ICMS X ISS na Industrialização por encomenda

por Bruna Chuster
Consultora Tributária na TIM Celular S.A

 

Introdução

Embora seja um assunto comumente trazido à tona, a industrialização por encomenda ainda desperta algumas dúvidas nos contribuintes quanto a sua correta tributação, principalmente em relação à incidência do ICMS e do ISS, visto tratar-se de uma operação na qual a circulação da mercadoria se confunde com a própria prestação do serviço.

Antes de adentrarmos mais profundamente no tema proposto, faz-se necessária uma breve definição acerca da industrialização, de forma que se possa, mais adiante, compreender melhor as peculiaridades inerentes ao formato por encomenda e, igualmente, identificar a hipótese de incidência de cada imposto.

Definição de industrialização

O Decreto n° 7.212 de 15 de junho de 2010, que regulamenta o IPI, conceitua industrialização como qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, das quais, de forma taxativa, elenca: transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento, renovação ou recondicionamento.

A industrialização por encomenda

A figura da industrialização por encomenda está presente na rotina de muitas empresas, seja por falta de espaço no estabelecimento fabril, seja por incapacidade técnica na fabricação do produto desejado ou, até mesmo, por não se tratar de uma empresa com atividade industrial, mas que simplesmente, em algum momento, se depara com a necessidade de encomendar a confecção de determinado bem.

Nesse sentido, o Convênio sem número, publicado em 1970, acompanhado pelos demais Regulamentos de ICMS, prevêem a possibilidade de saída de mercadorias para realização de serviços fora do estabelecimento, incluindo-se nesses casos a remessa de produtos para serem industrializados em terceiros.

Diante desse cenário há, ainda, a possibilidade de remessa dos insumos necessários à fabricação do produto desejado ao industrializador, até mesmo sem que tenham circulado pelo estabelecimento do encomendante, sendo entregues diretamente pelo fornecedor ao autor da encomenda, no contexto da entrega à ordem.

Para determinação da tributação incidente na operação de industrialização por encomenda, é necessária a identificação de algumas situações, quais sejam: se o produto final será destinado ao uso/consumo do próprio encomendante, ou incluso em seu ciclo produtivo ou de comercialização; Se o fabricante contribuirá com a mercadoria e o serviço, ou somente com o serviço; Ou mesmo se o serviço será realizado dentro ou fora do estabelecimento do encomendante.

 A tributação do serviço de industrialização por encomenda

Sem mais delongas, a fim de facilitar a identificação das hipóteses de incidência do ICMS e do ISS no serviço de industrialização por encomenda, partiremos da premissa de que, “em regra”, sobre o serviço de industrialização por encomenda incidirá o Imposto sobre serviços. Afinal, em regra, este é o imposto que recai sobre a mão de obra contratada.

Vale ressaltar que, para que haja a incidência do ISS, é necessário que a atividade desempenhada pelo prestador de serviços esteja prevista na lista da Lei Complementar nº 116. Estando a prestação elencada no referido rol, caracterizado estará o fato gerador do imposto.

Neste sentido, o § 2º da Lei do ISS estabelece que, ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao ICMS. Portanto, quando houver fato gerador do ISS, não haverá fato gerador do ICMS.

Oportuno mencionar, que os serviços de industrialização – considerando o conceito trazido pela legislação do IPI -, estão previstos na lista anexa da Lei Complementar. In verbis:

 14 – Serviços relativos a bens de terceiros.
(…)
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.
14.06 – Instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário final, exclusivamente com material por ele fornecido.

Logo, em regra, todas as operações acima estariam sujeitas ao ISS.

Passemos a analisar os regulamentos do ICMS, que igualmente tratam da remessa para a industrialização.

O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, dispõe sobre a tributação incidente na industrialização por encomenda da seguinte forma:

Art. 3º O fato gerador do imposto ocorre:
(…)
II – na saída de estabelecimento industrializador, em retorno ao do encomendante, ou para outro por ordem deste, de mercadoria submetida a processo de industrialização que não implique prestação de serviço compreendido na competência tributária municipal, ainda que a industrialização não envolva aplicação ou fornecimento de qualquer insumo;

 É possível observar que o dispositivo acima também menciona, em outras palavras, uma regra básica do Direito Tributário já citada neste texto: quando a operação configurar fato gerador do ISS, não haverá fato gerador do ICMS.

Ora, se a Lei Complementar nº 116/2003 dispõe que o serviço de industrialização está sujeito ao ISS, a qual prestação de serviço de industrialização não compreendido na competência tributária municipal o RICMS/RJ estaria se referindo?

Em um primeiro momento a resposta mais imediata seria a modalidade “transformação”, visto ser esta a única não compreendida na Lei do ISS.

Entretanto, a expressão “bem de terceiro” presente no caput do item 14 da LC/116 gerou inúmeras discussões no âmbito jurídico.

Tal discussão decorre do fato de que o conceito de bem no Direito Civil modifica-se quando inserido na seara tributária. Assim leciona Eduardo Jardim:

 “No âmbito do direito tributário a palavra [bem] significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio(in Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva. 1995 .pág. 13).”

Baseado no conceito acima, no qual o bem é algo excluído das atividades de comércio e, considerando que o ICMS é um imposto incidente sobre mercadorias, indispensável se faz esclarecer a natureza da mercadoria sob a ótica tributária.

Ainda segundo o autor, mercadoria significa “produto corpóreo destinado ao comércio”. Logo, verifica-se que para que a coisa seja caracterizada como mercadoria, é indispensável que esta esteja presente em uma operação cujo objetivo seja a realização de uma atividade de mercancia.

Restou à jurisprudência, portanto, clarificar o entendimento acima disposto. Nestes termos, o Supremo Tribunal Federal:

 EMENTA : CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). (…) o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS. (ADI 4389 / DF, Rel. Joaquim Barbosa, julgado em 13/04/2011, publicado no DJ do dia 25/05/2011). (Grifo nosso)

Verifica-se na disposição acima, que o Egrégio Tribunal restringiu a incidência do ISS sobre a industrialização por encomenda, cujo produto resultante não seja destinado à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria”.

Infere-se, portanto, a contrário senso, que quando o produto resultante de uma industrialização por encomenda for destinado ao uso/consumo pelo encomendante, caracterizado estará o fato gerador do ISS, visto ser esta a única hipótese de não circulação posterior, seja como insumo de processo produtivo, seja como material de revenda.

Indutivamente, de acordo com a já mencionada regra do Direito Tributário, quando a mercadoria for designada como insumo ou material de revenda pelo destinatário, haverá a incidência do ICMS.

Corroborando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Órgão Consultivo da Secretaria de Fazenda do estado do Mato Grosso, em resposta a contribuinte questionando se sua atividade de produção e beneficiamento de sementes de soja (própria e de terceiros) estaria sujeita ao ICMS ou ISS:

 “O beneficiamento, para fins de ISS, se caracteriza por uma atividade exercida sobre um bem pertencente ao usuário final com remessa efetuada por ele. Nesse caso, a prestação de serviço não está na cadeia de produção e o bem enviado não terá uma saída subsequente do estabelecimento do encomendante.
Dessa forma, sempre que o processo de beneficiamento do produto estiver inserido em uma etapa da cadeia de circulação da mercadoria, vale dizer, quando o produto resultante do beneficiamento for objeto de industrialização ou comercialização posterior, constitui hipótese de incidência do ICMS.
Assim, o beneficiamento, quando prestado para contribuinte do ICMS (autor da encomenda), que irá comercializar ou industrializar a mercadoria beneficiada, não se insere no campo de incidência do ISS, porque ainda não se completou o ciclo de circulação da mercadoria. Nessa hipótese, o estabelecimento não presta um serviço constante da Lista para usuário final, e sim realiza industrialização por conta de terceiro…”

Local da prestação de serviço

Outro fator a ser considerado para fins de tributação da prestação de serviço em comento é o local onde será realizado.

Dentro da lógica jurídica existente na industrialização por encomenda, deve a operação ser necessariamente realizada em estabelecimento de terceiro, ou seja, fora das dependências do autor da encomenda.

Isto porque, caso seja efetuada dentro do pátio do encomendante, o prestador de serviço estará efetuando uma mera obrigação de fazer, visto que não haverá, conforme determina a Legislação do ICMS, uma remessa/circulação de insumos (fato gerador do imposto estadual) a serem industrializados. Nesse caso, estaremos diante da hipótese de incidência do ISS.

Como exemplo, podemos citar o contrato de empreitada, previsto no artigo 610 e seguintes do Código Civil. Nesta modalidade, o empreiteiro de uma obra pode contribuir apenas com o seu trabalho ou com ele e os materiais.

Supondo que uma fábrica de lubrificantes compre chapas de aço para serem lixadas, cortadas e montadas na forma de um tanque.

Nessa esteira, vislumbremos duas possíveis operações: um fábrica de óleo lubrificante adquire e envia fisicamente ou simbolicamente os insumos para o industrializador realizar todos os processos necessários para a montagem do tanque que, após a conclusão dos trabalhos, remete o produto acabado para o autor da encomenda. Nesse caso, se o tanque funcionar como meio para produção de lubrificantes, inequívoco será o fato gerador do ICMS. Entretanto, caso seja utilizado para colher e encaminhar água da chuva à caixa d’água do prédio administrativo, restará configurada a incidência do ISS.

Ainda nesse cenário de montagem do tanque, a mesma fábrica contrata a mesma empresa para realizar as mesmas intervenções nas chapas: lixar, cortar e montar. Porém, neste caso, as intervenções serão feitas dentro do estabelecimento da contratante. Ainda que o tanque venha a ser integrado ao processo produtivo dos óleos, o imposto incidente na mão de obra despendida pelo contratado será o ISS, visto a ausência de circulação dos insumos para o terceiro, fato gerador do ICMS.

Base de Cálculo

Grande parte das legislações de ICMS das unidades da federação concede o benefício da suspensão do imposto estadual na remessa dos insumos para industrialização. Isto porque, pressupõe-se o retorno (real ou simbólico) do produto acabado para o autor da encomenda.

Por esta razão, mesmo que a operação fosse debitada pelo ICMS na saída do estabelecimento, o retorno do produto acabado garantiria o crédito do imposto no momento da entrada, anulando o efeito tributário da operação.

Oportuno ressaltar, que a benesse da suspensão ocorre apenas sobre a parcela de valor referente aos insumos remetidos e devolvidos. Pois ao retornar da industrialização, toda a parte agregada ao produto final, incluindo a mão de obra empregada no processo, será tributada pelo ICMS.

Conclusão

Diante do exposto, verificamos que a definição da tributação incidente na industrialização por encomenda depende do contexto ao qual a operação se encontra. Isto é, caso o encomendante remeta os insumos para terceiro, cujo produto acabado faça parte da atividade de mercancia do autor, haverá o ICMS. De outra forma, haverá ISS quando produto resultante for destinado ao uso e/ou consumo do autor da encomenda.

 Referências Bibliográficas

PERES, Adriana Manni, MARIANO, Paulo Antonio. ICMS e IPI no dia a dia das empresas, in: IOB, 8ª ed., São Paulo, 2013, p. 245.

BORGES, Cassiano José, DOS REIS, Maria Lucia Americo. Manual de operações e prestações com impostos indiretos IPI ICMS ISS, in: ADCOAS/Esplanada, 2ª ed., São Paulo, 2004, p. 213.

JARDIM, Eduardo M. Ferreira. Dicionário jurídico tributário, in: Saraiva, São Paulo, 1995, p. 13.

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