Não Incidência do ISSQN nas Exportações de Serviços – problema semântico da norma de exceção
por Rafael de Oliveira Macedo
pós graduando em Direito Tributário e em Direito Público
advogado associado ao escritório Marcus Moreira Advogados Associados
Tancredo Gabriel de Aguiar Moreira
advogado
sócio do escritório Aguiar, Rodrigues & Varanda Advogados Associados
associado ao IMDT – Instituto Mineiro de Direito Tributário
O ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza -, previsto pelo artigo 156, III, da CF/88 e disciplinado pela Lei Complementar nº 116/2003, trata-se de um tributo de competência Municipal, incidente sobre a prestação de serviços onerosa, compreendendo, nesse particular, os misteres decorrentes de ação humana autônoma/efetiva.
Para sermos mais didáticos, sobretudo para aqueles que não estão habituados com a matéria, tragamos à baila o conceito de serviço, segundo o ensinamento do ilustre jurista doutor e professor Leandro Paulsen:
Pode-se dizer que se trata de um fazer em favor de terceiros, específico, como objeto mesmo de um negócio jurídico, ou seja, um fazer como fim colimado, e não como simples meio para outra prestação. Ademais, deve ser prestado a título oneroso, mediante contraprestação. (PAULSEN, 2014)
Partindo dessa linha de raciocínio, em linhas gerais, temos que os serviços definidos pela Lei Complementar n° 116/2003 serão tributados por meio do ISSQN, pelo município que se encontre imediatamente competente para realizar a cobrança, de acordo com os critérios pertinentes, os quais não são objeto deste estudo.
A própria Lei Complementar n° 116/2003 ao criar a Lista de Serviços sobre os quais será cobrado o imposto em estudo, também estabeleceu regras isentivas do ISSQN, especialmente em seu artigo 2° e incisos, mas como é comum ao legislador foi criada uma exceção à regra de não incidência, a qual está inserida no parágrafo único da mencionada norma legal, ora transcrita: “Art. 2o O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País; Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
Referido tributo, desde muito, enseja diversas discussões no campo da Doutrina e da Jurisprudência, sendo certo que a já citada Lei Complementar nº 116/2003 encerrou inúmeras divergências, todavia, atualmente, persiste sadia e frondosa controvérsia no que pertine ao parágrafo único, do inciso primeiro, do artigo segundo da multicitada Lei.
Esta norma de isenção tributária apresenta problemas semânticos, isto é, embora ela tenha tentado deixar para o operador do direito um critério objetivo acerca da hipótese de incidência nela referida, a exceção à regra de isenção na exportação de serviços, seu texto comporta interpretação duvidosa, especialmente, quanto ao termo “resultado”.
Isto porque se considerarmos o resultado como sendo o local da conclusão do serviço, ainda que seja dele beneficiado uma empresa estrangeira mediante exportação de seus efeitos práticos, a simples conclusão da prestação no território nacional dá ensejo à cobrança do ISSQN. Por outro lado, se considerarmos resultado como proveito econômico efetivo, mesmo que o serviço tenha sido concluído dentro do Brasil, poderemos vislumbrar a não incidência do ISSQN, já que os efeitos práticos do fazer serão produzidos no exterior.
Em síntese, o dispositivo legal objeto de amplo debate preleciona que não incidirá ISSQN sobre as exportações de serviços para o exterior do País, excetuados “os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior“.
Tal redação, como dito, enseja ampla e saudável discussão, mormente se considerada a hipótese em que determinada pessoa (física ou jurídica) presta serviço, no Brasil, a ente ou pessoa (também física ou jurídica) estrangeira. Aliás, em caso da mesma ordem da hipótese supra, o Colendo STJ, ao analisar o Recurso Especial nº 831.124/RJ, decidiu que “serviço executado dentro do território nacional” não goza do benefício/direito previsto no inciso primeiro, do artigo 2º da Lei Complementar nº 116/2001, nos seguintes termos:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇO DE RETÍFICA, REPARO E REVISÃO DE MOTORES E DE TURBINAS DE AERONAVES CONTRATADO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ.
[…]4. Nos termos do art. 2º, inciso I, parágrafo único, da LC 116/03, o ISSQN não incide sobre as exportações de serviços, sendo tributáveis aqueles desenvolvidos dentro do território nacional cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior. In casu, a recorrente é contratada por empresas do exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia, desenvolve e conclui a prestação do serviço dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à sua instalação nas aeronaves.
5. A Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja exportação de serviços desenvolvidos no Brasil que o resultado da atividade contratada não se verifique dentro do nosso País, sendo de suma importância, por conseguinte, a compreensão do termo “resultado” como disposto no parágrafo único do art. 2º.
6. Na acepção semântica, “resultado” é conseqüência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter conseqüências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro País. É necessário, pois, ter-se em mente que os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação.
7. O trabalho desenvolvido pela recorrente não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, o resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no nosso território. É inquestionável a incidência do ISS no presente caso, tendo incidência o disposto no parágrafo único, do art. 2º, da LC 116/03: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido.
E, nesse particular, como bem salientado em parte do acórdão então relatado pelo distinto Ex-Ministro e Professor José Delgado, a escorreita compreensão do termo resultado é de suma importância, sendo que, a nosso ver, o mesmo é o grande causador da controvérsia objeto de discussão, posto que, da forma em que se encontra disposta, referida terminologia possibilita análise subjetiva do leitor do texto legal.
Com a devida venia, soa-nos equivocada a interpretação dada pelo Colendo STJ no julgamento do Recurso supracitado, vez que, ao contrário do que restou entendido e decidido, o legislador, ao prever a desoneração de ISSQN na exportação de serviços, visou o fomento da economia, a atração de divisas, tal como ocorre por exemplo com o IPI, ICMS e com as CIDE’s, de modo que a tributação dos serviços exportados não deve, não obstante a função fiscal do tributo objeto de análise, ter caráter meramente fiscal.
Aliás, o fomento à exportação de serviços, mesmo que com desoneração tributária, possibilitará maior arrecadação (indireta) do Estado, tendo em vista que o capital atraído se converterá, naturalmente, em renda e consumo, ambos tributáveis.
Não bastasse, divergimo-nos, ainda, da interpretação terminológica adotada no julgamento do Recurso Especial nº 831.124/RJ, posto que, permissa venia, a consequência, o efeito, o resultado, do serviço exportado, ainda que concluído no Brasil, certamente se dará no estrangeiro.
No julgado REsp nº 831.124/RJ, por exemplo, o resultado do serviço prestado pela empresa brasileira, ainda que concluído no Brasil, ocorreu no destinatário, ou seja, local de origem da empresa contratante. Ora, o serviço realizado pela empresa brasileira converteu-se em benefício, melhoria para empresa contratante que, por sua vez, auferiu lucro decorrente do ofício contratado. Portanto, o resultado (in casu mediato, econômico) se deu no exterior e, nessa ótica, aplicável, portanto, a inteligência do inciso primeiro, do artigo segundo, da Lei Complementar nº 116/2001.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao nosso sentir, apresenta problemas de ordem prática, sobretudo considerando a contradição argumentativa em que se aceita a ideia de que resultado corresponde aos efeitos práticos do serviço, mas adota-se na conclusão o critério segundo o qual o que importa é o local em que o serviço foi concluído. O STJ não definiu efetivamente seu posicionamento e, por via de consequência, causou um pouco mais de indefinição sobre a correta interpretação da norma em cheque.
Nesse contexto, parece-nos mais correta a conclusão do hoje Ministro do STF Teori Albino Zavascki, que em seu voto vencido no multicitado julgado assim definiu:
Exportação de serviço é serviço prestado no Brasil para alguém que o contrata de fora, pagando-o aqui ou lá. A lei diz que esses serviços são isentos, a não ser quando o resultado se opera aqui. Se o resultado se opera fora, há isenção. Essa é a questão. Como diz o eminente Ministro Relator, a questão toda é saber o que é o resultado. Penso que não se pode confundir resultado da prestação de serviço com conclusão do serviço. Não há dúvida nenhuma que o serviço é iniciado e concluído aqui. Não há dúvida nenhuma que o teste na turbina faz parte do serviço. O fato de ser testado aqui foi o fundamento adotado pelo juiz de Primeiro Grau e pelo Tribunal para dizer que o teste é o resultado. Mas essa conclusão não é correta: o teste faz parte do serviço e o serviço é concluído depois do teste. Depois disso, a turbina é enviada ao tomador do serviço, que a instala no avião, quando então, se verificará o resultado do serviço. O resultado, para mim, não pode se confundir com conclusão do serviço. Portanto, o serviço é concluído no País, mas o resultado é verificado no exterior, após a turbina ser instalada no avião.
Comungamo-nos do entendimento esposado pelo Ministro em seu voto vencido, uma vez que não se deve confundir resultado com conclusão. Assim, é crível que serviço concluído no Brasil produza resultado, efeito no estrangeiro, de modo a merecer o direito à desoneração de ISSQN consagrada no do inciso primeiro, do artigo segundo, da Lei Complementar nº 116/2001.
Ademais, segundo o tributarista mineiro Luiz Henrique Nery Massara, diretor e fundador do IMDT – Instituto Mineiro de Direito Tributário:
Precisamente há o entendimento das autoridades fiscais municipais de que o termo resultado corresponderia ao próprio desenvolvimento do serviço, que seria verificado no local de sua conclusão. O argumento fazendário baseia-se, portanto, no dito critério da conclusão do serviço.
Pelo referido critério, para que um determinado serviço esteja isento do ISSQN, deve ser efetivamente prestado no exterior, iniciado no país, mas complementado no estrangeiro ou, ainda, na hipótese em que o serviço seja solicitado à empresa brasileira, que se deslocaria para o exterior para lá prestá-lo.
Já os contribuintes defendem que o resultado da prestação de serviço não corresponde ao seu desenvolvimento, mas sim à sua utilidade propiciada ao tomador. Logo, seria isento o serviço que, mesmo que integralmente desenvolvido no país, tivesse seu proveito, vantagem ou utilidade fruída pelo contratante no exterior. Adotam, pois, o chamado critério da utilidade do serviço.
Nosso entendimento converge com a ideia de utilidade do serviço para exigibilidade do tributo em exame, porque se considerarmos o outro critério, extremamente favorável ao fisco por sinal, teríamos por isenta de ISS apenas a contribuinte que realizasse (prestasse) o serviço inteiramente no exterior, o que já estaria resolvido pelo critério tributário da territorialidade. Logo, o critério que promove verdadeira justiça fiscal é o da utilidade do serviço.
Entretanto, como a questão objeto de análise ainda é bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência, sugerimos a criação de critério objetivo para análise integral do artigo segundo da Lei Complementar nº 116/2001, de modo a sanar toda e qualquer discussão decorrente da tributação de exportação de serviços.
Para tanto, recomendamos que, por força de alteração legislativa, ocorra a supressão do parágrafo único do referido artigo, ou então melhor esclarecimento do mesmo caso mantido.
E, no caso de manutenção do parágrafo ensejador da controvérsia, orientamos que o termo resultado seja procedido da expressão “direto ou indireto”, ou então, que seja criado mais um parágrafo, a exemplo do que faz o CDC em seus artigos 2º e 3º ao definir consumidor e fornecedor, determinando resultado como “proveito econômico gerado ao contratante a partir do serviço contrato”, permanecendo incólume o restante do parágrafo único.
Logo, se o serviço e o proveito econômico em prol do Contratante do serviço se deu no Brasil, tributa, em caso negativo, desonera. Isto é, mesmo que o serviço seja integralmente prestado e concluído no Brasil, mas tenha seus efeitos de utilidade implantados no exterior, deve ser aplicada a regra de isenção do tributo.
Repita-se, por oportuno, que a desoneração idealizada pelo legislador tem a finalidade precípua de fomentar (e não inibir) as exportações, de modo a atrair o capital internacional e movimentar a economia e desenvolvimento do País. E, como dito alhures, o aumento das exportações, ainda que desoneradas de tributação, por certo aumentará a arrecadação do Estado, na medida em que haverá mais renda e consumo tributáveis na economia.
Por fim, não podemos deixar de abordar, em rápidas linhas, sobre a ofensa reflexa causada pelo legislador infraconstitucional à Constituição Federal no que se refere ao princípio da legalidade tributária, do qual decorre a tipicidade cerrada. Isto por uma razão muito simples. A norma precisa esgotar as hipóteses de incidência e de não incidência de um determinado tributo. Deixar isto a cargo do operador e do aplicador do Direito nada mais é do que burlar a atividade legiferante do Poder Legislativo e isto em nada se aproxima da Democracia e da essencialidade de Justiça Fiscal.
Referências
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário: completo. 6ª. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 831.124/RJ, Primeira Turma, relator ministro José Delgado, data do julgamento: 15/08/2006; DJ: 25/09/2006.
MASSARA, Luiz Henrique Nery. O ISSQN na Exportação de Serviços. Artigo em Estudos Sobre a Jurisprudência do TJMG em Matéria Tributária. CARDOSO, Alessandro Mendes; CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de [Coord.] – Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2014.