instituidoras da não-cumulatividade das contribuições PIS/COFINS são anteriores à sua previsão constitucional[3].

            Retomando a análise constitucional, extrai-se  do § 12 do artigo 195 da CF/1988 que, tratando-se de norma de eficácia limitada, o trabalho do legislador infraconstitucional deveria se restringir à definição dos setores da economia sobre os quais se aplicarão o regime não-cumulativo das contribuições PIS/COFINS. No nosso entendimento, por se tratar de uma norma de estrutura fechada, esse comando constitucional não delega ao legislador infraconstitucional competência para estabelecer parâmetros de aplicação da não-cumulatividade das contribuições PIS/COFINS.

            Concordamos com o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins, Ricardo Castagna e Rogério Gandra da Silva Martins, pois “a partir da introdução do parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição Federal promovida pela Emenda Constitucional nº 42/2003, a discricionariedade do legislador ao estabelecer a não cumulatividade do PIS e da Cofins está adstrita não apenas aos princípios constitucionais tributários, mas também à natureza destas contribuições e à própria finalidade de uma sistemática não cumulativa que possa ser aplicável a exações fiscais incidentes sobre a receita  bruta da pessoa jurídica, mesmo que dissociada da atividade-fim da fonte produtora. Qualquer disposição em contrário, que não guarde íntima relação com estas premissas – ou seja, a permissão da tomada de créditos destas contribuições baseada numa não cumulatividade ínsita à sua natureza e base de cálculo – irá transbordar os limites legislativos impostos pelo constituinte derivado, ao elevar a não cumulatividade do PIS e da Cofins à categoria de mandamento constitucional”[4].

            Nesse sentido, apesar de o legislador ordinário declarar na Exposição de Motivos da MP 135/2003[5] que o regime não-cumulativo seguiria o método indireto subtrativo, entendemos que as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 não seguem, a rigor, essa sistemática.

            Conceitualmente, o método subtrativo é pressuposto da técnica tributária da não-cumulatividade, o que, no Brasil, resulta em custo tributário que se equivale parcialmente à tributação sobre o valor agregado da operação. O método subtrativo se divide em duas modalidades:

  1. Direto, incidente sobre determinadas bases de cálculo (“base contra base”); e,
  2. Indireto, incidente sobre o valor do imposto (“imposto contra imposto”).

            Nos termos do artigo 1º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, o fato gerador das contribuições PIS/COFINS é “o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica”, sendo que sua base de cálculo é equivalente ao valor do faturamento mensal, excluídas determinadas receitas. Desse modo, conforme artigo 2º das referidas normas, sobre a base de cálculo é aplicada a correspondente alíquota, apurando-se a contribuição – débito.

            De outro lado, o artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 prescrevem as hipóteses de apuração da base de cálculo dos créditos, cujo parâmetro foi restrito a determinados custos e despesas, sobre o qual é aplicada idêntica alíquota atribuída à apuração do débito – crédito.

            Como resultado, em observação ao regime não-cumulativo, subtrai-se o valor do crédito do valor do débito, apurando-se o valor a pagar de cada contribuição.

            Embora a sistemática assim pareça coerente, inclusive sob o aspecto constitucional, entendemos que falhou o legislador ordinário na determinação dos parâmetros restritivos para a apuração do crédito das contribuições PIS/COFINS. Isto porque, segundo interpretação sistematizada do artigo 195, inciso I, alínea “b” e § 12 da CF/1988, se as contribuições PIS/COFINS devem atender às regras do regime não-cumulativo e sua hipótese de incidência é a receita ou faturamento, a apuração do crédito dessas contribuições deveria ter como parâmetro de apuração a receita ou faturamento.

            Sobre esses parâmetros, ao ressaltar que “o constituinte não especificou conteúdo, limites e extensão do princípio da não-cumulatividade, deixando de pormenorizar o modo pelo qual o objetivo prescrito há de ser alcançado”, Paulo de Barros Carvalho  também conclui que “a singela indicação da não-cumulatividade como vector a ser seguido revela a amplitude do princípio, que não comporta restrição de espécie alguma, limitando sobremaneira a ação legislativa[6].

            Portanto, não atendendo ao parâmetro constitucional, entendemos que a norma (artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003), embora válida e vigente, não observa o princípio da estrita legalidade constitucional, resultando, ademais, em afronta o princípio da capacidade contributiva.

            Diante de todo o exposto, somos da opinião de que o artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, nas suas atuais redações, não atendem integralmente ao regime da não-cumulatividade, pois, para tanto, deveriam prescrever que a base de cálculo do crédito de PIS/COFINS será apurado a partir do somatório de custos e despesas, incorridos em determinado período de apuração, que contribuírem para o contribuinte auferir receita.

Posicionamento atual do CARF

            Na proposta de analisar o posicionamento atual do CARF frente aos aspectos controvertidos do crédito das contribuições PIS/COFINS, cabe destacar que nos termos da Súmula CARF nº 2, “o CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária”, portanto, as decisões emitidas pelo CARF e aqui estudas não adentram no mérito constitucional, conforme examinamos acima. Tais decisões restringem-se à análise da amplitude semântica do termo insumo, contido no artigo 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. Vejam-se as seguintes ementas[7]:

“Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins Período de apuração: 01/07/2005 a 31/07/2005 INCIDÊNCIA NÃO-CUMULATIVA. BASE DE CÁLCULO. CRÉDITOS. INSUMOS. CONCEITO. Somente insumos utilizados na produção e fabricação de produtos geram direito de crédito da contribuição não cumulativa. DEPRECIAÇÃO. DIREITO A CRÉDITO. O creditamento relativo a depreciação de ativo atinge somente os bens adquiridos a partir de 1º de maio de 2004 e que sejam utilizados no processo industrial. RESSARCIMENTO. SELIC. VEDAÇÃO. É vedada a incidência de juros compensatórios Selic sobre ressarcimento de créditos de Cofins não cumulativa. Recurso Voluntário Negado” (Acórdão 33-002.097, Processo 11065.100222/2005-14. Terceira Seção de Julgamento do CARF – 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, seção de 21/05/2013) (nossos destaques).

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins Período de apuração: 01/01/2004 a 31/03/2004 REGIME NÃO CUMULATIVO. INSUMOS. CONCEITO. No regime não cumulativo das contribuições o conteúdo semântico de “insumo” é mais amplo do que aquele da legislação do IPI e mais restrito do que aquele da legislação do imposto de renda, abrangendo os “bens” e “serviços” que integram o custo de produção. CRÉDITOS. PRODUTOS QUÍMICOS, FRETES SOBRE COMPRAS. É legítima a tomada de crédito da contribuição não-cumulativa em relação às aquisições de produtos químicos e fretes sobre compras de insumos pagos a pessoas jurídicas. Recurso Voluntário Provido em Parte (Acórdão 3403-002.052, Processo 13851.001069/2005-02. Terceira Seção de Julgamento do CARF – 4ª Câmara / 3ª Turma Ordinária, seção de 24/04/2013) (nossos destaques).

            Verifica-se que o CARF vem interpretando o termo insumo ora com respaldo na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”), ora do Imposto sobre a Renda (“IR”).

            Isso importa em considerar que, no caso da analogia ao insumo para o IPI, poderá ser objeto de desconto de crédito de PIS/COFINS somente os custos e despesas inerentes à produção/fabricação do contribuinte em sua atividade econômica. Já no caso do IR, seriam as despesas necessárias (ou parte delas) à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora, nos termos dos artigos 290 e 299 do Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do IR – “RIR/1999”).

            Apesar de não se pronunciar sobre constitucionalidade da norma, em nosso entendimento, o CARF falha ao analisar o conteúdo semântico de insumo sob um viés comparativo entre as definições trazidas pelas legislações do IPI e do IR, na medida em que esses impostos não possuem idêntica hipótese de incidência tributária à das contribuições PIS/COFINS, ou seja, deveria ser considerado como inserido no conceito de insumo todos os custos e despesas necessários para o contribuinte auferir receita sujeita à tributação de PIS/COFINS.



[1] “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

(…)

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação

II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;

III – poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada”

[2] “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…)
b) a receita ou o faturamento;
(…)
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-deobra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
(…)
§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento”.

[3] Cumpre esclarecer que:

  • ·PIS/PASEP: conforme artigo 68, inciso II, da Lei nº 10.637/2002, o regime não-cumulativo da contribuição PIS iniciou a viger em 31 de dezembro de 2002, porém foi prescrito que seus efeitos seriam produzidos a partir de 1 de dezembro de 2002; e
  • ·COFINS: Conforme artigo 93, inciso I, da Lei nº 10.833/2003, o regime não-cumulativo da contribuição COFINS iniciou a viger em 30 de dezembro de 2003, porém foi prescrito que seus efeitos seriam produzidos a partir de 1 de fevereiro de 2004.

[4] MARTINS, Ives Gandra da Silva, CASTAGNA, Ricardo e MARTINS, Rogério Gandra da Silva. “Direito à Escrituração de Créditos do PIS e da COFINS em Relação às Despesas com Marketing e Publicidade e com Taxa de Emissão de Boletos de Administradoras de Cartões de Crédito”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 208. São Paulo: Dialética, p.87.

[5] Veja-se a redação dos itens 6 e 7 da Exposição de Motivos da MP 135/2003:

“6. A contribuição não-cumulativa que está sendo instituída tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

7. Por se ter adotado, em relação à não-cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona”.

[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p.740.

[7] Cumpre esclarecer que as duas ementas acima trazem entendimentos similares às contidas nas demais decisões emitidas pelo CARF nos últimos 6 meses (considerando 15 de junho de 2013).

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