Novas Medidas de Constrição do Patrimônio dos contribuíntes: a penhora de recebíveis de cartões de crédito nas execuções fiscais
NOVAS MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DOS CONTRIBUINTES: A PENHORA DE RECEBÍVEIS DE CARTÕES DE CRÉDITO NAS EXECUÇÕES FISCAIS
por Rafael Balanin
por William Roberto Crestani
Associados da área Tributária de Pinheiro Neto Advogados
As Fazendas Federal, Estadual e Municipal vêm pleiteando a penhora de recebíveis que os contribuintes têm com as administradoras de cartão de crédito. O que se busca com tal prática é basicamente constringir o recebimento dos valores que seriam pagos aos contribuintes pelas administradoras, tendo em vista as compras realizadas com esse meio de pagamento.
As Autoridades Fiscais sustentam que os valores a serem pagos pelas operadoras de cartão de crédito aos contribuintes equiparam-se a dinheiro. Em termos práticos, a equiparação poderia ser utilizada para colocar essa modalidade de penhora no topo da lista de bens penhoráveis que vem prevista no artigo 11 da Lei nº 6.830/1980, permitindo, assim, que fosse autorizada a substituição de outras garantias já aceitas no processo ou a recusa de outros bens oferecidos, pois eles sempre seriam menos líquidos e, portanto, estariam abaixo do dinheiro na referida lista.
Este posicionamento vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado Paraná (“TJ/PR”), conforme decisão ilustrativa abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO À PENHORA. CRÉDITO DE PRECATÓRIO REQUISITÓRIO. LEGITIMIDADE DA RECUSA MANIFESTADA PELA FAZENDA PÚBLICA. INOBSERVÂNCIA À GRADAÇÃO LEGAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 62/2009. PENHORA ELETRÔNICA SOBRE DINHEIRO. CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. LOCAL E DO STJ. PENHORA DE CRÉDITOS RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO. CONSTRIÇÃO EQUIVALENTE A PENHORA DE DINHEIRO. POSSIBILIDADE. (não destacado no original) (Agravo de Instrumento nº 717.260-1, Des. Relator Ruy Cunha Sobrinho, Primeira Câmara Cível, julgamento em 22.5.2012)
Essa decisão, apesar de aparentemente sinalizar uma tendência que pode vir a reforçar o empenho das Autoridades Fiscais na utilização desse tipo de expediente, merece algumas críticas e ponderações, não podendo prevalecer, conforme será exposto a seguir.
Primeiramente, entendemos que não é possível equiparar os recebíveis de cartão de crédito com penhora de dinheiro, o qual não encontra outra forma de materialização senão pelo bloqueio da própria moeda[1]. Mesmo os depósitos e aplicações financeiras foram equiparadas a dinheiro somente após a edição Lei nº 11.382/06.
Em razão disso, a nosso ver, não há dúvida que a penhora de recebíveis de cartão de crédito equipara-se à penhora sobre o faturamento e, como tal, situar-se à em posição inferior na preferência do artigo 11, § 1º da Lei 6.830/80, admitindo-a apenas em situações excepcionais. Neste sentido, existem precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ/SP”) e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (“TJ/MG”)[2]:
“PENHORA – Execução de título extrajudicial – Indeferimento do pedido de penhora sobre os recebíveis junto às operadoras de cartão de crédito – Admissibilidade – Medida similar a penhora de renda – Percentual limitado a 50% dos recebíveis – Recurso provido” (Agravo de Instrumento nº 0017773-44.2012.8.26.0000, Rel. Des. Candido Alem, 16º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgamento em 31.7.2012)
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – VENDAS POR CARTÃO DE CRÉDITO – FATURAMENTO – EXCEPCIONALIDADE – PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE.
A penhora de valores oriundos da venda de produtos, por via de cartão de crédito ou de débito, equivale à penhora sobre o faturamento da sociedade empresária, medida excepcional injustificada se não esgotadas as buscas por outros da ordem de gradação do art. 11, da LEF e art. 655, do CPC. (não destacado no original) (Agravo de Instrumento nº 1.0024.11.701425-8/001, Rel. Desembargador Oliveira Firmo, 7ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgamento em 7.8.2012)
Por oportuno, cumpre salientar que outros tribunais também já proferiram decisões no sentido de que a penhora dos referidos valores equipara-se à penhora sobre o faturamento[3], não sendo o objetivo deste artigo abordar o posicionamento de cada tribunal sobre o tema.
Portanto, superada a questão se a penhora de recebíveis de cartão de crédito equipara-se a dinheiro ou faturamento, sendo a última alternativa a que nos alinhamos, cumpre destacar que se trata de medida excepcional.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no Recurso Especial nº 829.138/RJ, expôs que “(…) a constrição sobre o faturamento, além de não proporcionar, objetivamente, a especificação do produto da penhora, pode ensejar deletérias conseqüências no âmbito financeiro da empresa, conduzindo-a, compulsoriamente, ao estado de insolvência, em prejuízo não só de seus sócios, como também, e precipuamente, dos trabalhadores e de suas famílias, que dela dependem para sobreviver (…)”.
Assim, tendo em vista que a penhora sobre o faturamento trata-se de medida excepcional – questão incontroversa na doutrina e jurisprudência – ela somente poderá ser efetivada se forem obedecidas três condições: (i) inexistência de bens penhoráveis, ou seja, depois de esgotadas as buscas pelos bens arrolados nos incisos do artigo 11 da Lei nº 6.830/80; (ii) nomeação de depositário, na forma do artigo 655-A, § 3º, do CPC; e, (iii) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa.
E é justamente por se tratar de medida excepcional que a penhora de recebíveis de cartões deve ser utilizada com cautela pelos juízes/tribunais, de modo a equilibrar o direito de crédito das Fazendas Nacional, Estadual e Municipal com a coerência exigida pelo sistema tributário nacional, devendo ser dada ao contribuinte a possibilidade de oferecer outros bens líquidos que lhe sejam menos onerosos, em atendimento ao que estabelece o artigo 620 do CPC.
A falta de cautela na utilização desse instrumento pode gerar efeitos nocivos aos contribuintes e, inclusive, afetar indiretamente os próprios interesses das Autoridades Fiscais, uma vez que a sua utilização sem critérios abala o bom andamento dos negócios das empresas, que vêem seu capital de giro ser restringido e podem enfrentar falta de recursos para honrar suas obrigações com os fornecedores, sobretudo diante da relevância que os cartões de crédito e débito têm como forma de pagamento na atualidade.
Portanto, os contribuintes devem estar atentos à possibilidade dos seus recebíveis de cartão de crédito serem penhorados e, por outro lado, devem ter conhecimento que essa medida deve ser levada a efeito apenas em caráter excepcional, não devendo prevalecer, assim, a pretensão das Fazendas Nacional, Estadual e Municipal de equiparar a penhora dos referidos valores à penhora de dinheiro.
[1] Esta linha já foi adotada anteriormente no julgamento do Agravo de Instrumento nº 1.0024.11.701425-8/001, Rel. Desembargador Oliveira Firmo, 7ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgamento em 7.8.2012.
[2] No mesmo sentido a decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 1.0024.06.942248-3/0001, Rel. Desembargador Geraldo Augusto, 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgamento em 31.8.2012
[3]TRF – 3º região, Agravo de Instrumento nº 0080343-85.2005.4.03.0000/SP, Rel. Des. Nelton dos Santos, Segunda Turma, julgado em 21.5.2012 e Agravo de Instrumento nº 2004.03.00.034298-4, Rel. Des. Salette Nascimento, Quarta Turma, julgado em 06.4.2005