Ajuste SINIEF nº 19/12: Importação – ICMS – Obrigatoriedade de informação do valor da importação na Nota Fiscal de venda do produto importado e seus efeitos nas relações comerciais. Problemas legais?

por Ricardo Barreto Ferreira
Sócio da Área Tributária do Escritório Barretto Ferreira, Kujawski e Brancher – Sociedade de Advogados (BKBG)

por Fábio Capelletti
Advogado Sênior da Área Tributária do Escritório Barretto Ferreira, Kujawski e Brancher – Sociedade de Advogados (BKBG)

 

Ficou conhecido como “Guerra dos Portos” o embate econômico-tributário protecionista entre Estados que, em função da desoneração do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (“ICMS”) incidente nas operações de importação, culminou na edição da Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012 (“Resolução SF nº 13/2012”).

Com o intuito de anular ou mitigar supostos efeitos negativos para a indústria nacional, decorrentes de benefícios fiscais de ICMS na importação de mercadorias, a Resolução SF nº 13/2012 reduziu e unificou a alíquota interestadual do ICMS a ser utilizada nas operações interestaduais com produtos importados, ou seja, a alíquota do ICMS foi reduzida para 4% nas operações interestaduais efetuadas com (i) produtos importados ou (ii) produtos industrializados no Brasil que contenham “conteúdo de importação” superior a 40%.

Vale observar que algumas exceções foram criadas para a aplicação dessa alíquota de 4%. Portanto, não serão aplicadas as disposições da Resolução SF nº 13/2012:

  1. Aos bens e mercadorias importados do exterior que sejam submetidos, após seu desembaraço, a processo de industrialização que resultarem em mercadorias com Conteúdo de Importação inferior a 40%;
  2. Aos bens e mercadorias importados do exterior que não tenham similar nacional, conforme definidos na Resolução nº 79, de 1 de novembro de 2012, da Câmara de Comércio Exterior (“Resolução CAMEX nº 79/2012”);
  3. Aos bens produzidos em conformidade com os processos produtivos básicos de que tratam o Decreto-Lei nº 288/1967 e Lei nº 8.387/1991 (que dispõem sobre a Zona Franca de Manaus), Lei nº 8.248/1991 e Lei nº 10.176/2001 (que dispõem sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação), e Lei nº 11.484/2007 (que dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital – PATVD);
  4. Às operações com gás natural importado do exterior.

Adicionalmente, com base no Convênio ICMS nº 123, de 7 de novembro de 2012 (“Convênio ICMS nº 123/2012”), nenhum benefício fiscal poderá ser aplicado à operação interestadual com bem ou mercadoria importados do exterior, ou com conteúdo de importação, sujeitos à alíquota de 4%, salvo se:

  1.  A mercadoria possuir benefício fiscal que resulte em carga tributária interestadual inferior a 4%; ou,
  2. Quando se tratar de isenção.

No que tange à aplicação da alíquota de 4% de ICMS aos produtos industrializados no Brasil que contenham “conteúdo de importação” superior a 40%, a Resolução SF nº 13/2012 definiu que Conteúdo de Importação “é o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem”.

Desse modo, com o intuito de estabelecer os procedimentos, que devem ser observados pelos contribuintes, na aplicação da tributação pelo ICMS prevista na Resolução SF nº 13/2012, foi editado o Ajuste SINIEF nº 19, de 7 de novembro de 2012 (“Ajuste SINIEF nº 19/2012”).

Preliminarmente aos nossos comentários sobre as disposições do Ajuste SINIEF nº 19/2012, teceremos esclarecimentos sumários sobre sua fonte normativa e propósito.

O Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”), com fundamento na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 (“LC 24/1975), tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais.

Nesse molde, por meio do Convênio ICMS nº 133/1997 (“Regimento CONFAZ”), foi atribuída ao CONFAZ, entre outras competências, a incumbência de “promover a gestão do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais – SINIEF, para a coleta, elaboração e distribuição de dados básicos essenciais à formulação de políticas econômico-fiscais e ao aperfeiçoamento permanente das administrações tributárias”, conforme dispõe seu artigo 3º, inciso IV.

Portanto, Ajuste SINIEF nada mais é do que uma norma emitida pelo CONFAZ, cujo atributo é promover a gestão e aperfeiçoamento do sistema de tributação do ICMS.

Com esse propósito, então, editou-se o Ajuste SINIEF nº 19/2012 para operacionalizar a aplicação da alíquota de 4% de ICMS nas operações interestaduais efetuadas com produtos importados ou produtos industrializados no Brasil que contenham “conteúdo de importação” superior a 40%.

Nesse sentido, destaca-se o disposto na Cláusula Sétima do referido Ajuste SINIEF que determina a obrigatoriedade de constar o valor da parcela importada do exterior ou o valor da importação na Nota Fiscal Eletrônica (“NF-e”), no campo “Informações Adicionais”.

Vale observar que a legislação não restringe essa obrigatoriedade às operações interestaduais, ou seja, todos os contribuintes que comercializam ou industrializam mercadorias importadas deverão indicar na NF-e o valor da parcela importada do exterior ou o valor da importação quando da saída da mercadoria ou bem, ainda que se trate de operação interna.

Essa exigência decorre da necessidade de utilização do valor de importação para que seja aferido o Conteúdo de Importação, nos termos da nova sistemática trazida pela Resolução SF nº 13/2012. Em outras palavras, é a partir do valor da importação que cada adquirente da mercadoria na cadeia de circulação (desde o importador até o varejista) terá condições de apurar o percentual de Conteúdo de Importação. Desse modo, não se trata de informação desvinculada da cadeia de incidência do imposto, mas de informação que efetivamente determina o montante do ICMS devido pelo adquirente da mercadoria, por ocasião de subsequente saída interestadual, para aplicação ou não da alíquota de 4% de ICMS.

Apesar de ser compreensível a necessidade dessas informações para operacionalizar a sistemática de tributação criada pela Resolução SF nº 13/2012, entendemos que se trata de imposição prejudicial à empresa, em termos comerciais, tendo em vista que o cliente terá acesso a informações econômicas e fiscais da empresa, que constituem dados estratégicos. A esse respeito, veja-se que o § 2º da Cláusula Quarta do Ajuste SINIEF nº 19/2012 deixa claro que o “valor da importação” a ser utilizado pelo adquirente em seus cálculos é justamente aquele “que corresponde ao valor da base de cálculo do ICMS incidente na operação de importação”.

Assim, segundo nosso entendimento, tal exigência contraria frontalmente a proteção ao sigilo fiscal, prescrito no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, bem como fere algumas normas constitucionais, tais como os princípios da livre concorrência, iniciativa privada e liberdade na atividade econômica (arts. 145, § 1º, 170, inciso IV e 173, § 4º, da CF/88 e art. 198 do Código Tributário Nacional).

A partir da informação sobre o “valor da importação” (que corresponde ao valor da base de cálculo do ICMS incidente na operação de importação), indicado no documento fiscal pelo importador, revendedor ou industrializador de mercadorias importadas (“importadora/fornecedor”), o adquirente (“cliente”) terá acesso a informações econômicas e fiscais que, em última instância, permitirá por simples cálculos matemáticos identificar a margem de lucro do importador/fornecedor da mercadoria e será provavelmente, utilizado para negociar o preço praticado pelos importadores/fornecedores.

Como resultado, prevemos que tais informações afetarão diretamente a relação negocial-comercial entre importador/fornecedor e seus clientes, em decorrência do acesso a informação sobre o custo da mercadoria importada, que até então se encontrava protegida pelo sigilo fiscal garantido ao importador/fornecedor.

Em razão da evidente violação à proteção de sigilo fiscal, bem como dos princípios da livre concorrência, iniciativa privada e liberdade na atividade econômica, acreditamos ser cabível discutir a aplicação das disposições da Cláusula Sétima do Ajuste SINIEF nº 19/2012 por meio de medida judicial, com pedido de tutela de emergência.  Por meio da referida medida, seria pleiteado que a informação a respeito do valor de importação fosse transmitida apenas ao Fisco competente, mas não ao adquirente do bem.

Em contrapartida, não podemos deixar de recomendar que sejam ponderados os possíveis transtornos que eventual concessão de tutela poderia vir a causar aos clientes/adquirentes das mercadorias, inclusive sob o ponto de vista da ruptura do sistema de tributação criado pela Resolução SF nº 13/2012, pois, como comentado anteriormente, os cálculos para apuração do imposto dependem da informação acerca do valor de importação, ou seja, o importador/fornecedor que obtiver respaldo judicial para não informar na NF-e o valor da importação impossibilitará que seu cliente tenha conhecimento da obrigação de aplicar ou não a alíquota de 4% de ICMS, caso realize subsequente operação interestadual.

Por fim, destaque-se que não é possível descartar alterações no sistema tributário criado pela Resolução SF nº 13/2012, tendo em vista sua complexa implementação e ilegalidades apontadas. Tanto isso já se fez presente que apesar de as normas relativas à alíquota de ICMS de 4% produzirem efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013, foi adiada, por meio do Ajuste SINIEF nº 27, de 21 de dezembro de 2012, para 1º de maio de 2013 a obrigatoriedade do cumprimento das obrigações acessórias instituídas no âmbito do Ajuste SINIEF 19/12, de modo que tais informações terão, até referida data, caráter exclusivamente orientador, salvo nos casos de dolo, fraude ou simulação devidamente comprovados pelo Fisco.

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